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terça-feira, 27 de outubro de 2020

Guerra e paz – Parte 2

 


(fotos da série, que ainda não assisti)

            Acabei de ler ontem a segunda parte de Guerra e Paz, do Leon Tolstói, da edição da L&PM. Demorei mais do que imaginava por dois motivos. Primeiro, porque me dei de presente de aniversário o Fifa 21, do PS4. Assim, o número de páginas diárias lidas caiu praticamente pela metade. Segundo, porque o miolo do livro é mais lento. Explico-me.

            O segundo volume dessa edição da L&PM (que vai da quarta até a oitava parte da edição normal) começa a 200 por hora, aí reduz para uns 50 por hora, e na reta final acelera de novo para 200 por hora. Também vale destacar que até praticamente o final desse segundo volume volta e meia eu tinha que consultar a lista de personagens, pois alguns ficam sumidos por várias e várias páginas e reaparecem mais adiante sem nenhuma retomada de conetxto. No entanto, agora sim, creio que já memorizei exatamente quem é quem e os seus respectivos graus de parentesco, amizades e profissões, pelo menos dentre os personagens principais.

            Vou começar respondendo a principal questão do final da primeira parte, comentada no post anterior. O príncipe André, que havia sido levado prisioneiro e ferido para a França, não morre. No entanto, também até o momento não foi detalhado exatamente o que aconteceu com ele em solo francês e como que ele retornou para a Rússia. E essa trama é uma das que fazem com que esse trecho da narrativa se torne intrigante: você vai lendo sem saber se ele está vivo ou morto (o pai dele, o príncipe Nicolau Bolkonski, já havia considerado o filho morto, mesmo sem o corpo). A não ser, claro, que você tenha lido esse post antes de ler o livro... Aí é problema seu, enxerido leitor. Pois, como disse, esse texto serve para futuras consultas pessoais da narrativa quando esta estiver apagada da minha massa cinzenta. Enfim, a princesa Maria segue sendo humilhada pelo pai e a esposa de André segue prenha, esperando o retorno do marido. Todos chegam a considerar ele morto, com exceção da esposa. No entanto, numa bela tarde, quando a esposa dele vai dar a luz ao seu rebento, o príncipe reaparece. E aí se tem um clímax: o velho fica eufórico e alegre, bem como a princesa Maria, mas toda essa alegria é manchada pela morte da esposa de André no parto do pequeno Nicolau (sim, o mesmo nome do vô). Em síntese, André se sente culpado, Maria fica triste e é nomeada a responsável pela criação do sobrinho enquanto o velho em pouco tempo volta a ser tão rabugento como sempre. Esse é um lado da trama.

Do outro, aí sim, o bicho pega. O conde Pedro Bezukov (aquele filho que era ilegítimo do velho Bezukov, mas que acabou sendo nomeado novo conde pelo testamento do pai e pela aprovação do imperador) se casa com a princesa Helena Kuraguine, filha do príncipe Vassili e irmã do playboy Anatole. Ele vai caindo na conversa de Vassili e quando vê está casado. No entanto, ela é uma biscate, como se dizia na época. Se fresqueia para todo mundo, deixando Pedro maluco. Ele passa a odiar a esposa. O troço vai indo até que surgem boatos de que ela estaria traindo Pedro com Dolokov, o malandrão que amarrou um policial nas costas de um urso durante um trago e outrora amigo do próprio Pedro. Numa bela noite, estão todos num jantar na casa dos Rostov quando Pedro e Dolokov discutem por um motivo qualquer (não lembro exatamente qual foi o motivo).


O fato é que Pedro desafia Dolokov para um duelo. Detalhe: enquanto Pedro é um conde que nunca atirou, Dolokov é militar. Toda a cena é ultra dramática e misteriosa, pois Tolstói sabe ir levantando as perguntas que te deixam muito curioso para saber o que vai acontecer. Resumindo, por um desses golpes de sorte, Pedro se vira e aperta o gatilho e acerta Dolokov. Aí rola um mistério se ele teria ou não morrido, mas mais para frente se descobre que ele não morreu. Enquanto isso, Helena briga com o marido, que pede a separação. Óbvio, tem que se pensar que se trata da primeira década dos anos 1800. O pai de Helena, temendo um escândalo, tenta de todas as formas fazer Pedro voltar atrás, mas ele está irredutível .

            Então, tem-se na narrativa principal o seguinte cenário: o velho príncipe Nicolaou é chamado para um conselho de guerra, o seu filho, príncipe André, está deprimido pela morte da esposa, a princesa Maria se apega a religião enquanto educa o sobrinho, Pedro se separa e cai em perdição e Helena fica desquitada, uma vergonha para a sociedade da época. Aí Tolstói, que conduzia a narrativa a 200 por hora, intrigando o leitor, com muita ação, amores, traições, sentimentos, etc, pisa no freio e a narrativa fica por um bom tempo a uns 50 por hora, pois além de uma descrição um tanto quanto monótona da situação política da Rússia da época (que a essa altura fica meio que aliada de Bonaparte, e ninguém entende mais nada) ele descreve a depressão do príncipe André e, para piorar, o maior trecho é a descrição do ingresso de Pedro na maçonaria. Essa parte realmente ficou chata e maçante. Cheguei a pensar que a partir dali o livro seria uma apologia sobre maçonaria. Pedro vira um crente chato que tenta converter todo mundo, inclusive o príncipe André.

            Mas, o tempo passa e vale a pena seguir lendo pois vem mais ação pela frente. Natacha, filha dos Rostov, reaparece na narrativa. E então, ela conhece o príncipe André no primeiro baile em que ela vai participar na vida. Ele a convida para dançar e se apaixona. Enquanto isso, Pedro já havia meio que largado de mão a maçonaria, se dando conta da pilantragem de tudo, e acaba voltando para a antiga vida, com bebidas e depressão. No entanto, um fato importante, é que assim que ele entra para a maçonaria e está com o espírito bondoso de tudo perdoar, ele aceita o pedido de perdão de Helena – intermediado pelo príncipe Vassili, principal interessado na história - e volta a ser casado com ela. No entanto, tudo segue como dantes: ela continua se fresqueando e dando festas onde é cortejada por vários homens enquanto Pedro fica meio casmurro, mas não fala nada. No baile, o príncipe André se apaixona e em pouco tempo acaba pedindo a mão de Natacha, porém, o velho príncipe Nicolau, seu pai rabugento, é contra, bem como Maria, irmã de André. Assim, é feito o seguinte acordo entre pai e filho: espera-se um ano após o noivado e, se nem ele nem Natacha desistirem, dar-se-á o casamento. André acaba fazendo uma viagem para o exterior para recuperar sua saúde, que vinha prejudicada desde a morte da esposa. Natacha, praticamente uma adolescente, ganha destaque: primeiro, pira ao saber que vai ter que esperar um ano inteiro para casar. Depois, não entende a necessidade de André viajar. Ela fica deprimida e mostra todo o seu lado patricinha. Há vários pormenores nessas histórias todas, obviamente, mas não vou entrar neles para não me alongar.

            Resumindo, quando o príncipe André está quase para voltar – a essa altura a narrativa já estava chegando a uns 120 por hora – Tolstói pisa de novo no acelerador e o troço todo passa a ter pontos altíssimos de mistério e drama, voltando aos 200 por hora do início desse segundo volume. Os Rostov (família de Natacha) vão para Moscou para esperar o retorno de André e para introduzir Natacha na família dele (um pormenor não abordado aqui é as cortes feitas por pretendentes, indo falar com os pais da moça, e nesse meio tempo há várias rejeições e casamentos arranjados de personagens secundários). Os Rostov estão, portanto, em Moscou, na casa de uma velha rabugenta, chamada Maria não sei o quê, quando o Rostov pai e Natacha vão até a casa do velho príncipe para apresentar a noiva do filho. Dá tudo errado, Maria antipatiza com Natacha, e o sentimento é recíproco, o velho se recusa a receber todo mundo e voltam todos frustrados. No dia seguinte, a velha Maria vai lá e no encontro dos dois rabugentos há um bate boca violento. Nesse meio tempo, Natacha vai a um jantar na casa de Helena Kuraguine, mulher de Pedro. Ela apresenta a noiva de André ao irmão, o fanfarrão Anatole.


Ele a seduz facilmente e chegam a se beijar escondidos em uma pequena peça – um ultra escândalo para a época. No dia seguinte, Natacha se vê nesse dilema: abandonar o noivo André, que está por vir, ou desistir do romance com Anatole. No entanto, ela é completamente ingênua e cai direitinho no papo de Anatole – que é casado e abandonou a esposa há uns dois anos. Óbvio que ele não conta nada para Natacha, mas a convida para fugir para o exterior, assim, não terá que dar explicações a ninguém. Um ponto interessante é que geralmente acontece o seguinte: um homem vê uma mulher, se declara e em três dias os dois dizem que encontraram o amor da vida deles e que não vivem sem aquele amor. Aí o pretendente pede a mão para os pais que aceitam ou não por motivos geralmente financeiros. Enfim, feito esse parêntese, está tudo armado até que Joana, a prima pobre e melhor amiga de Natacha, encontra uma das cartas de Anatole e descobre o caso da prima. Joana e Natacha brigam, mas Joana promete não contar nada a ninguém. No entanto, ao desconfiar da fuga, acaba revelando tudo para a dona da casa, a rabugenta Maria, que arma uma cilada e afugenta Anatole quando ele aparece lá escondido para levar Natacha. Pedro é chamado às pressas, pois ele é cunhado de Anatole e melhor amigo do príncipe André. Aliás, tem-se ai o confronto das duplas de amigos Pedro e André x Anatole e Dolokov (que estava auxiliando e dando suporte para o plano da fuga). Em síntese, Pedro peita o cunhado, xinga a esposa dizendo que onde ela está só tem vilania, maldade e depravação (e, de fato, ela que armava os encontros “casuais” de Anatole com Natacha), convence Anatole a fugir de Moscou e nunca mais voltar para evitar um duelo com o príncipe André ou com o pai de Natacha; ele, como um bom festeiro, topa o acordo, pois via tudo apenas como uma aventura; Helena também não se mostra nada preocupada com o que passou; o príncipe André, ao retomar, é informado do fim do noivado e das fofocas que rolavam na cidade sobre a fuga frustrada da noiva com Anatole, mas ele trata de erguer o nariz e se convencer de que se livrou de casar com uma biscate de linhagem menor, afinal, ele é um príncipe e Natacha não é nada; o velho Nicolaou e a princesa Maria ficam felizes com o fim do noivado; e Natacha, no fim das contas, é a que mais sofre: primeiro tenta o suicídio e depois cai em depressão profunda por ter ficado tanto sem noivo quanto sem amante. Pedro se comove e diz para ela que se não fosse casado pediria a sua mão. E, assim termina o segundo volume, dando a entender que os dois personagens principais da obra terão algo no futuro – mas isso não posso garantir.

            Nesse segundo volume a guerra ficou em segundo plano – fora da metade para o início, não se falou muito dela, nem de Napoleão, nem do imperador russo. Vamos ver o que vai rolar na terceira parte. Os outros personagens e suas histórias secundárias também seguem aparecendo, mas se eu entrasse em cada narrativa paralela, esse texto ficaria por demasiado grande. Mesmo com o Fifa, pretendo ler uma média de 40 páginas por dia, o que resultaria na leitura da terceira parte em 10 dias, porém, nada hei de prometer ao enxerido, imaginário e rabugento leitor. Hasta!

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Guerra e Paz - Parte 1

 

         

      Guerra e Paz, de Leon Tolstói, por muitos e muitos anos esteve fora do meu radar de objetivos de leitura. Mas, como disse na minha última coluna no jornal Diário Popular, no texto “Influências literárias”, os motivos para escolher um livro para ler são os mais diversos e curiosos. E, no caso de Guerra e Paz, fiquei instigado pela história depois de ter visto um episódio do Snoopy, uns cinco anos atrás, com a Larissa. Nele, o Charlie Brown tem que escolher um livro para fazer um resumo para a escola. Na tentativa de impressionar a Garotinha Ruiva, por quem tem um amor platônico, ele vai à biblioteca e pega um verdadeiro tijolo de papel: Guerra e Paz, de Tolstói. Charlie Brown fica lendo por dias e dias e na hora de escrever a redação ele pensa e pensa e pensa até que coloca no papel as seguintes e sábias palavras: “Primeiro veio a guerra...” – aí ele pensa mais um pouco, coça o queixo com a caneta, olha para o horizonte, e conclui – “e depois veio a paz. Fim.”. Genial.

            Como postei aqui outro dia, aproveitei a quarentena e o isolamento imposto pela pandemia da Covid-19 para ler David Copperfield. Quando acabei, tive uma crise e fiquei algumas semanas sem ler nada. Nesse meio tempo, até peguei um livro aqui, de um autor que não vou mencionar o nome, mas achei muito chato – li 100 páginas e desisti. E aí pensei: vou aproveitar para ler algum clássico que dificilmente eu leria em uma situação “normal”, ou seja, sem quarentena. E, assim, aquele nome de Guerra e Paz voltou e fui atrás. Comprei a edição da L&PM. A minha intenção era comprar a outra da ed34, mais famosa, em um único volume, mas não tinha. Como estou brigando com os Correios porque não recebi ainda um livro que encomendei em julho, preferi comprar pessoalmente na livraria e só tinha essa edição de quatro volumes da L&PM. Terminei de ler ontem o primeiro e, assim, vou seguir esse ritmo para resenhar a obra: quatro textos, um por volume. Obviamente é uma resenha completamente pessoal, não acadêmica, e que serve para consulta futura, quando minha massa cinzenta tiver deletado toda a história e os personagens do meu cérebro. Mas, se alguém cair aqui por acaso e quiser ler, eu não me responsabilizo, enxerido leitor.

            Guerra e Paz é um daqueles livros que você tem que saber que você vai entrar na história apenas depois de ler algumas páginas, pois são muitos e complexos os personagens. É mais ou menos como aconteceu comigo, no passado, ao ler alguns livros de Shakespeare – demora um pouco para você associar os nomes aos personagens. Nesse caso ainda se tem o agravante dos nomes e sobrenomes serem russos. Por isso é importante a lista de personagens apresentada no início dessa edição da L&PM – toda a hora eu voltava para ver quem era quem e até o final desse primeiro volume volta e meia eu confundia um personagem com outro (atribuo isso aos sobrenomes russos e aos postos militares e de nobreza: conde, general, infante, marechal, etc). Aliás, escrevi numa página em branco a hierarquia dos títulos de nobreza e militares para saber quem era mais importante. No entanto, há muitos e muitos príncipes, condes, tenentes, generais, etc, etc, que te deixa zonzo. O único impossível de confundir, obviamente, é o imperador Alexandre I, visto pelos outros personagens como uma espécie de Deus encarnado na Terra.

            Bueno, aproveito para fazer o parêntese da história. Guerra e Paz trata justamente das guerras napoleônicas e, mais especificamente, da incursão de Napoleão em direção à Rússia, iniciada em 1805 (todo o primeiro volume se passa nesse ano). Resumindo, Napoleão tinha uma intensão um pouco parecida com a de Hitler de querer dominar a Europa. A diferença é que ele de certa forma respeitava os adversários (por exemplo, ele não executa, mas sim torna prisioneiros de guerra a maioria dos sobreviventes) e ele não quer exterminar e escravizar o inimigo, mas sim, conquistar o seu território e ampliar o império francês. A impressão que tenho é que Napoleão é muito mais um militar estratégico que vive e respira 24 horas o exército enquanto Hitler era mais um psicótico lunático que queria usar o exército para exterminar ou escravizar qualquer um que não fosse “ariano” puro. Feito esse parêntese, vamos à narrativa do primeiro volume.



            Esse primeiro volume é dividido em três partes. Na primeira, os personagens estão em situações sociais, como jantares, bailes e em suas casas. É apresentada a alta sociedade russa. O grande destaque é a história da família Bezukov. Resumindo: o conde Cirilo Bezukov é um poderoso aristocrata do tempo de Catarina, a Grande. Ele tem um filho bastardo que é enviado para o “estrangeiro” (depois é possível deduzir que ele foi para a França) ainda criança e é chamado de volta à Rússia quando o conde está no seu leito de morte. Ele é o único filho, mas, por ser ilegítimo, há uma grande trama quanto a herança do conde. Personagens secundários aparecem rodeando o leito de morte do conde como urubus na tentativa de dar uma mordiscada na tal herança, principalmente as sobrinhas do conde, que são quem efetivamente conviveram com ele nos últimos anos. Nisso, o príncipe Vassili Kuraguine (não se impressione, pois há uma porrada de príncipes na história) tenta fazer um plano para anular o testamento do velho, que quer deixar tudo para o filho ilegítimo. Ou seja, se o testamento do conde chegar ao imperador, Pedro deixará de ser um filho ilegítimo para ser legítimo, herdando assim o título de conde e toda a herança de Bezukov. E Pedro é apresentado como um personagem atrapalhado, que comete gafes nos jantares, que não sabe se comportar, e é descrito como “gordo” e desajeitado. E para piorar: é um admirador de Bonaparte. Resumindo, o conde morre, o plano do príncipe Vassili falha e Pedro herda tudo, conforme previsto no testamento: a fortuna e o título de conde. Assim, a vida dele muda completamente de uma hora para a outra: de sujeito que ninguém dava a mínima ele passa a ser bajulado e recebe importantes cargos no império.

            O príncipe Vassili, no entanto, não se dá por vencido e trata de empurrar para o novo conde a sua bela filha Helena Kuraguina. É muito hilária essa parte, pois o coitado do Pedro vai indo, vai indo e quando vê está noivo e, em breve casado, sem ter tido chance de se esquivar do casamento enfiado goela abaixo. Nessa primeira parte, esse é o resumo da história do pobre e rico Pedro.

            Tendo como intermediário o próprio príncipe Vassili, chegamos a outros personagens ainda nessa parte da alta sociedade russa. O príncipe Vassili tem dois filhos além de Helena: Hipólito Kuraguine, que praticamente não aparece nessa primeira parte, e Anatole Kuraguine, que seria o que hoje chamamos de playboyzão: só quer saber de farra e torrar a grana do velho. Para tentar dar jeito no filho mais novo, ele tenta enfiá-lo em um casamento com a desarmoniosa Maria Bolkonkaia, filha do príncipe Nicolau Bolkonski. O velho é uma figuraça: rabugento e cheio de manias. Ele mora isolado, fora da cidade, e xinga todo mundo, sem se importar se é ou não alguém acima ou abaixo dele hierarquicamente. Acorda reinando e desconta tudo em quem estiver por perto. A que mais sofre é a própria Maria, descrita como feia e desajeitada. Ela é humilhada pelo velho a toda hora. Sabendo que Maria é feia, mas rica, o príncipe Vassili trata de levar o filho para tentar casar com ela. O velho tem ataques de fúria a toda hora, mas acaba deixando que a filha decida. Resumindo, como a criada dela se apaixona por Anatole (e ela os flagra de namorico no jardim) ela rejeita a proposta. Essa narração toda é uma das mais hilárias do livro, pois tem os ataques de rabugentice do velho (que a toda hora chama a filha de feia e tonta), tem o desespero do príncipe Vassili em tentar casar o filho com uma moça rica a todo o custo e tem o lado “tô nem aí” de Anatole, que vê aquele teatro todo como uma grande comédia em que ele caiu de paraquedas.

         Agora deixemos de lado o príncipe Vassili e sua família para ficarmos na família Bolkonski e, assim, chegamos a segunda parte do livro: a descrição do front. O filho mais velho de Nicolau é o príncipe André Bolkonski, capitão e membro do estado maior. Ele aparece na história chegando na casa do pai para largar a mulher grávida aos cuidados dele para ir para a guerra. O velho segue tendo ataques de rabugentice que torna a história toda muito cômica – obviamente ele implica com a nora, que por sua vez, é uma tagarela. André não suporta a esposa e tudo indica que ele está indo para a guerra para ficar longe dela.

          Durante a guerra, os personagens principais são o próprio príncipe André, que faz um trabalho mais de ajudante de campo, ou seja, levando recados de um lado para o outro e tentando bajular os superiores e devotando o imperador como se fosse uma cadela apaixonada no cio, e Nicolau Rostov. Chegamos, agora, na família Rostov. Trata-se de uma família rica encabeçada pelo velho conde Ilia Rostov e pela mulher Natália, que são completamente coadjuvantes. Nicolau, o filho, é um jovem destemido que vai para a guerra como hussardo (guerreiros da região onde hoje é a Croácia e que geralmente não passam dos 30 anos, pois vão para a guerra para matar ou morrer). Peter, chamado de Pétia, é o irmão mais novo, de apenas nove nos nessa parte do romance. Natália Rostovna (mesmo nome da mãe) nessa altura tem 13 anos e não aparece muito, apesar de na descrição dos personagens ela estar apresentada como personagem feminina central. E Sônia é a prima pobre que mora com eles e com quem Nicolau Rostov tem um caso e promete casar-se assim que ela atingir a maioridade. Natália, por sua vez, tem um namorico com Boris, um personagem secundário em que a mãe percorre a alta sociedade russa na tentativa de transferir o filho para o cargo de ajudante de campo para não correr tantos riscos na guerra. Com a intervenção do príncipe Vassili, ela consegue esse objetivo.



            E a guerra. Ah, a guerra, é muito difícil descrever. O destaque é a terceira parte desse primeiro volume quando ocorre a batalha de Austerlitz, onde hoje é a República Tcheca, deixando cerca de mil mortos franceses e 15 mil mortos russos (e aliados). Essa foi a primeira grande batalha das guerras napoleônicas contra a Rússia, e ocorreu no final de 1805. É espetacular a descrição que Tolstói faz do amor incondicional que André e Rostov sentem pelo imperador, que ilustra o sentimento de milhares e milhares de soldados e militares. Eles literalmente querem morrer pelo imperador. E, antes da batalha, há um consenso de que essa é uma batalha ganha. Tudo parece estar a favor. No entanto, eles são surpreendidos pelos franceses de Napoleão e são destroçados. A primeira parte acaba justamente com o fim dessa batalha que resulta num encontro de Rostov com o imperador, que está arrasado pela derrota. Na verdade, ele apenas observa o imperador de longe, pois assim como um guri apaixonado que trava na hora de conversar com a adorada, ele perde a língua e não consegue dizer nada ao seu líder supremo. Enquanto isso, André é ferido e levado pelas tropas de Napoleão. É curioso que nesse trecho Napoleão é um dos personagens do livro, falando, agindo, comentando, rindo, etc.

            No livro ainda há um índice dos personagens reais que aparecem no romance, como o imperador Alexandre I e Napoleão. Ainda há outros personagens secundários, mas se eu fosse descrever todos, esse texto ficaria deveras gigantesco. Assim, termino essa resenha do primeiro volume de Guerra e Paz. É um livro muito foda, em todos os sentidos, pois têm mergulho no psicológico dos personagens (tanto quando estão em situações da alta sociedade, quanto em família ou na guerra) e há uma descrição muito foda do que era a sociedade russa naquele período – e chama a atenção as semelhanças com qualquer alta sociedade do planeta, com todas as hierarquias, formalidades e tentativas de manter uma boa imagem diante dos outros e a preocupação com o que os outros vão pensar. Há ironia, humor, crítica e descrição. Vale a pena, mas fica duas dicas para o enxerido leitor que quiser ler: primeiro, não subestime a lista de personagens do início. Até o final do primeiro volume eu ainda confundia o príncipe André com Nicolau Rostov, principalmente quando os dois estão no front. Segundo, vale a pena estar com o celular do lado para checar alguns termos ou regiões geográficas no Google. Isso ajuda a imaginar a história toda – por exemplo, eu tive que pesquisar o que era hussardo e junker, dois termos que aparecem bastante durante a descrição da guerra. Ah, e tem ainda o Dolokov, um maluco que perde o seu alto posto no Exército para voltar a ser soldado depois de tomar um porre, apostar (e vencer a aposta) que conseguia tomar um litro de rum em um só gole sentado numa janela alta sem usar as mãos para se apoiar e se meter numa trolagem em que amarraram um policial nas costas de um urso e o largaram em um rio (assim, o urso saiu nadando com o policial amarrado nas suas costas).

            Bueno, para a segunda parte, imagino que Pedro deva aparecer mais – pois ele é meio que um apoiador de Napoleão por ter sido criado na França, mas vive na alta sociedade russa em certa proximidade com o imperador e a cúpula do império – e também Natália, que na primeira parte tem apenas 13 anos e não aparece tanto.

            É isso, leitores imaginários! Como dizem os soldados russos: em frente!