.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Cale a boca, jornalista!

Quem tem alguma dúvida de que o regime militar que comandou o Brasil entre 1964 e 1984 foi um regime com princípios nazistas e fascistas está CONVOCADO a ler “Cale a boca, jornalista”, livro do escritor e jornalista Fernando Jorge. Aliás, eu “conheci” Fernando Jorge através de suas colunas na Revista Imprensa e já gostava de seus textos. Agora passo a ser um de seus grandes admiradores, pois a história do Brasil lhe deve muito pelo levantamento feito sobre o absurdo regime. O livro também traz histórias de outras ditaduras, como a de Getúlio, ou ainda, do período de transição da independência, etc, mas o que mais chama a atenção é o período em que a milicada tornou o Brasil uma terra de malucos raivosos que escolhiam sem muitas justificativas pessoas para torturar a matar. Se um milico olhasse para a sua cara e te achasse com cara de subversivo, ou se ele pensasse que você conhecesse um subversivo, você poderia ser preso, ficando dias e dias sendo torturado até 18 horas e, se tivesse sorte, você morreria para não precisar mais sentir tanta dor. É essa a impressão que deixam os relatos que estão no livro. Aliás, a caçada aos “subversivos” era uma legítima caça as bruxas, pois o conceito de subversivo era completamente subjetivo. Você poderia ser preso como subversivo, por exemplo, se estivesse andando pela rua com um livro na mão de algum autor de esquerda. Pior ainda se fosse algum livro de Marx, que hoje é praticamente uma bíblia nas universidades.
E o pior é que eu, ingenuamente, achava que no período que antecedeu as Diretas Já, lá por 1980, não aconteciam mais tantos absurdos. Ledo engano, pois os assassinatos e torturas seguiram até o último minuto do governo Figueiredo. Aliás, eu como brasileiro me sinto no direito de emitir a seguinte definição sobre esse traste: ele foi um grandíssimo dum filho de uma puta.
Eis um resumo do que aconteceu, colocado em um trecho sintetizador da página 162:
“Ali, ‘em defesa do movimento de 1964’, era praticada a arte de flagelar o corpo humano. Elementos do Exército, desferindo murros, arrancaram dentes do jornalista Milton Coelho da Graça. Os testículos de um agitador camponês, cujo apelido era Índio, foram amassados com tenazes. Dos canais auditivos do cidadão Gildo Rios saía o pus, em conseqüência da ruptura dos seus tímpanos, dos golpes que recebera nas orelhas. E o próprio coronel Hélio Ibiapina viu o suplício infligido ao professor Assis Lemos, da Paraíba: enfiaram, no ânus deste homem, um papel molhado em álcool e depois o ascenderam, puseram-lhe fogo... Churrasquinho, eis o nome dessa tortura, uma variante do clister elétrico”.
Os relatos são absurdos. Eis, na sequência, a partir da página 163, o seguinte relato de uma das perseguições impostas pelos militares:
“[...] Havia fundamento nesse terror do jornalista, pois o coronel Darcy Villocq Viana espancara selvagemente o líder comunista Gregório Bezerra. Este foi acolhido, no quartel do Batalhão Motomecanizado, com golpes de cano de ferro na cabeça, pontapés e coronhadas por todo o corpo, sobretudo no estômago, no abdômen e nos testículos. Após a recepção, Gregório ficou estendido no cimento de um xadrez, mas Villocq continuou a surrá-lo, exibindo baba pelos cantos da boca e vomitando ‘termos pornográficos que nem as mulheres mais decaídas do baixo meretrício seriam capazes de pronunciar’. Depois a fera quis introduzir a barra de ferro no ânus da vítima, porém não conseguiu [...].
Colocaram o líder comunista de bruços e embora ele estivesse encharcado de sangue, com os dentes todos partidos, VIllocq pisou na sua nuca, enquanto os demais algozes sapateavam naquele pobre corpo moído. Terminado este trabalho, ergueram o homem e o obrigaram a pisar numa poça de ácido. Logo, em poucos segundos, o ácido deixou a sola dos pés em carne viva. Imaginemos os urros lancinantes de Gregório Bezerra, como isto deve ter sido atroz. [...].
O coronel, após se deter em frente do edifício do CPOR, concitou os alunos, os oficiais e os soldados a lincharem o rebelde. Ninguém atendeu, o que aumentou a sua fúria. Mais adiante, num cruzamento, Villocq impediu o fluxo do trânsito e voltou a bater em Gregório, enquanto alçava a voz:
- Linchem este bandido! É um monstro! É um incendiário! Queria fazer a revolução comunista, a serviço de Moscou! Queria entregar o Brasil à Rússia soviética! Tinha um plano para incendiar o bairro da Casa Forte e matar todas as crianças queimadas! Matemos este Bandido! Venham, batam, até ele morrer. Vinguemos os crimes que ele cometeu, agora está amarrado, não pode reagir!
Tudo inútil, ninguém aceitou o convite. A espumar de ódio, cada vez mais raivoso, VIllocq pulava e surrava o prisioneiro, querendo que o povo apreciasse aquela sordidez. Chocadas, as pessoas viravam o rosto [...]”.
E segue a história. Mais adiante, o coronel leva Gregório para a sua casa, mas a própria esposa pede, chorando, para que ele pare com aquela loucura psicótica.
O pior é que histórias como essas, no regime de 1964, não foram exceção: foram regra. E muitos foram torturados e até mortos sem sequer serem o que os milicos chamavam de “subversivo”. Tem gente que, para causar mal para um desafeto, denunciava-o como “subversivo”, e o pobre diabo ia para a cadeia ser torturado por dias a fio, ouvindo perguntas sem ter idéia de quais eram as respostas.
E para aqueles que pensam que Vladimir Herzog (foto) foi o único jornalista morto sob tortura nesse período, enganam-se. Fernando Jorge identificou pelo menos outros 19 jornalistas que foram mortos pelos militares sob tortura, todos identificados, inclusive com as fotos deles mortos com os rostos desfigurados. Isso em um período de 20 anos (e fora os que não foram identificados pelo jornalista, que se restringe, principalmente ao eixo Rio-São Paulo). Só com os números de Fernando Jorge, é um jornalista morto e torturado por ano. Fora os “não-jornalistas” e mais aqueles que desapareceram e nunca mais foram vistos. Todos caçados, presos, torturados e mortos.
Teve ainda o caso de uma cidadezinha, contado no livro, onde foram presas pessoas comuns, sendo colocadas em caminhões sem comida, sem poder dormir, e levando porrada dias a fio. Mortas de sede e fome, quando os milicos lavavam os caminhões com substâncias químicas, essas pessoas brigavam para beber aquela água podre, misturada às fezes. Teve ainda um depoimento que aponta que um sujeito falou para o outro e disse: “fulano, me avise quando for urinar, porque não agüento mais de sede”. Isso não é tão cruel quanto foi o nazismo?
Agora, depois de ler esse livro (que tem muitos outros casos de psicose aguda), fico me perguntando, por que os livros das escolas, e a cultura brasileira em geral, apresenta o nazismo e o fascismo como algo completamente diabólico e o período de 20 anos de regime militar não recebe o mesmo tratamento?????? Porra, as maluquices e o sadismo eram simplesmente idênticos!!! Os dois eram malucos. Os dois queriam eliminar o diferente através da morte (e quanto mais cruel, melhor). Ou seja, eu passei pelo colégio sem conhecer essa maluquice que aconteceu em nossa história, mas terminei o segundo grau sabendo muito bem a maluquice que foi o nazismo e o fascismo!!!
E, para os mais novos (como eu) que não eram nascidos na época ou eram muito pequenos, e para os mais velhos que têm memória curta, aí vai uma entrevista que foi publicada na época no Jornal Nacional, e que está contada no livro, envolvendo o sanguinário e psicopata general Nilton Cruz. Vejam como alguns milicos de merda se achavam Jesus Cristo em terra brasuca:

http://www.youtube.com/watch?v=IWuggz3aWhw

O pior é que esse retardado mental facínora, pelo visto (ele deu entrevista a um dossiê sobre a ditadura da Globo News – que também está no youtube) parece que está vivo. E o pior: solto!!!! Esse é o nosso Brasil!!!!!! Pior que ao ouvir ele falando na Globonews todo velhinho, quem não conhece suas histórias, até pode se iludir, e pensar que ele é bonzinho. Mas a verdade é outra e diversa, como diria meu primo Alemão: generalécos também envelhecem. E aqueles que ele mandou para o além, estão o esperando na porta de lá!
Sem nada mais a declarar. Fim.

domingo, 29 de janeiro de 2012

A dona do parquinho

As crianças são uns bichinhos curiosos e que têm seu próprio código de conduta e de ética. Já desconfiava disso, mas minhas hipóteses se confirmaram hoje de tarde. Porém, como o ser humano não é justo, até o código de conduta das crianças segue a lógica que sempre moveu a humanidade: os maiores oprimem os menores.
Como é de costume, assim que chegamos na AABB minha pequena foi para o “peixe” tomar banho de piscina, mas logo sentiu frio e veio enrolada na toalha carregada pela “mãmãmá” tremendo os pequenos beicinhos. Depois de estar sequinha e quentinha, ela pegou o seu baldinho da Hello Kitty, cheio de pazinhas e brinquedos, e foi indo, pé ante pé rumo ao parquinho da AABB. Como era domingo e estava um calor insuportável, o parquinho, como toda a AABB, estava lotado de crias. Como a minha Larissa era a menor dentre todas as crias, e como existem crias um pouco maiores que parecem que têm o bicho carpinteiro no corpo, tratei de colocar a minha bilulinha em um canto, perto da divisa da areia com a grama com os seus brinquedinhos. E ela logo achou o que fazer: pegou a sua pazinha de plástico e começou a tapar a grama com areia. Pensei comigo mesmo: “ela vai levar uma semana para tapar toda a grama”, mas deixei-a fazendo a sua tarefa, que cumpria objetivamente, olhando com seus olhinhos curiosos da areia para a grama, e da grama para a areia, antes de encher a pazinha de areia e jogá-la na grama.
Eu fui interrompido da minha observação paternal ao ver se aproximar uma guriazinha, que devia ter uns 3 ou 4 anos, bem loirinha, de cabelos lisos e cara de anjo. Vi aquela criaturinha inocente se aproximar e falar, de forma inquisitiva: “ela não pode brincar aqui. A gente está brincando nesse espaço”, apontando com seu dedinho minúsculo para os seus amiguinhos que giravam naquele tareco de madeira em forma de círculo onde as crias ficam rodeando. “Ela deve ser a líder”, pensei, “e deve ter tomado a iniciativa de expulsar a intrusa, pois a minha Lari é muito pequena para eles”. Ainda um pouco surpreendido, enchi-me de coragem, franzi a testa e retruquei à pequena ditadora: “ela pode sim”. Estranhando o meu retruco, a pequena opressora quis saber o motivo da minha teimosia. Respondi, falando o mais sério possível: “porque ela é a dona desse parquinho”. Ao ouvir a resposta, a pequena alemoazinha virou as costas e saiu correndo para cochichar com os amiguinhos. Deve ter acreditado, pois não voltaram a importunar minha bilula, que ficou ali, por algum tempo, tentando tapar a grama da AABB com a areia do parquinho.
FIM

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Sobre relacionamentos e futebol

Já li quase tudo que foi publicado de Charles Bukowski (1920-1994) em português e, livro após livro, mesmo depois de morto, ele não para de acertar na mosca as suas análises sobre a vida que, para alguns, são simplistas, enquanto que para outros são geniais. Como é de se esperar, eu pertenço ao segundo grupo.
No momento, estou terminando de ler o “Cartas na rua” que foi o primeiro romance escrito por Bukowski. Assim como em “Mulheres”, ele mostra como os problemas de relacionamento, de fato, só mudam de endereço para endereço. Em um de seus relacionamentos, o velho Buk vem se estressando há tempos com a mulher que nunca o deixa dormir após jornadas de 12 horas de trabalho no Correio norte-americano. Até que um dia, após ter comprado um cachorro, ela arranja dois periquitos, que não calam a boca um segundo. Sem conseguir dormir, ele aproveita uma saída da mulher e solta os bichos. Em seguida, vai tirar um cochilo para se recompor, e começa a sonhar que é prefeito de Nova York e que está montado em um cavalo branco andando pela Broadway. Em meio ao sonho, ele é acordado pela mulher, dando início ao seguinte diálogo:
“- O que aconteceu com os passarinhos?
- Que se f... os passarinhos. Sou prefeito de Nova York!
- Perguntei dos passarinhos! Só estou vendo uma gaiola vazia!
- Passarinhos? Passarinhos? Que passarinhos?
- Acorde, seu merda!
- Dia duro no escritório, querida? Você parece irritada.
- Onde ESTÃO os PASSARINHOS?”
Enfim, essa é apenas uma das discussões bestas dele com essa mulher. Já nos outros relatos de relacionamentos as histórias sempre se repetem: brigas por causa de cachorro, filho, comida, dinheiro, vizinhos responsabilidades, sogros, sogras, etc. Diante de tantas histórias repetidas, em outro trecho, ele reflete: “Deus, ou sei lá quem, continua criando mulheres e cuspindo-as nas ruas, e o rabo dessa é muito grande, os peitos daquela são pequenos demais, e aquela outra é louca, e outra totalmente pirada, tem uma ainda que é religiosa e outra que adivinha o futuro em folhas de chá, há a que não consegue segurar seus peidos, e mais aquela que tem um nariz imenso, sem esquecer daquela de pernas esquálidas...”.
Enfim, assim como as histórias de relacionamentos se repetem ao longo da história da humanidade, as histórias da Libertadores também. Todo o ano está sendo a mesma coisa: colorados acham que vão ser novamente campeões e lotam bares e restaurantes a cada jogo. E, todo ano, os gremistas se postam a secar e a torcer pela tragédia vermelha, que, ou não chega nunca, ou tarda a acontecer. Após a vitória por 1 a 0 no Beira-Rio quarta-feira, acho que os gremistas nunca tiveram tão próximos de ver um fiasco colorado na Libertadores tão cedo. Jogando na altitude da Colômbia, contra um adversário mais qualificado que os que estão na própria fase de grupos, vai ser difícil voltar ao Brasil com a vaga. E, independente do resultado, a história será a mesma de sempre: ou corneta gremista ou mais secação nos próximos meses.
Um bom final de semana a todos.

*Texto publicado no JM de sábado.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O nenê mais lindo do mundo!

Sou um pai mais-que-coruja. Descubro isso a cada dia que passa. Não tenho dúvidas de que a minha pequena Larissa é o nenê mais inteligente e lindo do mundo. Para quem não é pai, isso pode soar idiota e ingênuo, mas quem é pai sabe do que estou falando.
Com um ano e dois meses, se você pergunta para ela: “onde está o pé do nenê?” ela aponta para o pé. Se você diz “cadê a cabeça do nenê?” ela põe as duas mãos na cabeça. Se você começa a bater palmas e a cantar, ela começa a dançar, a bater palmas e a murmurar “oooouuuaaaarrrbhhhhaaaa”. Quando a música acaba ela levanta os bracinhos, como se perguntasse “cadê?” e fala “cabo”. E quando eu visto uma camiseta qualquer, antes de pegar a chave do carro, ela vem e estende as suas mãozinhas pedindo um colo para ir junto tchau-tchau. Já se enxerga uma bola, pode ser até na TV, ela diz “bó! Bó!”. E se você larga uma bola no chão ela sai chutando e gritando “gooooooooo”. Porém, se ela está na piscina fazendo bagunça, olhando as outras crias pulando e saracotiando, ou se ela está brincando no parquinho com seus brinquedos no meio da areia e você diz “nenê, está na hora, vamos tchau-tchau?” ela range os dentes e balança negativamente a cabeça de forma rápida e, se você tenta insistir e pegar ela no colo, ela joga todo o seu corpo para trás, com força e rapidez, fica vermelha igual uma pimentinha, abre bem a boquinha, que tem meia dúzia de dentes, e faz um barulho ensurdecedor: “buáááááá!”. Então, como você tem o coração mole, você a larga novamente na areia e a deixa brincar mais cinco minutos, mesmo sabendo que a novela se repetirá após nova tentativa de tirá-la de seu entretenimento.
Já se você vai para perto da TV ela começa a pedir antecipadamente “co-có”, referindo-se ao DVD do Cocoricó e da Galinha Pintadinha. Se passa um carro na rua ou se ela vê o carro do vô na garagem ela pede “brum-brum”. E, se o avô dela vai em direção a porta ela começa a chamar “vô brum-brum”. Já quando ela recebe uma dura do papai ou da mamãe por fazer alguma arte, ela olha com os olhos arregalados para a vovó, que vem acudir o nenezinho na hora. Aliás, agora a vovó arranjou um cachorrinho para a neta preferida: e um faz mais arte que o outro. E se ela vê alguém comendo qualquer coisa ela já pede um pouco com seu tradicional “nham-nham”. Já água e au-au foram as primeiras palavras que ela aprendeu a falar. Outra foi “teta”. Quando ela era menor e tomava banho com a mãe dela, ela apontava para as tetas maternas, até que um dia ela aprendeu a falar “teta”. O problema foi que, de início, ela achava que a mãe dela se chamava “teta” e, cada vez que via a mãe, dizia “teta”. Depois ela aprendeu o verdadeiro significado de “teta”. Mas o problema, a partir de então, passou a ser que quando ela me via sem camisa ela apontava para a minha teta e dizia “teta”. Como todos riam, ela automaticamente dizia “teta” e caia na gargalhada. Agora, além de teta, ela diz “bigo” apontando para o umbigo. E no dia em que eu mostrei que ela também tinha “bigo”, ela deu um dos sorrisos mais lindos que já vi na vida.
Já quando ela está com sono, ela chupa o dedão e mistura riso com choro. Geralmente começa a chorar, mas aí eu mexo um pouco com ela, e ela começa a rir o seu riso mais encantador. Às vezes fico a observando brincar, levando um brinquedo de um lado para outro, tentando montar algo impossível de ser montado. Outras vezes ela vai na cozinha, abre as portas, e tenta tirar tudo para fora: panelas, potes, pacotes, talheres, panos, etc. E aí de quem tenta segurá-la. Outra coisa que ela adora são os passarinhos. Ela vê qualquer ave na rua e grita “pá-pá-pá”. Tem uma entonação diferente de quando ela me chama de “papa”. Para se referir a mim, ela diz “papapa”. Assim, emendado e sem acento. Já quando ela vê um passarinho ela fala gritado e pausado “pá-pá-pá”. Diferenças que só os pais vêem.
E eu encerro o texto por aqui, pois poderia escrever muito mais sobre cada descoberta dela em relação ao mundo e minha em relação a ela. O fato é que, se eu pudesse, passaria todos os dias, 24 horas, só a observando. É uma satisfação que, desculpem os capitalistas de plantão, não tem preço.
Hasta luego, que vou lá espiar a minha bilulinha!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Instinto caçador

Uma noite quente. Um bar. Cerveja gelada e três amigos. Francis era o único do bando que era casado. E mais: era casado e tinha dois filhos – um guri de quatro anos e uma guria de dois. Não tinha nada a reclamar da vida: se dava bem com a mulher, tinha um bom emprego, amava os filhos e assinava o Pay-Per-View do campeonato Brasileiro. Enfim, era um homem feliz, mas a essa altura da vida, pacato. Não lembrava nem de longe o antigo caçador da noite que abaixava uma calcinha após a outra. Para cada conquista, uma emoção. Para cada emoção, uma vitória. Para cada vitória, uma lembrança. Mas isso já era coisa do passado. Aos 35 anos, há 8 estava sossegado. Desde que conhecera Vitória. Além de achar a mulher um tesão de outro mundo, ainda era apaixonado pelo seu nome, que tinha tudo com a ver com a própria personalidade de Francis: um vencedor.
Fazia tempo que não saía com os amigos, mas como naquela noite simples de quinta-feira a mulher tinha ido viajar com seus pais e as crianças, achou que não tinha nada de mais em sair dar uma bebericada em uns copos de cerveja com os dois amigos. Ambos eram solteiros e estavam na fase da caça. Ele era o lobo experiente que apenas a tudo observava.
As coisas começaram a mudar quando chegaram duas mulheres, uma loira, um pouco acima do peso, mais nova, e outra morena, magra, corpo bem desenhado, pele branca e um pouco mais velha do que ele. Logo de início tudo foi ajeitado: a loira sentou ao lado de Renan e a morena ao lado de Márcio. Ele nem esquentou, pois estava fora do páreo. E nem tinha a intenção de entrar naquela disputa hormonal. Ao fundo, rolava o som de uma baladinha qualquer, dessas que quando você menos percebe está assobiando e batucando na mesa, como “Pumped Up Kicks”. Como um velho lobo, que apenas observa os mais jovens caçando, ele via Renan se virar bem com a loira, mas, por outro lado, Márcio não abria o bico para trocar uma idéia com a morena. Como sabia da timidez do amigo, aos poucos o seu instinto de caçador foi florescendo dentro de si. Não conseguia ver aquela gazela frágil e indefesa ficar ali, completamente abandonada, olhando para as paredes. Ele tinha compaixão. E foi tomado por essa compaixão de não permitir uma presa ficar sem um caçador que ele puxou assunto com a morena. Márcio, a princípio, ficou no meio, ouvindo a conversa. Francis era tão dono de si mesmo que estava se lixando para a cara do amigo, que ficava entre ele e a beldade. Quando Márcio se levantou para ir ao banheiro, a morena pulou para o lado de Francis. Os dois riam, com naturalidade. A conversa fluía e os olhares e trocas de elogios tornavam-se cada vez mais furtivos. Francis logo percebeu que a morena tinha um humor peculiar. Primeiro, quando disse que trabalhava no caixa de uma revenda de automóveis, ele, meio sem saber o que dizer, comentou em voz quase inaudível:
- Interessante.
Então ela olhou fixamente para ele e comentou:
- Sim, interessantííííssimoooo – estourando em seguida em uma interminável gargalhada.
Depois, quando ele comunicou ao bando que ia ao banheiro, ela quis saber o que ele ia fazer lá. Ele franziu a testa e respondeu sem pestanejar:
- Vou mijar.
Ela então riu e disse:
- Ah bom. Pior se você dissesse que iria “fazer pipi”.
Renan se intrometeu na conversa e disse:
- Isso é muito gay.
- Eu adoro gays. Morro de tesão por um gay – retrucou a morena.
A frase simples ficou gravada na mente de Francis. Mais tarde, após alguns copos de cerveja, quando Francis disse novamente que iria ao banheiro, a morena perguntou mais uma vez:
- Vai fazer o quê?
- Pipi – respondeu Francis.
A morena então perguntou:
- Você é gay?
- Sou – respondeu Francis, encarando a morena.
Por um momento ela acreditou na palavra de Francis. Mas foi então que o velho lobo deu o golpe fatal em sua presa:
- Você não disse que gostava de gays?
E então, assim como um lobo experiente crava as suas mandíbulas no pescoço de um rottweiler de madame, Francis abocanhou a morena.
Nessa noite Francis esqueceu tudo: a mulher, os filhos, o cachorro e o papagaio, e se deleitou nas carnes saborosas da morena, como um lobo faminto come os próprios pais ao não encontrar caça durante dias para não morrer de fome. É o instinto animal que sobrevive no corpo humano. É o instinto que nunca vai abandonar a homem enquanto houver uma carne feminina suculenta a ser devorada.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cilada

Em “Canibais”, o escritor e jornalista David Coimbra contou a história do açougueiro que morava na Rua do Arvoredo (hoje Fernando Machado) em Porto Alegre que fazia lingüiça com carne humana, transformando parte da população porto-alegrense em canibais involuntariamente. Mas como o açougueiro conseguia matar pessoas sem ser descoberto? Simples, ele usava a sua mulher, que atraia as vítimas até o açougue, onde eram surpreendidas e mortas. Mesmo sabendo que aquele pedaço de carne suculenta feminina era mulher de um açougueiro, as vítimas ficavam cegas de prazer, imaginando as loucuras que seriam vividas dentro da alameda rija da mulher do açougueiro e esqueciam o perigo.
Já no clássico “Caninos brancos”, de Jack London, logo no início do romance uma loba, que parece uma cadela, seduz os seis cães que empurram um trenó para entregá-los aos outros lobos, todos famintos por carne. Mesmo sabendo do provável destino, cão a cão se deixa seduzir pela loba branca cheia de charme e rebolado. Resultado: os seis cães, mais um de seus donos humanos, vão parar dentro da barriga dos lobos.
São muitas as histórias, tanto na literatura, quanto no cinema e na própria vida real, em que homens são seduzidos pelas mulheres (ou cães pelas cadelas) e que perdem a vida ou grandes negócios nessa sedução. No mundo animal, um caso clássico, é o da viúva negra, que, como o nome já diz, termina com a morte do macho após este copular com a fêmea. Na mitologia ficcional, as sereias atraem os homens com seu canto para depois devorá-los. E por aí vai...
No mundo futebolístico a história é parecida, mas ao invés da sedução ser feita com rabos de saia e coxas suculentas, os torcedores se deixam enfeitiçar pelo passado dos ex-craques. Os flamenguistas estão cada dia mais arrependidos de terem investido a alma em Ronaldinho Gaúcho. Além de confirmar, com suas atitudes, que é um pilantra-mercenário, ameaçando não jogar se não receber, faz horas que ele não está jogando absolutamente nada. Só toca a bola de lado e bate falta. Driblar, fazer fila, dar chapeuzinho, etc, isso é coisa do passado. E foi com esses dribles e jogadas mágicas que ele seduziu os torcedores do Flamengo, bem como a mulher do açougueiro seduzia as futuras lingüiças humanas com seu vestidinho marcando as primeiras dobras da nádega.
Vendo o que aconteceu com o Flamengo, a dupla Gre-Nal torce para que Cleber, no Grêmio, e Dagoberto, no Inter, também não venham a ser verdadeiras ciladas futebolísticas. Os dois investiram alto nesses jogadores. O Grêmio deposita em Cleber todas as suas fichas para tirar os atrasos do Gauchão e da Copa do Brasil e para buscar o título inédito da Sul-Americana. Os gremistas estão apostando cegamente nele, da mesma forma que o homem atraído pelo som do canto da sereia acredita que vai viver momentos de prazer e delírio nas suas glândulas de Bartholin. Já os colorados acreditam piamente que Dagoberto, ao lado de Damião, vai ser a felicidade que a loba não foi para os cães em “Caninos Brancos”.
Enfim, enquanto ninguém ainda quebrou a cara seguimos acreditando que tudo é possível. Às vezes é bom se iludir. Quem se ilude é feliz, pelo menos por um momento.
Um bom final de semana a todos.

*Texto publicado no Jornal das Missões de sábado.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Exército (gremista) de um homem só

Eram seis colorados contra eu. Meu primo-tio Alemão Marcos, Alemoa Mônica, meu priomo-tio Paulo, Marlene, a patroa Cris e a mãe Nara. Os outros dois gremistas (pai Nabuco e filha Larissa) estavam passeando, vendo os au-aus das redondezas. A discussão iniciara após comermos uma peixada feita pelo aniversariante, Alemão Marcos. Estava em debate o fanatismo desse que vos escreve pelo Grêmio, quando alguém perguntou:
- E se na hora do jogo do Grêmio chegar uma mulher pelada com uma cerveja na mão, o que você escolhe?
Não pensei duas vezes antes de responder, de bate-pronto:
- O jogo do Grêmio.
Houve um “ahhhhhhh” geral, duvidando da veracidade da minha resposta. Foi então que respondi:
- É por isso que eu sou gremista e vocês são colorados.
A torcida do Grêmio é muito mais fanática do que a do Inter. Não tenho dúvidas. Gremistas fanáticos dizem: “mulheres vem e vão, mas time do coração é só um”. Eu argumentei que a mulher pelada poderia esperar terminar o jogo. E se não esperasse, azar o dela. Agora, o jogo do Grêmio é só naquela hora. Não tem como adiar. Claro que, fiz a ressalva, depende da importância do jogo. Falo que escolheria o jogo do Grêmio em partidas decisivas, como um jogo eliminatório de Copa do Brasil ou Libertadores, ou um simples Gre-Nal.
Além disso, eu, sozinho, discuti com os seis colorados que o Grêmio é, há um bom tempo, o clube do povo. Basta qualquer um de vocês ir ao Olímpico e ao Beira-Rio. Eu fiz isso quando estava no primeiro ano de mestrado, em 2009, quando cheguei a tal conclusão. Frequentando os dois estádios, percebi rapidamente que o Inter virou clube de burguês, de elite. Nas arquibancadas do Beira-Rio você não vê mais o pedreiro com dois dentes na boca. Você só vê playboy com roupa de marca e loira metida a modelo. Já o Grêmio passou a assumir essa postura mais democrática, na sua famosa Geral. Isso é fato. Não tem quem prove o contrário. Eu vi com meus próprios olhos.
E outra: como já disse aqui, a torcida do Grêmio canta o tempo inteiro. Já a do Inter, se o time começa a jogar mal, logo o canto some e surgem os primeiros murmúrios e vaias. Falo isso como uma constatação jornalística, e não como torcedor. Não é para provocar ninguém, é fato.
Lá discuti com seis colorados. Aqui posso discutir com um milhão e nenhum vai me fazer mudar de opinião.
Hasta!

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Um livro fodão sobre um cara fodástico

Um guri nasce no interior da Paraíba, muda-se com a família para Pernambuco e, quando começa a crescer fica gago. Para curar a gagueira (após serem tentadas todas as alternativas possíveis), ainda na infância, é mandado para morar no meio do mato com o avô. Fica três anos lá e, após o avô mandar ele ir pra beira de um rio falar sozinho, ele passa a falar normalmente. A partir de então, corre atrás do atraso nos estudos, consegue passar em uma espécie de supletivo da época, pede emprego para uma ricaça de Recife como jornalista e é contratado como mordomo. Destaca-se nos relatórios semanais pelo seu bom texto sobre as atividades domésticas da casa e é indicado para trabalhar como auxiliar de repórter em um jornal. Nesse período, apesar da alfabetização ter ocorrido depois dos 10 anos, já fala alemão e francês e lê fluentemente obras desses dois idiomas.
Buscando o sucesso no jornalismo, entra em polêmicas com autores consagrados, escrevendo textos venenosos e forma-se em Direito. Já tem certo reconhecimento quando entra em uma briga histórica em um concurso para professor de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Como namorava a filha do reitor e o seu concorrente é relativamente famoso, o concurso ganha atenção da imprensa no Brasil. Ele supera o rival, que acaba recorrendo do resultado, apoiado pelos alunos e outros figurões. Apesar de ainda ser um guri de aproximadamente 20 anos, o nosso personagem consegue audiência com o presidente da República na então capital federal, Rio de Janeiro, que lhe garante a posse. Após o sucesso do caso, é procurado por empresários para advogar e sequer chega assumir a vaga de professor universitário. Troca Recife pelo Rio para advogar para a mesma ricaça que, lá atrás, contratou-o como mordomo. Aos poucos, busca novamente a paixão pelo jornalismo. Trabalha nos maiores jornais do Rio, com destaque para o então grande Jornal do Brasil, e faz um puta trabalho de jornalista, principalmente como correspondente internacional, dando furos e mais furos em jornalistas brasileiros, americanos, alemães, etc. Consegue entrevistas, por exemplo, com alemães derrotados na primeira guerra que, até então, nunca tinham falado com a imprensa.
Usa o Direito para ganhar dinheiro e, depois de muita labuta, sem dinheiro, mas com muitos amigos importantes, compra um jornal, que se chama O Jornal. A partir daí o personagem jornalista passa a ser esmagado pelo empresário. Às vezes tem recaídas e trai seus amigos políticos em nome do furo jornalístico, mas, no geral, age pensando nas relações influentes e no dinheiro. Não mede palavras para usar o jornal para destruir a vida dos desafetos e, diversas vezes, consegue seu objetivo. Quando não consegue pelas palavras, apela para os capangas. Passa a ser admirado por alguns, odiado por outros, mas temido pela maioria. As mesmas pessoas que apóia, no outro dia, as critica e detona em palavras ofensivas. Quando precisa, inventa uma história para atingir a vítima e ela que se vire para se defender. Experimentaram esse veneno desde Luis Carlos Preste até Getúlio Vargas e Castelo Branco (quando o militar morre, ele promove uma puta festa para comemorar o fato). Ajudou Vargas a fazer a revolução de 1930, pegando em armas, mas logo em seguida se volta contra ele. A relação entre os dois é uma relação de amor e ódio. Quando é comunicado que Vargas se suicidou, diz friamente: “Vou ocupar a vaga dele na Academia Brasileira de Letras”. E realmente ocupa. Tem duas grandes paixões: os aviões (foi o primeiro civil brasileiro a andar de avião, como repórter) e a arte (foi o fundador do Museu de Artes de São Paulo). Entretanto, para comprar aviões e obras caríssimas “elegia” alguns milionários, definia o valor que cada um doaria, e 90% dos escolhidos arcavam com suas decisões. Quem não arcava era, automaticamente, eleito a próxima vítima de seu império da comunicação. Para ganhar a guarda da filha, apelou ao presidente da República (Getúlio Vargas) e simplesmente mudou a legislação do país, ganhando a causa.
Certa vez era para ter morrido. Voltava da Europa em um vôo com várias escalas, mas resolveu descer em Recife. Na seqüência, o avião explodiu. Quando todos achavam que tinha finalmente morrido, ele aparece, sorridente, feliz da vida. Outra vez, em um hotel em Londres, sentava-se para ler jornais comunistas para irritar os hospedes, que logo pediram aos donos do hotel para expulsar aquele baixinho que falava inglês com sotaque de nordestino. Fez um escândalo e chamou a atenção de um figurão da Primeira Guerra, que intercedeu, dizendo que se aquela figura pitoresca deixasse o hotel, ele também sairia. Acabaram todos ficando, e depois desse dia ele passou a fazer barulho ainda maior ao folhar as páginas dos jornais comunistas, irritando a todos.
Costumava dizer aos seus jornalistas que quem quisesse emitir opinião, que comprasse seu próprio jornal. Escreveu em toda a vida 11870 artigos. Foi tema de grandes reportagens em todos os grandes jornais do mundo, como o New York Times. Foi um mulherengo incorrigível, casando, tendo filhos, mulheres, amantes, ex-mulheres, casos, etc. Ainda jovem, conheceu a princesa Isabel, que lhe perguntava “como andam os meus negrinhos no Brasil?” e a rainha Elisabeth, que deixou de lado a frieza com que tratava os diplomatas para gargalhar com aquele baixinho que, só de birra, conseguiu ser embaixador do Brasil em Londres. Também foi senador e dono de estações de rádios, TV, jornais e revistas, além de outras empresas, como laboratórios. Quando ia viajar e não tinha dinheiro, passava na empresa mais próxima e levava todo o caixa. Certa vez, o contador, indignado com isso, disse para o patrão pelo menos assinar um documento quando fizesse isso, pois do jeito que estava não dava mais. No primeiro aperto passou no caixa da empresa, levou todo o dinheiro, e deixou um bilhete: “Fulano, levei tudo. Assinado: Assis Chateaubriand”. Ou, Chatô, o rei do Brasil.
Esse é o breve resumo, com alguns dos fatos que me vieram na cabeça após ler as 700 páginas do livro escrito por Fernando Morais. Um puta livro sobre um puta personagem. Para escrever essas linhas sequer peguei em mãos o livros, pois cada história narrada fica gravada na mente do leitor. E é uma atrás da outra e uma mais interessante que a outra. Mal dá tempo para respirar. O livro, aliás, é um resumo da vida de Chatô. O cara foi muito foda: uma espécie de capeta travestido de jornalista que depois se torna empresário e político. Sem brincadeiras, ele realmente mandava no Brasil, mudando leis, nomeando e derrubando ministros, perseguindo as desavenças, xingando, brigando e, principalmente, falando e escrevendo frases de efeito, tomadas de um humor negro e ironia.
Passou os oito últimos anos (dos 75 anos que viveu) tetraplégico. Nesse período, ao saber que um de seus funcionários mais antigos morrera, quando estava pronto para embarcar para mais uma viagem internacional, ouvindo argumentos para que desistisse da viagem para ir ao enterro do amigo, simplesmente retrucou:
- Se eu for não vou ressuscitar ele. Vamos embarcar.
Enfim, como sei que estou escrevendo para ninguém, pois o vagabundo leitor tem preguiça de ler textos grandes, vou parando por aqui. Caso alguma alma penada venceu a preguiça e leu tudo o que eu escrevi fica apenas uma ordem (afinal, tenho que encarnar algo do Chatô): leia o livro!
É muito bom. Para quem sabe o quanto eu leio, ouso dizer que, com certeza, é um dos cinco melhores que já li.
Hasta!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Utoridade

Dia desses, numa dessas tardes de calor insuportável, a minha pequena Larissa tirou o seu tradicional cochilo depois do almoço. Acordou lá por três horas da tarde, repetindo “pishhhh, pishhhh”. Ela fala “pishhhh” para referir-se ao peixinho (que na verdade é um golfinho) que tem na piscina infantil da AABB de Santo Ângelo. Num calorão daqueles, não tive dúvidas: reuni a turma toda e nos largamos rumo ao maravilhoso mundo da AABB de Santo Ângelo.
Chegando lá, de imediato ela chamou o “pishhhh, pishhhhh”, referindo-se ao peixe. Do alto do seu um ano de idade, ela já sabe o que quer. Pois é, peguei minha pequena e, como sempre faço, leve-a até o “pishhhh”, onde ela fica realizada. Eis que estava eu com a minha pequena na piscina infantil da AABB, nos divertindo com o “pishhh”, quando de repente ouço uma voz: “ei, você não pode entrar aí”. Olhei para os lados, vi que só tinha eu com a minha pequena no colo e um outro gurizinho, de uns quatro anos pulando no outro lado da piscina, e respondi, meio assustado: “quem, eu?”. O cara retrucou com voz de quem tem a ilusão de que tem alguma autoridade nesse mundo: “é, você mesmo. Não pode entrar na piscina. Você pode, no máximo, sentar no cordão”. Fiquei procurando alguma câmara escondida, pensando que aquele magrelo de óculos escuro fosse o Ivo Holanda disfarçado com alguma pegadinha do Silvio Santos. Quando vi que o traste falava sério, ainda argumentei: “ela tem um ano, como vou largar na piscina sozinha e sentar na borda?”. O cara de pau acéfalo ainda quis justificar: “segure ela”. Tive que me conter para não perguntar se ele era burro ou idiota. Imaginem vocês uma menina de um ano, que mal sabe caminhar, ficar sozinha dentro de uma piscina. Ou então: eu segurando ela pelo bracinho, sem ela poder se movimentar durante 20 minutos ou meia hora? Ou ainda, se ela está lá, sentada, batendo suas mãozinhas na água fazendo “anguuuu” quando uma das outras crianças, que também tem direito de brincar, sem querer bate nela e ela cai de costas na água?
Ao viver uma situação como essa, relembrei de imediato de um texto, escrito certa vez pelo David Coimbra, falando como certas pessoas gostam de pensar que tem autoridade. Ou seja, criou-se uma regra burra e colocaram um burro para cumpri-la, pois um burro não tem como questionar essa regra burra, que ele está cumprindo. Como destacou no referido texto o David, as pessoas têm ânsia por autoridade. Elas querem mandar, mesmo que seja trabalhando como um limpador de piscina que expulsa uma garotinha de um ano da sua diversão aquática em um calor de 40 graus. Pois mais paspalho que o próprio funcionário, é quem subsidia esse tipo de atitude com regras bestas e não coerentes. Pois se uma criança de um ano não tem espaço para brincar nessa associação, que criem uma piscina para crianças de um ano! Que aumentem a piscina infantil. Cresci e me criei dentro da AABB e tive que me controlar para não dizer ao funcionário: “pois bem, venha me tirar daqui”. Mas, como estava de bom humor naquele dia, e realmente antes disso já estava pronto para sair, pois a minha pequena estava ficando com sono, acabei apenas me retirando do local.
Ficam aqui duas dicas ao presidente da AABB de Santo Ângelo, Nairi Oscar Machado: 1) revise o estatuto da sede local da associação e faça entrevistas mais rígidas para contratar funcionários; 2) mande trocar todo o piso da quadra do ginásio, pois dia desses, jogando bola, por pouco não tive meu pé amputado por uma tábua que rachou ao receber o impacto meu peso, que não é pouco (o ginásio renderia outro texto, mas vou parar por aqui)...
Um bom verão a todos.

*Texto publicado em A Tribuna Regional de algum dia.

Décadence avec élégance

“Ele não é mais o mesmo”. Disse essa frase há alguns anos, em um boteco em frente à velha e falida Fidene, em Ijuí, referindo-me a um primo meu que, nem de longe lembrava o garanhão-Dom Juan que ia comigo e minha família para o litoral catarinense nos verões da década de 1990. Lembro que, naqueles tempos, eu sentia uma ponta de inveja dele. Mas ao mesmo tempo eu tentava observar e mimetizar o seu conhecimento e suas atitudes para tentar ter o mesmo sucesso que ele tinha com a mulherada.
Nas festas, a história era sempre a mesma. Quando vinha em minha direção uma morena de cabelos negros escuros, shortinho sumário, pele bronzeada, sorriso brilhante no rosto e olhos brilhando de excitação, meu coração acelerava e meus miolos enviavam a seguinte mensagem ao resto do corpo: “ei, man, não fique nervoso. Respira fundo e se consagra. Você é o cara!”. O cara o carajo. A mina vinha dançando em minha direção e falava com voz adocicada: “Quem é aquele”, apontando com a cabeça para o meu primo, que bebericava a sua cerveja perto da copa. Fiadapu! E, mais uma vez, eu via ele se consagrar enquanto eu tinha que correr atrás do prejuízo, como um time que sai levando 2 a 0 no primeiro tempo. Às vezes eu reagia e me recuperava, mas às vezes só assistia a goleada alheia...
Na beira do mar, a história era parecida. Eu via uma beldade, podia ser uma loira de tanga florida com coxas bronzeadas a mostra, uma ruiva enfeitiçante, ou ainda uma negra de corpo estonteante, não importa, a dita cuja passava por nós e virava o pescoço para olhar o meu primo, que geralmente mexia com ela e já pegava o telefone da filha do Homem.
Mas, voltando ao início da história, nada dura para sempre nessa vida, e eis que anos depois, após ficar um bom tempo sem ver esse meu primo, reencontrei-o gordo e bêbado em um bar na frente da Fidene, levando foras e foras de gurias que, anos atrás, implorariam para conhecer ele. Ao vê-lo naquela deplorável situação, comentei com um amigo, que conhecia a sua fama de garanhão: “definitivamente ele não é mais o mesmo”. Curiosamente, no período em que o revi, eu ainda estava na faculdade e minha situação já era bem diferente daquela vivida na década de 1990.
Enfim, pensando sobre a dupla Gre-Nal nesse início de ano, concluo que tanto Grêmio quanto Internacional estão mais ou menos na mesma situação do meu primo.
O Grêmio está vivendo de glórias passadas, dos tempos em que conquistava os troféus mais desejados por todos, tão desejados quanto as princesinhas do meu primo. Mas, viver de passado é triste. É decadente, e o Grêmio precisa se levantar. Cléber, Moreno e Cia estão com a pele em perigo, pois se o Grêmio não ganhar nada nesse ano eu realmente não sei o que pode acontecer.
Já o Inter está como meu primo nos áureos tempos: acha que a fase maravilhosa vai durar para sempre. Pois assim como meu primo exagerou na bebida e na comida e decaiu perante o conceito da mulherada, o Inter também, cedo ou tarde, se não se cuidar, vai voltar a ser o que era: um time respeitado, mas sem títulos.
Enquanto os gremistas sonham em ressurgir das cinzas, os colorados almejam uma decadência com elegância. Ou, como já diria o velho e bom Lobão, décadence avec élégance.
Um bom final de semana a todos.

*Texto publicado no Jornal das Missões de amanhã.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Respeito é bom, mas...


É engraçado como muita gente tem em mente um conceito completamente equivocado de respeito. Muitos pais, chefes, patrões, oficiais do exército ou da polícia, professores, etc, crêem erroneamente que respeito se conquista mandando e intimidando seus “subalternos”. Esse é um pensamento completamente equivocado, para não dizer burro. Com ameaças de retaliações, chantagens e ordens na base da força ou da vantagem hierárquica, você vai conseguir duas coisas: ou que a pessoa tenha medo ou que tenha raiva de você. Ou as duas coisas juntas. O comandado pode sentir primeiramente medo, que vai fazer com que ele se cale, mas em seu íntimo ele pode sentir raiva. Enfim, nesse caso o comandante terá conseguido o silêncio do comandado, mas não terá conquistado efetivamente o seu respeito. Conheço muitos filhos, funcionários, alunos, soldados, etc, que são tremendos puxa-sacos na frente dos comandantes, mas que fazem a caveira dos mesmos assim que estes lhes viram as costas. E isso é absolutamente normal, pois demonstra que, na verdade, o comandado não tem absolutamente nenhum respeito moral pelo comandante e, em muitos casos, com toda a razão.
Seguindo esse raciocínio é que muitas vezes em uma empresa, por exemplo, o dono do empreendimento é temido por todos e pensa, erroneamente, que tem em suas mãos todos os funcionários, quando na verdade absolutamente ninguém o respeita enquanto ser humano. Por outro lado, muitas vezes o zelador ou a copeira da empresa pode ocupar a última posição em importância hierárquica, mas ser a pessoa mais respeitada dentro da empresa. Considerando tudo isso fica a pergunta: como se conquista o respeito?
No papel, a resposta é fácil: sendo uma pessoa justa, humilde, honesta, esforçada, esperta sem ser malandra, enfim, uma pessoa consciente do lugar em que ela vive e de sua função humanitária nesse lugar. Por exemplo, em uma família, um filho que é destratado desde a infância, sendo ofendido com palavras desestimulantes e que não recebe nenhum apoio moral dos seus pais durante o seu desenvolvimento enquanto ser humano simplesmente NUNCA respeitar de verdade os seus pais. Pode até calar, consentir, concordar, mas em seu íntimo ele via sentir a mais sincera repulsa pela falta de humanismo e de equilíbrio mental dos próprios pais. O mesmo vale para o jogador de futebol que é humilhado pelo seu treinador após um erro em um jogo ou para esse mesmo funcionário de uma empresa citado anteriormente. Inclusive, se a gente fosse colocar esse funcionário em uma situação hipotética em que ele terá que escolher entre salvar a vida do patrão e a do zelador, ele obviamente vai escolher salvar o zelador pelo simples motivo de que ele respeita mais o zelador e sabe que esse funcionário, por mais que hierarquicamente não tenha tanta relevância quanto o patrão, na prática trabalha de uma maneira muito mais positiva do que o dono do empreendimento.
Escrito assim, no papel, parece tudo muito fácil. Mas novamente fica a pergunta: por que, então, é tão difícil das pessoas conquistarem respeito hoje em dia? E por que é tão difícil a gente encontrar alguém que realmente mereça respeito?
Se alguém tem as respostas para essas perguntas, por favor, me diga.

*Texto publicado algum dia em A Tribuna Regional

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Motherfukers

Dia desses tive a infeliz idéia de ir pagar as minhas contas na agência do Banrisul de Santo Ângelo. Como sempre faço em Pelotas (e também fazia em Porto Alegre, Ijuí e Bento Gonçalves) reúno todas as minhas contas e vou até o caixa colocar meu nome em dia no que o pessoal chama de “mercado”. Enfim, alguns podem me chamar de besta, mas desde que uma vez fui pagar tudo no caixa eletrônico e, por engano, paguei duas vezes a mesma conta, acabei optando pelo mais seguro, afinal, confio nos bancários e acho que eles merecem o emprego que têm (só para lembrar, sou filho de bancários). Entretanto, logo ao entrar na agência do Banrisul de Santo Ângelo descobri que, sei lá porque cargas d’água, a nossa agência está muito atrasada em relação às demais agência do Estado.
Podemos começar pelo básico: não há cadeiras para espera nem sistema de senha para atendimento no caixa. Para o nobre leitor santo-angelense isso pode parecer normal, pois ele está acostumado a essa situação lastimável, entretanto nas agências do Banrisul de cidades do mesmo porte de Santo Ângelo, como Ijuí e Bento Gonçalves, há muito tempo, enquanto o sujeito espera o atendimento, ele fica sentado com uma senha na mão. Já aqui em Santo Ângelo o atendimento é como no século passado: filão de pé. E o pior: muitas vezes a fila é gigantesca. Se não me engano, em vários municípios há leis obrigando os bancos a disponibilizarem cadeiras para a espera e senhas (isso se essa lei não for estadual ou federal, mas deixo essa questão para os advogados responderem). Entretanto, caso a lei tenha que ser municipal, fica a dica aos nobres vereadores missioneiros.
Voltando às minhas surpresas ao tentar pagar contas no Banrisul de Santo Ângelo, após ficar mais de meia hora na fila, veio o pior: o atendimento da caixa. Aquela mulher, que mais parecia uma cadela reinenta raivosa, não aceitou metade dos meus pagamentos. Quando eu disse que sempre fazia esses pagamentos em outras cidades, ela respondeu com a sua cara de anus: “mas a nossa agência não aceita”. Resumindo, alguns pagamentos ela fez, a contragosto, e outros eu tive que fazer no caixa eletrônico. A vontade que eu tive foi de enfiar os papeis e tudo o mais no rabo dela, mas me controlei, afinal, tinha que pagar as contas, e acho que não conseguiria se sujasse os papeis com esterco de vaca. Passando por isso, depois de quase uma hora, saí da agência do Banrisul de Santo Ângelo acenando para o prédio, murmurando baixinho: “até nunca mais motherfukers”.
Depois dessa história toda, o leitor deve estar se perguntando: e o que tem a ver tudo isso aí com o futebol? Eu respondo: nada. Mas em época de férias prefiro deixar para que os cartolas trabalhem. Meu negócio é dentro de campo. O resto é história.
Um bom final de semana a todos.

*Texto que, se God quiser, será publicado no J Missões de sábado.