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segunda-feira, 31 de março de 2008

Milagre da Sexta-feira Santa - mais uma do Ovo Assassino


A fama de ser alérgico a ovo tem seu preço. Daqui alguns dias estarei sendo seguido pelos mesmos paparazzis que infernizavam a vida da princesa Daiana. Eles vão se esconder na cozinha para me fotografarem almoçando, fritando um bife, coando o leite, abrindo um pacote de bolachas e fazendo salada de frutas. Também estarão nas janelas dos restaurantes tentando pegar o momento do flagra onde eu estou pesando o prato contendo apenas salada, arroz e um pedaço de carne, enquanto ao fundo da foto aparecem os outros com os pratos cheios de lasanha e outras comidas melequentas e lambuzadas de ovos.
Como jornalista, sei que as notícias voam. Mas não pensei que voassem tão rápido e que fossem parar nos ouvidos de pessoas que eu nem imagino que existam!
Esses dias a minha mãe estava na loja onde ela estava negociando a troca do nosso carro velho, e, conversando com o vendedor, chegaram no papo das famílias.
- A família de vocês é daqui? – perguntou o senhor, que não sei se é velho ou não, mas que para mim é um senhor por ser um vendedor de carros (cada um que tenha a sua imagem de vendedor de carros).
- Da nossa família só nós estamos em Santo Ângelo – respondeu - A minha família é de Ijuí e a do meu marido de Cruz Alta. Mas temos três filhos. Um nasceu aqui, o Eduardo. Ele trabalha no Jornal das Missões...
- Ahhhhh! Sei – disse o próximo. Minha mãe estranhou o ar pensativo que tomou conta da sua face. Ele coçou o queixo com o dedo indicador e disse:
- Fiquei sabendo que ele comeu peixe a milanesa com ovo (óbvio!) na Sexta-feira Santa e não passou mal....
Minha mãe fez uma cara, tipo: !!!!!???????????????????!!!!!!!!!!!??!?!?!?!?!
Porra! Eu não faço idéia de quem seja esse senhor! Minha mãe até falou o nome, tentou explicar, mas porra, nunca vi mais gordo. E ele também não sabe quem eu sou. Mas sabe que eu sou alérgico a ovo! Vejam vocês, que coisa, ora pois just!

Agora, vou contar a tal da história do milagre da Sexta-feira Santa.
Tudo começou na Sexta-feira Santa, óbvio. Fomos todos almoçar na casa da vó da Cris - quando digo todos, refiro-me a Cris, a Laura e eu. Lá estava toda a família da Cris, incluindo minha tia emprestada Elaine, que foi quem fez o tal do peixe. Antes do almoço ela me disse: “Dudu, esse peixe é a milanesa e você não pode comer. Já esse eu não botei ovo. Pode comer tranqüilo”. Ela falou aquilo umas três vezes, e eu só respondia: “beleza tia. Pode deixar que vou comer”.
Não sei se é a quantidade de livros que estou lendo, as viagens para Porto Alegre, indo e voltando e chegando em Santo Ângelo e indo para o trabalho e voltando para a casa e lendo livro e indo para Porto Alegre e voltando e lendo e... enfim, a gente não fica muito legal da cabeça quando está nessa situação. Só sei que, todo mundo se serviu, eu sentado na diagonal da ponta da mesa lotada, família toda reunida, maior clima de feriado, todo mundo feliz, alegre, satisfeito, enchendo o bucho, e eu nem prestava atenção no que os outros falavam de tão concentrado que estava na comida. Só ouvia o barulho daquelas bocas todas se movimentando, fazendo “nhoc nhoc nhoc, grouch, nhoc, nhoc, glup, nhoc”. E eu seguia comendo, tranqüilo, até que a tia Elaine me pergunta: “E ai Dudu, gostou do teu pei...” Ela não terminou a frase e ficou me olhando com os olhos arregalados, do tamanho de dois faróis acesos. Eu ainda resmunguei de boca cheia “hmmmm, está uma delícia tia!”. Ela só disse “ai meu Deus, ele está comendo o peixe a milanesa”. A Cris quase desmaiou, alguém tirou o prato da minha frente, todos pararam de comer e ficaram me olhando de boca aberta, como se eu fosse morrer ali, na hora. Como não tinha sentido nada, e sempre que ataca a alergia me tranca a garganta na hora, fiquei tranqüilo. Ainda pedi pra me devolverem o prato, já que só sobrou um pedacinho do peixe amarelento. Mas não me deixaram. Eu ainda comi um pouco do outro, e de minuto em minuto alguém se virava para mim e perguntava: “está bem, Dudu?”. “Sim, sim, tudo em riba”, dizia eu.
Depois a gente tentou achar uma explicação para o acontecido, porque eu não lembro de nenhuma vez que eu tenha comido algo que tivesse ovo e que não resultasse ao menos numa caganeira. Mas não. Não deu nadica de nada. Alguém apresentou a teoria de que, com a idade, a alergia pode ter sumido. Essa teoria passa a ter fundamento se a minha alergia a ovo curou de agosto pra cá, que foi a última vez que eu comi por engano uns docinhos que continham ovos. A teoria do “tsc, é psicológico” não se sustenta, porque, nessa vez dos docinhos, eu não sabia que tinha ovo entre os ingredientes, e fiquei mal na hora que engoli o primeiro pedaço.
Mas, como admiro e respeito muito a matriarca da família, fico com a teoria da Dona Diva, que é minha super-vó emprestada: “foi milagre da Sexta-feira Santa”. Agora para fazer o teste é só no ano que vem. Aguardem.

terça-feira, 25 de março de 2008

Saudades!



Esse texto queria fazer com calma, com paciência, para fazer algo especial, bem pensado. Mas, como sempre, estou na correria, agora são 10 para a meia-noite e amanhã tenho que acordar cedo para trabalhar o dia inteiro, para viajar às 23h para Porto Alegre para a aula de quinta-feira. Então, tentarei fazer o melhor texto possível, em um tempo razoável. Primeiro, eu queria publicar esse texto na quinta-feira, dia 27 de março, mas como não estarei aqui, e amanhã praticamente não terei tempo, escrevo agora.
Na quinta-feira, dia 27, irão completar 3 anos que perdi um dos melhores amigos e uma das maiores figuras que já conheci até hoje. Olhei em meus arquivos, e achei esse texto, que ele aparece na seguinte história. Esse texto escrevi antes do acidente:

(...) Pouco depois chegou o Dante. Conversamos um pouco, quando eu sugeri que fossemos pegar a cerveja. Compramos cinco. Quando só tinha mais uma, chegou o Aranha. Tomamos a última, e a Luana entrou. Fui guardar as garrafas e o Aranha ficou conversando com o Dante e a Dani. Voltei e vi que o Aranha não ia embora tão cedo, então o convidei pra tomarmos mais uma no 24 horas. Como já era de se esperar, o Dante não foi, nem a Dani. O Aranha, lógico, não ia negar uma ceva nem a pau. Antes de sair, o Aranha perguntou para o Dante, discretamente: “i ai? É rock’n roll?”, sacando o que se passava entre ele e a Dani. Então, enquanto íamos tomar o trago, eu contei pra ele o que estava se passando.
O Aranha é uma figura muito louca, que merece um capítulo para falar só dele. Lá fomos nós, eu e o aracnídeo, tomar umas geladas. Ele tem um papo massa. Falamos de tragos, histórias de bebedeiras, comentamos livros do Bukowski e outros alcólatras famosos. Era segunda de noite, e só eu e ele estávamos lá, bebendo. Os outros bares já haviam fechado, e o dono do 24 horas estava só esperando nós irmos embora para fechar. Fomos embora já eram duas horas. No outro dia o Dante me contou o acontecido. (...)

Infelizmente, depois desse dia, não tive muito tempo para escrever histórias sobre o Aranha enquanto ele estava vivo. E o que escrevi é o texto que reproduzo a seguir, que tinha como título “O Aranha”:

O Aranha

“Primeiramente vou tentar situar o leitor de como está a minha vida no momento. Desde a última vez que escrevi aqui, lá por dezembro, muita coisa mudou. Fui para Porto Alegre, fiquei um mês e acabei voltando para Ijuí. Isso foi em janeiro. No final de dezembro também fiz umas festas legais, antes da viagem. Já em fevereiro fui para o Rio de Janeiro e passei o carnaval lá. Tudo isso vai render mais alguns capítulos, porém, um acontecimento no dia 27 de março, páscoa de 2005, mudou a minha vida, e meio que anulou todas as coisas boas que haviam ocorrido nestes dois meses.
Tudo estava perfeito. Eu tinha passado os dois melhores meses da minha vida com muitas festas grandes (Fórum Social Mundial, Lima e Silva, Lapa, Carnaval em Santa Teresa, Terreirão do Samba, e por ai vai) e quando voltei, desempregado, tive a melhor notícia que eu poderia esperar: ia abrir um concurso para estágio de 20 horas na minha Universidade. Perfeito. Fiz e passei em primeiro lugar. Aproveitei as três semanas que tive antes de começar a trabalhar para fazer festa praticamente todos os dias. Na segunda-feira eu era colega do Aranha, e lembro que na segunda semana de aula ele me convidou para irmos beber. O professor encerrou a aula lá pelas nove, e nós dois fomos para a Franquia, um barzinho com ar mais simples que fica próximo dos demais bares, como a Pastelaria. Era o tipo de barzinho que a gente gostava de ir para sentar, fazer planos, contar histórias, e tudo mais. Lembro que nesse dia planejávamos nossa formatura. Um mês depois, lembro da voz dele falando que não iria na formatura da turma que se forma em dezembro deste ano, e quando perguntei o por quê, ele respondeu:
- Porque se eu for, vou morrer chorando.
Nós dois rimos até os olhos ficarem cheios de lágrimas de tanta faceirisse. Com certeza essa cena vai ficar gravada na minha memória pelo resto da minha vida. Lembro de algumas passagens de nossas conversas, que ficavam cada vez mais animadas na medida em que a mesa ia ficando cheia de garrafas de cerveja vazias.
- Na nossa formatura eu vou tomar um trago! – exclamei empolgado.
- Sem dúvidas. Vamos fazer o seguinte: eu levo uma garrafinha com bebida, ai quando você for receber o diploma, eu tomo um trago. Depois, quando me chamarem, enquanto todo mundo estiver me olhando, você toma um traguinho...
Na medida em que a gente ia falando, eu ia imaginando mentalmente tudo isso acontecendo. Em uma certa altura da conversa passou uma propaganda na TV em que aparecia uma praia. Foi o que bastou para nós viajarmos mais ainda.
- Bah, imagina a gente numa praia dessas tomando uma cerveja – disse eu.
- Pois é. Vamos para a Bahia!
- É verdade! Eu sou parceiro para irmos lá depois da formatura.
- Ia ser show de bola. Imagina a gente morando lá. Saímos do trabalho lá pelas cinco e sentamos na beira da praia com uma latinha de cerveja. De noite vamos pra festa. Sério mesmo, eu ainda quero fazer uma dessas.
- Pois então vamos mesmo!
E ficamos olhando para o nada, com a cara de bobo-alegre, imaginando a cena, já sentindo a brisa do mar batendo no rosto. Já devia fazer umas duas horas que estávamos bebendo, dando muita risada e fazendo altos planos, quando chegou lá nosso mestre Paulinho . Dessa vez ele estava abalado por ter perdido uma amiga, professora de uma escola de segundo grau daqui de Ijuí, que havia falecido. O Aranha ainda tentava animar ele, e devido a nossa bebedeira passamos a refletir sobre a futilidade da vida. Bebemos mais um pouco e fomos embora.
Isso foi só um pouco da minha relação de amizade com o Aranha. Era uma figura rara, e acho que nunca terei outro amigo como ele. Foi a primeira pessoa que conheci que lia Bukowski, e como citei no capítulo anterior, foram várias as vezes que nós sentamos em algum barzinho qualquer e ficamos conversando sobre os autores considerados malditos. Na referida segunda-feira ainda conversamos bastante sobre mulheres. Não vou contar agora, porque precisaria de um dia inteiro para escrever sobre essas histórias, e agora já é quase uma da manhã. Vou pular direto para o dia que mudou a minha vida, e com certeza a de todas as pessoas que o conheciam. É certo que em outros capítulos eu voltarei a falar dele e de nossas histórias. Como eu havia escrito antes, seriam necessários vários capítulos, ou um livro inteiro, para falar sobre tudo o que ele representou para mim.
O fato ocorreu, como já disse, no domingo de páscoa. Eu e o Dante tínhamos aprontado mais uma das nossas no sábado, e no dia seguinte acordei lá pela uma da tarde. Meu celular estava desligado, e nem me preocupei com ele. Entrei na internet, e lá estava a minha colega Viviane. Vi que ela estava on-line, mas nem dei bola, já que ela praticamente não me dá conversa. Quando eu vi, a caixa dela estava piscando. Fui ver o que se tratava, achando que ela estivesse apenas dando um “oi”, mas quando abri estavam escritas exatamente essas palavras: “sabia que o Aranha morreu?”. A sensação que tive é indescritível. Mil e um pensamentos vieram na minha cabeça, meu coração disparou e comecei a tremer. De repente me veio a idéia de que poderia ser alguma brincadeira de mal gosto. Resolvi perguntar “do que?”, mas a resposta só confirmou o que eu temia: “acidente”. Quando comecei a chorar ainda vi ela escrever: “e a Karine está mal no hospital”. Só lembro de ter desligado o computador direto no transformador e ir chorando até a sala sem conseguir falar. Meu pai e meu irmão, que estavam lá, me perguntaram o que houve, e eu disse que um amigo meu havia morrido. Nunca tinha sentido tanta dor na vida. Vinha a imagem dele fazendo todos aqueles planos, falando da formatura, me dando o livro de poesias que ele escreveu, falando: “um dia, quando eu já tiver morrido, teu filho vai achar esse livro na estante e perguntar: ‘que livro é esse pai?’, ai você responde: ‘esse é um livro de um amigo maluco que o pai teve”. Na medida em que as imagens vinham, eu chorava mais e mais. Vi o mundo desabar diante dos meus olhos. Não conseguia pensar em nada. Chorei a tarde inteira, com minha mãe tentando me consolar e me dando remédio atrás de remédio. O resto do que aconteceu no domingo e no dia seguinte prefiro não contar, porque não é a minha intenção deixar ninguém deprimido. A semana que se seguiu foi a pior da minha vida. Eu chorava todos os dias, e no primeiro dia de aula que fui após a perda, sai da faculdade olhando para a rua, vendo todos aqueles bares, e acabei chegando em casa chorando. Cada vez que eu pego um poema dele para ler é impossível conter as lágrimas. Tem um que considero ser o mais tocante, por representar o sonho dele e de toda nossa turma:

TEMPO PARA VIVER
Tempo que passa ao longo dos tempos,
Tempo que nunca passou,
Tempo sozinho, tempo esquecido,
Tempo que não acabou.

Tenho o tempo na lembrança,
Momentos de criança,
Que sempre quis voltar,
Dançar novamente ciranda,
A vida recomeçar,
Quantas novas histórias,
Pra no futuro recordar.

O tempo não dá tempo
Ao curto tempo que tem.
Não basta viver a vida
É preciso tempo para viver.


Cada vez que leio esse poema pergunto: por que? Que critérios são usados? E a questão vem acompanhada da sentença: não é justo! O Aranha era uma de mninhas maiores inspirações, principalmente como escritor. Lembro de uma vez que ele estava lendo e bebendo na Pastelaria, e quando me viu parou de ler e convidou-me para sentar com ele. Nós novamente conversamos bastante, e nessa conversa lembro que ele me sugeriu que eu lesse dois livros ao mesmo tempo, e de preferência de assuntos bem diferentes. Eu estranhei, e ao ver minha reação ele disse que a diferença era uma espécie de preconceito, porque na medida em que você vai lendo os dois, você vai vendo que na verdade eles têm muito em comum. Ele simplesmente pensava e falava coisas que ninguém dizia, e que, como na minha filosofia de vida, remavam contra a corrente. Eu não tenho a menor dúvida em dizer que se o acidente não tivesse ocorrido ele seria um escritor famoso em todo o Brasil, justamente porque ele tinha uma linha de raciocínio muito inteligente, diferente de tudo que eu já tinha visto. Eu tinha muito a aprender com ele, e em cada conversa nossa eu renovava meu ânimo para tudo, principalmente para viver. Quando ele morreu (há pouco mais de um mês), achei que não teria forças para continuar. Simplesmente não conseguia pensar no futuro. Confesso que ainda estou um tanto receoso em pensar até na semana que vem. Só com a força e com a união de meus amigos, que também sofreram a perda, é que estou conseguindo recuperar e reunir forças para não jogar a toalha. Inclusive eu não apresentava a menor vontade de continuar escrevendo. Foi então que comecei a pensar nele, e com certeza se ele estivesse aqui ia me incentivar a concluir esse trabalho. Quero fazer no meu Projeto Experimental um livro-reportagem. Antes do acidente eu já havia comentado com o Dante que o único colega que aceitaria o desafio de escrever o livro comigo era o Aranha. Porém, agora me sinto na obrigação de escrever esse livro para ele. E todo e qualquer trabalho que eu venha a fazer daqui até o final da minha vida, será dedicado à ele. E mesmo assim será pouco. Até agora, enquanto escrevo essas linhas, a pergunta fica ecoando dentro da minha cabeça: por que?”.

Eu ia postar mais fotos nossas aqui, mas o scaner resolveu estragar (é sempre assim, os aparelhos de informática sempre dão pane quando mais precisamos deles), mas em outra oportunidade colocarei. Aproveito para colocar uma foto que “roubei” do orkut da minha ex-colega, amiga, e que se formou comigo, Karine Raquel. Ela certamente pode falar ainda mais do Aranha do que eu, já que eles estavam sempre juntos. Mas parece que todo mundo que conviveu com o Aranha em qualquer momento da vida se sente melhor amigo dele. Ele era assim: não tinha inimigos e todos o adoravam. Ele gostava até de quem não gostava dele, e essa é uma virtude que eu tento assimilar todos os dias. “Se tu me disser agora, aqui, que é drogado, homossexual, assassino, marginal, ou se disser que é padre, político, religioso, seja lá o que for, eu vou sentar aqui e te tratar do mesmo jeito e conversar contigo do mesmo jeito”. Foram mais ou menos essas palavras que ele me disse na primeira vez que sentei com ele em uma mesa de bar para passar a noite inteira conversando sobre tudo.
Agora, folhando os livros que ele me deu, eu leio os agradecimentos, que reproduzo aqui, já que me sinto incluído nesse item:

“AOS SONHADORES - a todos os sonhadores: nunca parem de sonhar, sigam a sina de amor e paz, entre outros sonhos mais”.

segunda-feira, 24 de março de 2008

A Caipirinha Assassina


Um dia me perguntaram: qual o seu maior medo? Eu pensei, pensei, pensei e pensei, até que respondi que como bom gaúcho missioneiro, não tenho medo de nada. O sujeito me olhou, impaciente, e insistiu: “está bem, seu crápula, então o que poderia te deixar magoado?”. “Magoado?”, indaguei, “porra, que papo é esse?”. Ai o meu amigo foi mais direto: “o que poderia te deixar puto da vida, carajo?”. Ah bom, então assim sim.
Pensei mais um pouco e cheguei a conclusão que o que me deixaria, ou melhor, me deixa fulo da vida é quando uma coisa que eu gosto muito, que eu confio, que eu quero bem, assim como eu sei que também me quer bem, acaba se voltando contra mim, de uma forma ou de outra. E isso aconteceu, nobre leitorinho tupiniquim. E justamente quando eu estava nas minhas deliciosas mini-férias no litoral catarinense, feliz da vida.

Era segunda-feira de carnaval e de noite iríamos no show do Nenhum de Nós no Café Pinhão. Logo depois que levantamos meu amor pediu para que eu fizesse uma capirinha, antes de arrumarmos as coisas para irmos para a beira do mar. Vale lembrar que o resto da cambada já tinha ido para a praia, só faltava nós. Eu olhei para a cesta cheia de limões, para a garrafa de Velho Barreiro que tínhamos comprado no sábado, e para a geladeira, e, apesar da sede, me deu uma preguiça desgraçada, e respondi: “não quer deixar para depois do almoço, meu amorzinho”. Ela respondeu “hmmmm, acho que vou voltar para Santo Ângelo sem tomar a caipirinha que tu me prometeste”. Bem, apesar da resposta ela aceitou que a caipirinha ficasse para outra hora. Mas, eis que quando íamos saindo, toca o interfone:
- Tua mãe tá pedindo uma caipirinha.
Just, ora bolas. Quem vai resistir ao pedido da namorada e da mãe? Eu também tenho um certo comprometimento com a coisa toda, então, encarei aqueles limões todos, pensei, e coloquei as mãos na massa, ou melhor, na cachaça e na limoada toda. Espremi, espremi, espremi, espremi e espremi. Coloquei um pouco de cachaça, taquei açúcar, mexi bastante e experimentei. Não, não. Um pouco mais de limão. Espremi, espremi, espremi mais do que minha namorada espreme minhas espinhas. Já estava ficando com tendinite de tanto espremer. Provei de novo. Não, não. Um pouco mais de cachaça e açúcar. Pronto. Agora é só tacar gelo (Um bizu que aprendi com meu professor de química do meu cursinho pré-vestibular lá pelo ano dois mil – conselhos importantes a gente guarda para sempre – nunca coloque gelo antes de fazer a mistura, porque: água em temperatura ambiente = homogêneo, ou seja, se mistura com outras substâncias; e gelo = a heterogêneo, não se mistura).
Pronto. Ei-la a minha, ou melhor, a nossa caipirinha. A essas alturas só estava eu no apartamento. Coloquei aquele líquido precioso em uma taça personalizada que estava por lá, coloquei até um guarda-chuvinha em miniatura que minha namorada levou, e fiquei olhando a dita cuja. Fiquei tão empolgado que até uma foto eu tirei. Aí está! O artista diante da sua obra. A criatura e o criador. O arquiteto e o prédio. A mãe, ou melhor, o pai, e o filho. O cão e o seu dono. O gol e o artilheiro. O amendoim e a rapadura. As ondas e o mar! Enfim, eu e a caipirinha. Quantos anos de bom relacionamento nós tivemos! Quantas vezes deleitei-me no seu sabor doce e ácido e alucinógeno e entorpecedor nas mais diferentes fases da minha vida! Quando eu saí para as primeiras noitadas, ela estava lá! Nos primeiros carnavais, ela estava lá! Nas excursões do colégio, ela estava lá! Nos cinco anos de faculdade, ela sempre esteve presente! Mal imaginava eu que aquela criatura meiga, que se exibia na minha frente, estava confabulando com os malditos ovos do mal para me prejudicar.
Mas acontece que, minha confiança nela era tanta, que fui ao banheiro, lavei as mãos, peguei a dita cuja e desci rumo a praia, assobiando “A Kaiser é uma grande cerveja”, em homenagem a meu amigo Maikel (outra hora abordarei os gostos cervejalógicos do meu amigo).
Cheguei lá, todos beberam a caipirinha da minha fonte. E eu ia ficando cada vez mais orgulhoso a cada elogio que davam. “Viu? E não gastamos quase nada!!”, disse, em tom professoral.
Voltamos ao apartamento, almoçamos, voltamos para a praia de tarde, retornamos para o apartamento, tomamos banho, saímos nos shopings de Meia Praia, seguimos para o apartamento novamente, e rumamos para o Café Pinhão para assistir ao Nenhum de Nós com sua “Camila, Camila”, com os “papapapapapa, você não ligou quando eu disse para ter cuidado” e com o seu “é estranho como é estranho sussurrar um nome”, e por ai foi a noite toda, até as cinco da manhã.
No outro dia, acordei com uma puta dor de cabeça, com o corpo todo doído, e, para piorar, com minhas duas mãos queimadas. Começou com uma manchinha vermelha, exatamente da mesma forma que surgiram os primeiros focos comunistas no Brasil na virada para 1900. Essa manchinha foi se alastrando e, de noite, quando pegamos o ônibus de volta para Santo Ângelo, parecia que tinha encostado minhas mãos em um fogão a lenha. A dor nos quatro dias que se seguiram era insuportável, e foi então que eu percebi que aquela caipirinha maldita tinha alguma ligação com os ovos. Até porque faz tempo que não sofro com nada relacionado a minha alergia, então, só pode ser que eles, de alguma forma sobrenatural, se vingaram através da caipirinha (se vingaram de quê? Não me perguntem, mas desconfio que em outra encarnação eu devia ser um degolador de galinhas). O que sei foi que tive queimaduras de segundo grau, tudo porque fiz a maldita caipirinha e peguei um solzinho.

Mas, como falei antes, tem certos ensinamentos que nunca esquecemos, e esse é mais um. Quer dizer, não rompi definitivamente com a caipirinha, e até cheguei a fazer outras quando voltamos, mas fazer isso de novo, na praia, antes de ir para o sol, nem que a vaca tussa, espirre e bote um ovo. Para a sua diversão, segue a foto do que resultou essa brincadeira toda...

sexta-feira, 21 de março de 2008

Tripas fritas


Quando ele acordou, esticou bem as pernas, e ficou ali, deitado, se espreguiçando. Virou de lado, ergueu a cabeça para reconhecer o lugar onde estava, como se fosse um guaipeca que acabara de ser acordado pelos carros que passam pela rua. “Malditos carros!”, ele pensaria se fosse um guaipeca. Mas como não é, ele enxerga o seu aparelho de som velho no canto do quarto, ao lado do armário que tem a TV em cima. Sente vontade de ligar a TV, mas se lembra que não tem mais controle, desde que atirou ele no irmão e errou por pouco. O controle se espatifou na parede, e saltaram parafusos e botões para tudo que é lado. A sova que tomara do pai naquele dia, em um primeiro momento achou exagerada, mas agora, pensando bem, olhando para a TV desligada, chegara a conclusão que até saiu barata. Tentou calcular quantos anos atrás aquele episódio teria acontecido, mas não conseguia lembrar. Cinco, seis, oito, onze anos? Quem sabe. Tentou lembrar a última vez que apanhou do pai, mas também não conseguiu lembrar. Sentia saudades do velho, apesar do ranço em que se encontrava, sempre cobrando para que “dê um jeito na vida”. Lembrava os primeiros ensinamentos dele, como por exemplo, bater uma falta com o peito de pé. Tornou-se especialista em cobranças de falta na escola. Sabia que não era bom jogador mas tinha duas qualidades que garantiam um lugar no time titular: batia bem na bola, principalmente faltas, e marcava. Além disso, com seu jeito explosivo, jamais aceitaria a reserva. Como era bom de briga, os outros não queriam arriscar em deixar ele fora do time. Lembrou de certa vez, quando estava na 5ª séria e o time da turma jogaria um amistoso contra os grandões da 7ª. A turma tinha quatro ótimos jogadores e um goleiro. Ele seria o sexto. Mas escalaram ele porque sabiam que era melhor perder sem apanhar do que ganhar apanhando. O resultado: empate em 1 a 1. O time da 7ª até saiu ganhando, mas o empate veio depois de uma dividida em que ele discutiu com o 10 do adversário e colocou o dedo na cara do próximo rosnando: “se a gente perder esse jogo amanhã é melhor vocês não virem no colégio”.
Sabia que se eles quisessem, todo o time sairia dali quebrado e ninguém bateria nos alunos da 7ª série no outro dia. Mas, o local onde morava e a raiva que tomava conta de seus gestos quando estava irritado pareciam torná-lo um gangster. Agora, deitado na cama, refletia que a árvore genealógica que a irmã montou certa vez não estava de toda errada. Segundo ela, um de seus tataravôs veio fugido para o Brasil em 1890, em meio a Revolução Federalista. Pelas pesquisas da irmã, ele era foragido da justiça alemã, e ela jurava que o tataravô cometera homicídios na Alemanha, Itália, Áustria, Inglaterra, Espanha e Portugal, sendo que neste último havia decidido acalmar sua vida, porém, fora descoberto, o que o levou a se esconder em um navio que sairia de Porto rumo ao Rio de Janeiro. Chegou em solo carioca, e logo veio para o Rio Grande do Sul, com o objetivo de ficar o mais longe possível dos grandes centros. Foi para Cruz Alta, e mesmo sendo estrangeiro, logo ficou do lado dos federalistas e arranjou uma gaúcha, filha de descendentes italianos. Logo na virada do milênio, a prenda teve três filhos, um em 1900, outro em 1903 e o terceiro em 1905, todos machos. Os dois últimos morreram de tuberculose antes de 1920. Já o sobrevivente estava com 24 anos quando Luis Carlos Prestes fez o levante em Santo Ângelo, e na passagem por Cruz Alta ele se juntou as tropas do revolucionário. Porém, ele voltou para Cruz Alta quando a Coluna chegou em São Paulo. Não por se acovardar, mas porque ficou sabendo que seu pai havia morrido.
Retornando a sua terra natal, um ano depois estava casado, e no primeiro ano de matrimônio já teve o primeiro, dos 10 filhos de sua família oficial. Segundo a irmã de Lorenzo, o bisavô deve ter tido outros 10 filhotes fora do casamento, sendo que os primeiros devem ter sido feitos no próprio trajeto da coluna. “Nosso bisa não prestava. Ainda bem que as pessoas morrem, senão eu ia cuspir na cara dele”, dizia a mana, que garantia que os soldados da coluna, e de todas as tropas do mundo, sempre abusaram das famílias que estavam em seu caminho. Já Lorenzo, gostava mesmo era de ouvir os feitos do bisavô na Batalha da Ramada, uma das primeiras, mas das mais importantes e sangrentas de toda a Coluna. Lembrava-se que seu avô contava que nessa batalha o Neco, como era conhecido o bisa, matara 8 homens, sendo que sete foram na faca. “Ele não gostava muito de atirar, e sempre falava que matou o primeiro com tiro. Mas depois de errar o alvo em dois inimigos e quase ser surpreendido, adotou uma tática diferente. Atirava no cavalo, e quando o inimigo caia, ia com tudo para cima dele. O resultado foram sete na faca. O último implorou para não morrer. Ele fez um corte na perna do próximo e ia deixando o desgranido fugir, já que a batalha estava ganha. Mas o infeliz se virou e tentou acertar o Neco. Rã? Pra quê? Ele pegou o nigromante pelos cabelos e arrancou até as tripas do diabo. Dizem que guardou elas e fritou para comer de noite”, relatava sempre o avô, que foi o primeiro dos dez filhos, vindo a nascer no final de 1925. Na 2ª Guerra Mundial, em 1943, ao completar 18 anos, foi enviado para a Itália como pracinha. “Foram quase dois anos vendo balas passando pertinho da minha cabeça”, contava o avô. Ao contrário de seu Neco, que faleceu logo após ver o filho embarcar para a segunda guerra, o avô de Lorenzo, que ganhou o apelido de Chiru, só foi ter filho aos 28 anos, em 1953. Porém, o pai de Lorenzo, seu Juvenal, só nasceu em 1960, no Rio de Janeiro. E foi de lá que ele, ainda criança, viu seus pais fugirem constantemente dos Pedros e Paulos da ditadura. O resultado foi o retorno do casal para a terra natal, onde vivem até hoje.
“Todos os meus antepassados lutaram por alguma causa, lutaram contra um inimigo, pegaram em armas, estriparam gente, fizeram a história. Mas e eu? O que estou fazendo aqui? Minha mãe está lá, na casa da vizinha, perguntando se eu vou me casar com a filha dela, ou se a gente só está saindo para curtir. Meu pai está ralando no escritório em Passo Fundo para manter o padrão pequeno burguês que sobrou da nossa família, e só vem nos visitar nos finais de semana. Meu irmão entrou nessa merda de Exército, justo agora, que essa porcaria não tem função nenhuma. E minha irmã, se formou em medicina e, apesar de todo o serviço, ainda acha tempo para fazer essas pesquisas e querer enfiar goela a baixo toda essa história de nossos antepassados serem heróis guerreiros. Mas e eu? Estou com 30 anos, deitado nessa cama de merda, com uma ressaca desgranida de vinho, pensando se a filha da vizinha realmente toma pílula ou vai “pegar” filho, como dizia o meu avô. Mas que importância isso tem para a história do mundo? Do Brasil? Do Rio Grande do Sul? De Cruz Alta???? O melhor era morrer e torcer para nascer em um lugar onde eu possa lutar por alguma causa...”. Lorenzo pensava sobre tudo isso, enquanto sua mãe abre a porta do quarto e diz: “Não vai levantar? Já são onze horas! Além de não trabalhar ainda arranja sarna para se coçar na vizinhança... quero ter uma conversa séria contigo”.
Lorenzo fica olhando para a TV desligada, enquanto ouve sua mãe fechar a porta do quarto. Fica imaginando qual é o gosto que tinham as tripas que seu bisavô fritou na batalha da Ramada, há mais de 80 anos....

segunda-feira, 17 de março de 2008

O nóio poder da nóia


Eu deveria andar de ônibus. Mas Santo Ângelo é a única cidade onde eu não ando de ônibus. E não é porque aqui eu posso dar uma lascadinha no carro dos tios Nanas (tios pra você, nobre leitorinho, e pai e mãe para mim). Mesmo sem carro, só lembro de ter andado de ônibus aqui em Santo Ângelo para ir até o Clube 28 de Maio para jogar bola quando era piá.
Para ir até a Sede Campestre da AABB, ou em qualquer lugar, por mais longe que fosse, a gente sempre dava um jeito (a pé ou de bike). Já nas outras cidades por onde eu andei e fiquei por mais de uma semana, isso nunca aconteceu. No Rio, por motivos óbvios. Em Porto Alegre, nos quatro meses em que morei lá, eu andava a pé para economizar. Cheguei a ir a pé do prédio da Band, lá perto da ESPM, no Santo Antônio, até o bar do meu tio, na Venâncio Aires, na Cidade Baixa. Ou senão, do shoping do Moinhos de Vento até a Voltaire Pires, no Santo Antônio, e por ai vai... Tudo para economizar alguns centavos na dura época em que eu era um jornalista duro e desempregado. Bem, agora eu não sou desempregado... Já em Ijuí, devido ao sobe e desce das ruas eu me sentia obrigado a pegar os polentões. Em Santa Maria, idem.
Mas enfim, estava falando que deveria pegar um ônibus aqui em Santo Ângelo para conferir de perto o Poema nos Ônibus, uma parceria da prefeitura com a empresa de transporte coletivo Viação Tiaraju, a exemplo do que ocorre em praticamente todos os municípios do Estado. No total, são 40 poemas que foram escolhidos para tornarem a viagem de ônibus dos nobres leitorinhos mais divertida e agradável! Sei, estou parecendo mais um publicitário do que jornalista, mas, porra, preciso vender o meu peixe, carajo. E acontece que em um desses ônibus está circulando um poema meu. Meu, sacaram? Que eu escrevi, justamente no período em que estava morando no bar do tio em Porto Alegre. Fiquei curioso para ver o poema no ônibus. Esses dias quase entrei num para ver se o meu estava lá dentro. Caso não estivesse, eu desceria na primeira parada e pegaria o próximo, e iria fazer isso até achar o maldito desgranido!
Mas ei-lo então o meu poema:

O nóio poder da Nóia

Caminho pelos corredores escuros
Escuros e cheio de bêbados
Que sofrem por amores perdidos
Pelos sonhos vendidos
Estropiados e trocados por copos de cachaça
Além de falsas ilusões, abandonadas e estupradas
No caminho de um mundo desnudo
Que faz um desgraçado vagabundo
Ficar perdido em meio a lobos traiçoeiros
Que protegem os seus filhotes
Mas que comem o rabo de quem os rodeia
De quem eles querem tomar o osso
Alucinógeno que lhes mantém a ilusão
De serem os Deuses da terra
(Pseudônimo: Old Bukowski)

O dia da entrega dos certificados também foi curiosa. Os três primeiros lugares ganhavam um troféu. E, após entregarem os certificados, chamaram três gurias, com idade aproximada entre 7 e 9 anos, para lerem os três poemas vencedores. Ali, fiquei sabendo que não venci, porque comecei a imaginar uma daquelas crianças lendo para o auditório do Centro Municipal de Cultura completamente lotado: “Além de falsas ilusões, abandonadas e estupradas” e ainda “Mas que comem o rabo de quem os rodeia”. Eles gostaram da loucura do meu poema, mas não seriam tão loucos a ponto de permitirem isso. No fim, acompanhei toda a programação e voltei para casa, sozinho, com o certificado embaixo do braço, assobiando Carnaval em Veneza.

domingo, 16 de março de 2008

A vida é bela! How How How! Feliz Páscoa!


A minha amiga e nobre leitorinha tupiniquim Lara pediu a história de quando conhecemos o carioca no Intercom da PUCRS, em 2005. Eu achei que tinha escrito essa história em meus arquivos, mas não tenho. Em compensação, achei essa outra, da festa surpresa dela de 20 anos. Os nomes foram trocados novamente para preservar a imagem de todos, menos a minha! – fazer o quê, é o preço que se paga por escrever. O título dela é: A vida é bela, e rolou, como dá para ver na foto, em 2005.

A vida é bela

As últimas horas tem sido bastante movimentadas. Depois da festa de sexta, que eu contava no capítulo anterior, o Dante e eu fomos noutras duas festas no sábado. Uma era com bebida e comida confirmada, e a outra era uma festa de aniversário surpresa. A galera decidiu ir primeiro na surpresa e depois na outra. A aniversariante era a minha amiga Laura, que estava completando 20 anos. Combinamos que todos teriam que ir fantasiados, mas como praticamente ninguém tinha fantasia, sobrou para a Vivi pegar algumas emprestadas na escola onde ela trabalha. O Dante foi de anjo, o Alexandre foi vestido daquele mágico atrapalhado da Caverna do Dragão, a Vivi foi de Pintinho Amarelinho, a Carol foi de roqueira da década de 70, o Renato foi de Malandro Carioca (com uma camisa do Fluminense dos anos 70), o Axel foi de médico, e ainda tinha um casal que inverteu os papéis: o homem foi vestido de noiva e a mulher de noivo. Já eu estava de Papai Noel, com barba, barriga natural, saco e tudo. Ainda tinham mais uns quatro ou cinco sem fantasia. Fomos em dois carros e uma lambreta. Em um carro iam os “sem fantasia” e numa caminhonete iam os fantasiados, sendo dois na frente e o resto na caçamba. Do lado da caminhonete ainda vinham os noivos na lambreta. O frio era desgraçado, mas a roupa de Papai Noel e as risadas ajudaram a esquentar. Eu estava sentado bem atrás da cabine do motorista, e então não via o que se passava na frente do carro. O resultado disso foi que a toda hora eu acabava batendo com a cabeça nos galhos das árvores que tinham pelo caminho. Isso até alguém ter a brilhante idéia de gritar “OLHA A ÁRVORE!”, ai todos se abaixavam, e ninguém batia o cucuruco. Chegamos lá, e a Laura quase desmaiou de emoção quando nos viu. Com os olhos vermelhos de lágrimas, ela dizia que nos amava, e abraçou um a um. Quando íamos entrar, alguém teve a genial idéia de repetir toda a cena para que filmassem. Apesar do frio de quase zero grau, fizemos tudo de novo na raça e na coragem. Lá dentro comemos cachorro quente e tomamos muita cerveja (apesar do frio). O álcool começou a fazer efeito na massa cinzenta daquelas animadas criaturas, que lá pelas tantas inventaram de fazer um filme. Como eu estava vestido de Papai Noel, fui obrigado a participar. Na história, eu chegava e dava uma bala para a criança (a Laura, que a essa altura já estava fantasiada de bailarina) e dizia “feliz natal garotinha! How! How! How!”. Fiz minha parte no filme e voltei a jogar truco no meio da sala. Terminadas as filmagens, fomos assistir àquela obra prima na TV da Laura. A cena gravada ficou mais ou menos assim: o Papai Noel chegava, dava a bala para a criança, e enquanto o resto da historinha ia rolando, o bom velhinho fazia a volta na sala e aparecia no fundo da tela sentando no chão, pegando o baralho e gritando “truco” com um copo de cerveja na mão. Lá pela uma e pouco resolvemos dar uma passada na outra festa. (o trajeto entre uma festa e a outra foi CENSURADO, mas dessa vez é para evitar complicações para o lado de um general da ditadura que é mui amigo meu).
Para encerrar a noite, fomos na festa da outra Cláudia, e ficamos até as quatro da madrugada bebendo e comendo mais cachorro quente. Lá também estava legal, mas os convidados eram mais comportados.
Hoje acordei às quatro da tarde e fiz um carreteiro, com minha mãe me orientando pelo telefone. Depois, o Dante bateu aqui e fomos dar uma volta no centro. (CENSURADO)
Ah, e só para não acharem que eu sou um vagabundo completo, em meio a essas festanças eu ainda tirei um tempinho para ler, e amanhã tenho que acordar às sete da manhã para trabalhar e depois tenho aula até as dez e meia da noite.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Um puta protesto contra a porra do protesto





Tem certas coisas que não tem explicação. Eu penso, penso, penso, e não dá para entender. Terça de manhã eu ia para Porto Alegre para a orientação com o professor Antônio Hohlfeldt, na PUC, mas na segunda de noite já aconteceu o primeiro imprevisto: a marcha ré do carro estragou e bailou minha carona com meus pais, que levariam minha irmã para Porto.
Tudo bem, tem um ônibus que sai às 7h de Santo Ângelo, chega às 13h30 em Porto Alegre, a orientação era às 14h30, daria tempo de chegar lá. Tranqüilo. Dez e meia da manhã, o ônibus pára em Soledade para o tradicional lanche. Quando todo mundo ia embarcando de volta, ouço o motorista comentando com um passageiro: “vamos indo, apesar de que falaram que só vão liberar a estrada às onze”.
Já começou a me dar um revertério no estômago. Andamos mais um pouco e a porra do ônibus parou. Parou parado, sacas? Atrás de uma fila de carros e caminhões. Olhei para o relógio, e, pelos meus cálculos, se a gente ficasse parado meia hora talvez desse tempo de chegar lá pelas duas. O motorista colocou um filme para distrair o pessoal e saiu. Em seguida, um passageiro também saiu, e, como vi que a porta estava aberta, também saí. Foi então que comecei a ouvir os discursos, que mais pareciam comício eleitoral. “ENQUANTO O GOVERNO NÃO GARANTIR O ASFALTO PARA AS NOSSAS CIDADES, A GENTE NÃO VAI ARREDAR O PÉ DAQUI!”.
Putaqueopariufilhadaputadocaralhoporra!!!! Exclamei mais ou menos isso.
No início eu era o único surtado com a situação, porque os outros passageiros só tinham compromisso depois das quatro. Mas, na medida em que o tempo foi passando e os outros também iam perdendo seus compromissos, a expressão “Putaqueopariufilhadaputadocaralhoporra!!!!” passou a ser repetida por praticamente todos.
Como teoricamente eu já tinha perdido meu compromisso, e já tava rindo de desespero, comecei a tirar fotos e a ir em direção ao centro do protesto. Chegando lá, havia churrasco, palanque armado no meio de uma das BRs mais movimentadas do Rio Grande do Sul, e um clima de festa entre os que lá estavam. “NINGUÉM VAI EMBORA! NINGUÉM VAI PASSAR! TEMOS CHURRASCO PARA A TARDE INTEIRA E SE PRECISAR VAMOS POSAR AQUI! A GOVERNADORA VAI TER QUE OUVIR A GENTE!” gritava o cara que, acredite, era o vice-prefeito de Arvorezinha, uma das cidades que cobravam asfalto.
“Putaqueopariufilhadaputadocaralhoporra!!!!” Exclamei mais uma vez.
Porra, se fossem movimentos organizados por certos grupos, como o MST, ainda era compreensível, agora, prefeitos, vereadores, vice-prefeitos, secretários e, pasmem mais, até jornalistas subindo em palanque para fazer uma coisa tão irracional! Mil vezes Putaqueopariufilhadaputadocaralhoporra!!!! Tinha gente que estava no ônibus para ir para Porto Alegre para fazer quimioterapia. Outros iam fechar negócio. Eu ia fazer uma orientação, porque meu professor está indo para a Europa, e eu só poderia falar com ele na terça! Havia ainda pessoas que iam fazer uma consulta! Porra, pagaram 160 reais de passagem de ida e volta, mais os gastos de transporte urbano e alimentação, além do valor da consulta e das doze horas de ida e volta, para chegar uma cambada de políticos, que nem português sabiam falar direito, e trancarem a rodovia. E tudo sem nenhuma atitude tomada pela Polícia Federal e a Brigada Militar! Ommmmmmmm Ommmmmmm. Fora os caminhoneiros, que já são atrasados por natureza e causam tantos acidentes por isso, que iriam atrasar mais ainda! Credo! Se é assim que funciona o negócio, então quando eu tiver insatisfeito vou dizer “ou você me dá o que eu quero, ou senão não vai passar”, ou “se você não cumprir com o que estou pedindo, vou invadir a sua casa e matar o seu cachorro”. A única frase que me vem na mente pensando nisso é: Putaqueopariufilhadaputadocaralhoporra!!!! É como você ter uma desavença, e para resolver o problema envolver terceiros. É como eu querer receber de um devedor que me dá calote há anos, e seqüestrar o filho dele. É chantagem! É abuso! Isso não existe! Um prefeito fazendo isso! Um vereador! Putaqueopariufilhadaputadocaralhoporra!!!! Um milhão de vezes!
Vou parar por aqui, e só encerro dizendo que consegui falar com o professor, porque, por sorte minha, ele ia ficar até às sete aquele dia na PUC. A pista foi liberada por volta das duas da tarde, e chegamos lá às cinco e uns quebrados. Senão, eu teria chegado em Porto Alegre e comprado direto a passagem de volta para Santo Ângelo.
Putaqueopariufilhadaputadocaralhoporra!!!!




Só uma breve análise das fotos. A primeira que tirei, por ironia do destino, foi a do baita caminhão da Skol. Força do hábito... E prestem atenção no tio da Brasília amarela. Essa nem com roda gaúcha nem com roda americana ela não quer andar! Oxente ai ai ai!

sexta-feira, 7 de março de 2008

Retro - A gema do ovo





Como estou voltando a levar uma vida de estudante-jornalista, com o breve início das aulas do mestrado, e para variar, estou com pouco tempo e sei que não vou poder escrever nesse final de semana, aproveito para matar minha saudades da faculdade e todas as falcatruas que existem lá, postando mais um texto do meu arquivo.
Como os textos que escrevi sobre minha alergia a ovo são os que mais fizeram sucesso até agora, reproduzo esse, que escrevi depois do Fórum Social Mundial de janeiro de 2005. Vale esclarecer que escrevi por volta de MARÇO DE 2005. Bom, por motivos de força maior (os generais mortos após a ditadura reencarnaram nesse corpo que vos escreve) acabei censurando algumas partes, que talvez, UM DIA, eu as publique em algum lugar obscuro da literatura não vista (tem a literatura maldita, que pelo menos era lida, agora, a maior parte da literatura de hoje em dia é não vista mesmo, já que cada vez mais o pessoal lê menos). O título do texto é: “A gema do ovo”.

A gema do ovo

Em dezembro do ano passado larguei o emprego que tinha em Ijuí para tentar a sorte em Porto Alegre. Como vocês sabem, fui na expectativa de realizar um estágio no clube número 2 do Rio Grande, mas ao contrário disso, minha viagem foi repleta de bebedeiras, loucuras, Fórum Social Mundial e duas semanas no Rio de Janeiro! Cheguei em Porto Alegre no início de janeiro, e fiquei na casa de um amigo meu que mora e estuda lá. Como era período de férias na faculdade, ele não estava em Porto Alegre, e o AP só estava sendo ocupado pelo primo dele, o Ricardo. Logo no primeiro dia já vi que se tratava de uma grande figura. Comecei especulando, vendo se ele gostava de sair, se era organizado ou bagunçado que nem eu, e constatei que era muito parecido comigo, tanto é que se amarrou nos livros do Bukowski que eu havia levado para ler no ônibus durante a viagem. A semana que ele ficou lá, antes de ir passar as férias com a família em Tupaciretã-RS, foi muito divertida. Na minha primeira noite, fomos no La Boguedita, um lugar macabro na Lima e Silva, que quando você passa pela frente logo pensa: “eu nunca entraria ai”. Dias depois chegou o Manuel, que passaria a dividir o AP com os dois primos, e que só foi lá para adiantar a mudança. Nesse final de semana nós três resolvermos ir para a noite assombrar a mulherada. Após rodar por alguns bares, acabamos no Zap, um lugar bacana no Bairro Moinhos de Vento, que eu já conhecia de uma outra viagem minha a Porto Alegre. Era 30 reais a entrada com bebida liberada. O Manuel., que não bebia, ficou meio mal logo de cara e foi embora alegando que a música era ruim (pagode). Já eu e o Ricardo pouco ligamos para a música, pois o negócio estava bombando. Lembro que cheguei para conversar com uma mulher mais velha que estava sentada no bar, e inutilmente perguntei seu nome. Vendo que ela fingia não me ouvir, perguntei o que ela fazia. “Eu sou babá”, respondeu, provavelmente querendo insinuar que eu era uma criança. Achei graça da resposta, e ela milagrosamente fez a mesma pergunta para mim: “e você, que faz da vida?”. “Agora ela me paga”, pensei vingativamente. “Tenho um açougue na Fernando Machado”, respondi com um ar tranqüilo e sereno. Após ela soluçar de tanto dar risada, tentei aproveitar o embalo para puxar mais assunto, mas ela era uma garota esperta (e sã), então em pouco tempo me deixou falando sozinho. Para esclarecer a graça que a criatura achou na minha resposta, explico: a Rua Fernando Machado, no centro de Porto Alegre, é a antiga Rua do Arvoredo, onde por volta de 1860 um açougueiro e sua mulher mataram várias pessoas e fizeram lingüicinhas com elas, que eram vendidas para a população porto-alegrense, tornando-as canibais. A história foi contada de forma magistral pelo escritor David Coimbra no livro Canibais – Paixão e Morte na Rua do Arvoredo. Recomendo à todos que leiam, já que se trata de uma excelente obra. Voltando à boate, depois disso (CENSURADO).
Quando a festa terminou, eu e o Ricardo tentamos ir embora a pé, mas devido ao nosso nível de embriaguez e à nossa ignorância geográfica sobre as ruas de Porto Alegre, acabamos nos perdendo. Quando nós perguntávamos como se fazia para ir até a Cidade Baixa, todos respondiam: “vocês querem levar uma bala na cabeça?! Peguem um táxi que é mais seguro”. Subimos e descemos várias ladeiras, até que desistimos de tentar sair daquele labirinto urbano, e pegamos o primeiro táxi que passou na nossa frente (abro um parentese aqui, porque acabou de passar pela minha janela uma morena que é um ESPETÁCULO, e fez eu me perder todo na história). Um, dois, três, vamos lá. Depois desse dia, o Ricardo trabalhou no vestibular da faculdade em que ele estuda, e assim como o Manuel já havia feito, foi embora. A partir desse momento eu estava sozinho em um apartamento de dois quartos, uma sala, um banheiro e uma cozinha no décimo segundo andar de um prédio localizado no ponto mais badalado de Porto Alegre: a Rua Lima e Silva. Mas para decepção geral da nação, até o início do Fórum Social Mundial minha única ocupação foi a internet. (CENSURADO)... no domingo que se aproximava, que era justamente o domingo que meu amigo Fernando, mais conhecido como Carioca, ia chegar para participar do Fórum Social Mundial. No sábado praticamente não dormi, e tive que buscá-lo às nove horas da manhã no aeroporto. (CENSURADO-CENSURADO)
O Fórum começou no dia seguinte, e eu fui logo conhecendo a galera do Rio de Janeiro que estava lá. Os amigos do Carioca eram todos figuraças, como o Ronaldo, que toda noite aparecia lá em casa para jantar com a namorada e com a irmã. De bobo os três não tinham nada, porque eles aproveitavam a oportunidade para tomar banho e se trocar lá, já que o Acampamento da Juventude não era muito confortável, e além do mais, a água do meu chuveiro era quentinha. Passei todos os dias do Fórum andando pelo acampamento, assistindo palestras, conhecendo gente nova, idéias novas, culturas novas. Minha avaliação do Fórum é boa, apesar de ter presenciado arrastões, roubos, prisões e outras cositas mas. Lá vi de tudo. Uma noite, quando estávamos sentados ao redor de uma fogueira, com um pessoal da Bahia tocando violão, apareceu um maluco chapado, mandando que parassem de tocar a porra do violão por que Raul Seixas já tinha morrido. O cara gritava desesperadamente “RAUL SEIXAS JÁ MORREU! PÁRA COM ISSO! RAUL SEIXAS JÁ MORREU!” E os caras nem ai, continuaram com o som, até que o chapado foi embora desamparado. Lá também conheci um colombiano que morava em Cali. Ele me perguntou o que eu conhecia do país dele, e na hora a única coisa que me veio na cabeça foi o nome zagueiro da Seleção Colombiana de 94 Escobar, que foi assassinado após marcar um gol contra na Copa daquele ano. O cara respondeu “ah, si, Pablo Escobar. Es un hombre mui poderoso. Es mas poderoso que lo presidente Uribe”. Como nosso portunhol estava meio confuso, acabei deixando assim mesmo.
Outro dia eu estava na caminhada pela paz na Palestina, gritando “free, free Palestine”, quando olho para o lado e vejo meu colega de faculdade Chico (que na verdade é o Fronceck), com uma latinha de cerveja na mão, gritando feito um louco para libertarem o povo palestino. Como esse mundo é pequeno! Saio de Ijuí, e no meio de um monte de estrangeiros e brasileiros dos mais variados estados acabo encontrando justo o Chico! O resultado dessa coincidência foi mais um porre para o nosso currículo.
Lembro ainda que todos os dias eu ia para o Fórum depois do almoço e voltava só de madrugada. Geralmente o Carioca e eu nos perdíamos por lá, e um chegava antes do outro em casa. Conhecemos também uma galera de Santa Maria-RS, todas estudantes universitárias. Tive que responder para elas todas as perguntas possíveis e imagináveis sobre alergia a ovo. Pois é meu caro leitor, sou alérgico a ovo. E elas me bombardeavam com perguntas do tipo “é só ovo de galinha que você não pode comer ou qualquer tipo de ovo?”, ou “mas então o que você come?” ou ainda “e a galinha, tu podes comer?”. Depois de conceder uma verdadeira entrevista coletiva sobre o assunto (todas eram estudantes de jornalismo) a gente foi tomar um trago em um boteco qualquer. Lá ainda tive que ouvir comentários como “ainda bem que não tem ovo na cerveja” ou “cuidado que essa cerveja é da mesma cor do ovo”. É mole? Como diria o Macaco Simão: é mole mas sobe.
Dentro desse repertório de coisas estranhas, ainda tinha o Carioca, que além de ser meio esquisito, praticamente não dormia. Ele chegava mais ou menos na mesma hora que eu, e as oito da manhã estava de pé para ir às palestras. O infeliz me cutucava e dizia: “o gaúcho, não vai não?”. Eu olhava no relógio e respondia ainda meio dormindo: “não, vou mais tarde”. Acabava sempre indo depois do meio-dia. Quando ele saía, eu ficava pensando: “bah, esse carioca não dorme tchê!”. O Fórum foi passando, e eu fui planejando minha ida para o Rio de Janeiro no carnaval. O Carioca foi embora na segunda-feira, e na quinta eu estava acordando às quatro horas da madrugada para ir até o aeroporto Salgado Filho pegar o avião rumo ao Rio, que saía às seis horas da manhã. O vôo atrasou uma hora, e só entrei na aeronave às sete. Passei o vôo inteiro achando que aquela bosta ia cair. A pior parte foi quando o avião começou a baixar, e eu só via mar pela janela, sendo que ainda faltavam 30 minutos para o horário previsto para a nossa chegada. Já estava entrando em pânico quando apareceu aquele monte de prédios, que de longe pareciam mais caixas de fósforo colocadas em uma maquete.

terça-feira, 4 de março de 2008

Perguntas do passado


Estava olhando alguns arquivos velhos que tenho no computador, e achei textos do tempo em que eu estava na faculdade (até o longínquo primeiro semestre de 2006). Aliás, abro um parêntese para falar sobre uma situação contada pelo Moacir Scliar em uma palestra que acabou há poucas horas aqui em Santo Ângelo. Ele disse que quando estava na faculdade e escrevia para o jornal do curso de medicina, um amigo dele certa vez perguntou:
- Tudo isso que você escreve é verdade?
- Não – respondeu o Scliar. O amigo arregalou os olhos e retrucou indignado:
- Então você é um mentiroso! Como você pode escrever mentiras em um jornal?

Pois é. Apesar de não fazer dois meses que estou com esse blog, já me perguntaram se é tudo verdade. Então, para responder a todos ao mesmo tempo, eu calculo que 50% é verdade, 50% é mentira e 50% nenhuma das opções.
Mas voltando a minha fuçação (coloquei com dois cedilhas porque não achei no dicionário), achei esses textos, que, quando estava para me formar, transformei em um romance que inscrevi no Prêmio Nacional de Literatura do Sesc, e que, como não ganhei, engavetei e não tenho a intenção de publicá-lo por motivos de força maior, a exemplo do que o Scliar fez com “Histórias de médico em formação”, que ele disse ser a sua vergonha literária. Como eu não tenho nem obra para ter algum tipo de vergonha literária, só digo que não vou publica-lo por um motivo muito simples: porque não tenho verba! Rará! É mole! Pergunta lá pro Zé Simão...
Pois bem, em resumo, selecionei um desses textos para reproduzir aqui. Dei uma olhada, e se não me engano, foi escrito no final de 2004, pouco antes de eu ir para Porto Alegre tentar um estágio na Assessoria de Imprensa do Inter. Censurei algumas partes e troquei os nomes verdadeiros, mas tudo isso na época em que escrevi, e não vou alterar, portanto, os nomes seguem sendo fictícios, mas enfim, tudo pela minha segurança pessoal.... O título do capítulo era “mais merda”, já que o anterior era “merda”. Ai vai:

Mais merda (novembro ou dezembro de 2004)

Merda mesmo. Tinha acabado de bater um capítulo de duas páginas, mas deu pau nessa porra de computador e perdi tudo. Agora digito um parágrafo e ctrl + B. Como não adianta chorar o leite derramado, vamos lá. Tenho só mais dois dias de trabalho, e por isso resolvi escrever mais um pouco antes de partir rumo a minha mais nova aventura. Sábado vai ter um jogo para comemorar minha ida para o time número 2 do Rio Grande. Vai ser os Amigos do Sanchez contra os Amigos do Raul (um careca que trabalha na rádio e que também está saindo). Apesar de todo o estresse, que já contei em outros capítulos, eu gosto de lá. Gosto até dos que não gostam de mim, e com certeza sentirei falta de todos. Com essa aventura, terei que cuidar do dinheiro que me sobrou, senão brevemente voltarei a meus tempos de guri, quando eu e meus amigos contávamos as moedas para comprarmos cachaça e dois litros de refrigerante (às vezes não tinha dinheiro para o refri, e nós pegávamos qualquer outra bebida, como suco artificial de saquinho, para fazermos a mistura). É uma merda o cara ser pobre. Se bem que no fim, como diz a Rita Lee, tudo vira bosta mesmo.
Quem vai saber daqui a 100 anos quem foi Arthur Augusto Sanchez (esse era meu nome ficcional, inspirado no Arturo Bandini, do Fante) e o que ele fez em sua vidinha medíocre? Nem meus tataranetos saberão a merda do meu nome. Eu também nem faço idéia de onde estarei. Afinal, o que vai acontecer conosco? Aonde tudo isso vai parar? Onde tudo começou? Alguns me chamam de louco e outros dizem que eu não acredito em Deus. Muito pelo contrário, minha única certeza na vida é que Ele existe. Só que mesmo assim, quem criou Ele? O que existia antes Dele? O que virá depois? O que existe além do Universo? Será que pode acabar tudo a qualquer momento, quando o ser que está comandando toda essa porra resolver terminar seu joguinho virtual? Para onde vão os nossos sentimentos, as nossas angústias, os nossos orgasmos, os nossos tragos? No fim, tudo vai se perder na linha do tempo. TUDO VIRA BOSTA.
Admiro-me daqueles que se acham mais do que os outros por serem presidentes de instituições, lideranças políticas ou simplesmente porque nasceram filhos de pai rico. O que se passa na massa cinzenta dessa pobre gente? Será que eles têm a doce ilusão de que quando morrerem vão continuar com algum poder? Será que na outra fase da nossa vida os papéis não se invertem (os opressores se tornam oprimidos)? Perguntas, perguntas, perguntas...