A morte do pilantra
Acordei no susto, às 7h45, e o ônibus sairia de Pelotas rumo a Porto Alegre às 8h. Tempo para nada, apenas para me vestir, mijar, lavar mal e porcamente o rosto, pegar celular, máquina fotográfica, radinho de pilha e caneta e correr para o ponto de saída, que por sorte, ficava a duas quadras de casa. Cheguei lá e vi grupos de gremistas espalhados pela rua. Saímos já eram quase nove: dois ônibus, cada um com 45 torcedores. Havia várias caixas com cerveja espalhadas pelo corredor, entretanto, como não conhecia ninguém, fiquei na minha. Antes de sair de Pelotas, uma parada em um boteco para abastecer mais. Aproveitei e peguei três latões, que guardei dentro da caixa de uns malucos para não esquentar. Na saída, torcida cantando sem parar, embalada pela cerveja e pelos rojões, que volta e meia eram lançados pela janela e explodiam na calçada, acordando os pelotenses que dormiam nas casas pelo caminho.
Lá pela metade da viagem o povo começou a se entregar. Quando estava quase dormindo, o busão parou em um restaurante para tomar “café”, onde tinha mais ônibus com torcedores gremistas. No encontro, como se fossem todos animais guiados pelos seus instintos (incluindo eu), começaram a cantar no ritmo do bumbo as músicas da Geral do Grêmio.
Foram quatro horas de busão. Chegamos em Porto Alegre e fui correndo na casa da minha ermã almoçar. Só deu tempo de comer e voltar para o estádio. Na entrada pelo portão 3, o PM falou para a mulher da roleta: “Imprensa pode passar” e fez sinal para que eu entrasse sem passar pela revista. Senti falta da Magnun, mas fazer o quê? Agora já era. Não daria tempo de voltar até o bar do meu tio e pedir o 38 dele emprestado para estourar os miolos do traíra fiádaputa. Antes de entrar no estádio, ainda vi o Dadá Maravilha e o Humberto Gessinger no credenciamento.
Subi na parte que tem o bar dos sócios e fiquei por ali, mosqueando. Nisso, encontrei meu amigo, José Henrique Koulterman, o famoso Zezinho, que trabalha na rádio Progresso, de Ijuí. De repente, vimos AQUELA imagem. Outros torcedores que estavam por ali também estavam admirando a paisagem. Até que saquei a máquina e registrei A IMAGEM. Os outros seguiram meu exemplo e também registraram aquele momento. Depois disso, nos abancamos nas cadeiras centrais do estádio Olímpico. Infelizmente a Brigada Militar não deixou entrar a maioria das faixas. As que entraram foram na base do drible dos torcedores, que deixaram a puliça na poeira. Algumas diziam coisas mais simples, como Pilantra, Traíra, etc. Mas a que mais gostei, foi uma que apareceu do outro lado do estádio, na geral, bem no meio do campo, com letras gigantes sentenciando: Miguelina prostituta. Para quem não sabe, Miguelina é a mãe do pilantra. Nome sugestivo, não? Miguelina, lembra migué, miguelão, que significa justamente algo como golpe, enganação, etc. Eis aí a etimologia do nome Miguelina.
Quando anunciaram os nomes no telão, obviamente o mais vaiado foi o do pilantra. Entretanto, surpreendi-me com a vaia para o Celso Roth, afinal, ele que livrou nossa cara nesse ano. Enfim, quando o time do pilantra entrou em campo só se ouviu uma palavra: Pilantra! Pilantra! Pilantra! Tenho certeza que nunca, na história do futebol, um jogador foi tão xingando e perseguido durante o jogo todo. Enquanto executavam o hino, o pilantra estava claramente nervoso, se mexendo sem parar, enquanto a torcida não dava arrego. Foi um massacre moral para um ser sem moral. E quando tocou o hino rio-grandense, o estádio inteiro BERROU para que o pilantra ouvisse: “Mostremos valor constância. Nesta ímpia e injusta guerra. Sirvaaaaaaam nossas façanhas. De modelo a toda Terra . De modelooooo a toda Terra. Sirvam nossas façanhas .De modelo a toda Terraaaaaaa!”. O pilantra ria, achando que o negócio iria parar por aí. A bola rolou e o estádio inteiro estava mais preocupado em vaiar o traíra fiádaputa do que em torcer para o Grêmio. Como resultado disso, o Flamengo começou melhor e o pilantra até que jogava bem, metendo uma bola no travessão e dando passes bonitos para os companheiros (que é só o que ele sabe fazer. Qual foi a última vez que ele fez fila como fazia no início da carreira e no Barcelona???).
Quando o time carioca abriu 2 a 0, o clima no estádio era de desolação. Eu, sinceramente, não acreditava no que via. 2 a 0 e o Flamengo jogando melhor. Menos mal que o pilantra não tinha feito gol. Nessa história toda pior foi ver o pilantra ir rebolar na frente da torcida do rubro-negro após o primeiro gol. Só eu sei o quanto eu queria ter uma Magnun, ou um AK-47 naquela hora. Torci para que o idiota caísse no fosso e estourasse seus miolos. Gritei “vai dançar na piscina do teu pai, filho da puta!”. Para quem não sabe, conto de novo: o pai do dentuço pilantra morreu afogado em uma piscina após ter a genial idéia de nadar bêbado, quando o pilantra era só um pilantrinha. Aliás, a BM, sem ter mais o que fazer, barrou as faixas com os dizeres: “Piscina copeira, levou um dos Moreira” e “Se beber não nade”. Comentei com o Zezinho: “agora, pra virar, só se fizer um no final do primeiro tempo”. Pouco depois, André Lima concretizou minha profecia: 2 a 1. O estádio foi ao delírio, voltou a xingar o pilantra a todo o volume e ficou revoltado com os gandulas sem colhões que foram lá lamber o saco do pilantra. “Se eu fosse presidente do Grêmio, todos eles estariam na rua amanhã”, comentei ao Zezinho.
Na volta do intervalo a mesma coisa: Pilantra! Pilantra! Pilantra! E, de fato, o pilantra sentiu o golpe. Não viu a cor da bola no segundo tempo, bem como seu time inteiro. Logo no início da etapa final, André Lima empata com um golaço, de dar inveja ao pilantra. A torcida foi ao delírio. Foi um orgasmo coletivo bombástico. Era como se todos os torcedores lançassem suas porras na cabeça do pilantra, que, todo melecado não conseguia se movimentar em campo. Ainda levou um amarelo, que fez os gremistas terem mais orgasmos múltiplos. O jogo estava 2 a 2 quando Escudero perdeu um gol absolutamente feito. Ele entrou cara a cara com Felipe e conseguiu chutar em cima do goleiro. Mesmo assim a bola sobrou pra ele, que conseguiu chutar pela rede do lado de fora. Enchi de bicudo a cadeira como se estivesse chutando a cara do Escudero. Sentei desolado, dizendo para mim mesmo: “não acredito, não acredito, não acredito...”. Achei que aquela fosse a chance do jogo e pensei que o Grêmio não teria outra oportunidade como aquela até o final da partida. Entretanto, pouco depois Douglas meteu sem dó nem piedade no rabo do pilantra carioca: 3 a 2! Eu filmava a torcida do Grêmio comemorando o golaço de Douglas quando de repente a bola chegou aos pés de Miralles, que botou o pilantra de quatro e meteu em seu rabo com toda a força: toma, vagabundo! 4 a 2. Chora desgraçado! Vai chorar na piscina do teu pai, filho da puta! Chupa Flamengo!!!
A essa altura eu já estava completamente sem voz. Nunca tinha berrado por tanto tempo seguido e a todo o volume como nesse jogo. Mas valeu apena. Lavei a alma. Comi o rabo de um pilantra.
No final do jogo, completamente desorientado e sem saber o que dizer, o pilantra ainda fala que “pra quem está acostumado com a torcida do Flamengo, até que não foi muito barulho”. Além de vigarista, virou piadista. Primeiro: o Flamengo nem no Maracanã está jogando. Desde que ele vendeu seu corpo para os flamenguistas, que vão chutar e vaiar ele assim que o time começar a não ganhar títulos, os jogos estão sendo disputados no bizarro e risível Engenhão, que tem capacidade para bem menos torcedores do que o velho e bom Olímpico. Segundo: a torcida do Flamengo só canta quando o time está bem, ao contrário da do Grêmio, que canta o tempo todo e a todo o volume. E, terceiro: ele está se achando porque está matando milhões dos patos cariocas, pensando que a torcida rubro-negra é a maior do Brasil. Em números totais, até pode ser, entretanto, se pegar a torcida só dentro de sua cidade, quiçá, de seu estado, a torcida do Flamengo fica MUITO atrás da torcida do Corinthians, que, ao lado da do Grêmio, é a mais fanática do Brasil.
Bem, fim de jogo, os atletas gremistas vão comemorar com a torcida e eis que um sujeito cai na fossa do estádio Olímpico, onde torci para que o pilantra caísse. Helicóptero da BM ameaça pousar no campo e digo para o Zezinho “vambora que essa porra vai cair no meio do campo”. E, eis que na saída do estádio damos de cara novamente com o Humberto Gessinger. Como o dia tinha sido perfeito, aproveitei o embalo para dar uma de tiete e tirar uma foto para o álbum.
A volta foi cansativa, mas com os 4 a 2 no rabo do pilantra valeu a pena. Na saída de Porto Alegre, quem cruzava com o ônibus de camisa do Inter era simplesmente fuzilado com todos os tipos de xingamentos e palavrões. Quando alguém ameaçava responder, alguém gritava “Ô motora, pára o busão! Vamo pega esse desgraçado!”, e logo o cara dava no pé.
Lá pelas tantas, o povo começou a ascender uns charutos mágicos e uma moça de boa família gritou: “Quem quer fumar, vai fumar lá fora!”. Então, o organizador do troço todo retrucou:
- Quem falou isso?
- Eu! – respondeu a moça.
- Cadê a dona dessa voz? Deixa eu ver o rosto dessa cara iluminada! Isso é que é exemplo! – disse.
Ao vê-la, sentenciou:
- Mas que linda! Mas não vai mais viajar conosco!
Óbvio que era brincadeira (ou não) e todos caíram na gargalhada. No final das contas, o busão chegou em Pelotas já era quase uma e meia da madruga. Entrei em casa, todo mundo dormindo, tomei um banho, dei uma cagada e fui deitar feliz, leve e satisfeito.
Vídeos, gravados por mim no jogo:
http://www.youtube.com/watch?v=CE0wmK0KNxs
http://www.youtube.com/watch?v=yaO9lwvAGS8