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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Pequenas epifanias – versão duduziana

Já escolhi meu epitáfio: “Minha vida foi foda. Nos dois sentidos”. Apesar do psiquiatra maluco que fez meu laudo num desses processos da vida me descrever como “um sujeito pacato do interior”, acho que minha vida sempre foi, e segue sendo, muito foda, nos dois sentidos clássicos do termo. Sempre vivi entre o céu e o inferno. Entre a brochada e o gozo intenso. Entre a tristeza do gol do Inter e a euforia do gol do Grêmio. Enfim, em todas as etapas de mi perra vida, sempre estive entre a glória e a tragédia.
Não pretendo aqui escrever um livro autobiográfico, mas pensando na minha situação atual, concluo que tudo sempre foi assim. Talvez o período mais estável tenha sido a infância: brigas doidas com os irmãos, brincadeiras, paixões platônicas, fanático por futebol, psicótico pelo Grêmio, inocência perdida nas Sextas Sexys da Band, etc. Mas, a partir da adolescência, eu senti o furor da Deusa Cadela, como diria D.H. Lawrence.
Entretanto, a fúria da Deusa Cadela, que coloca o sentido foda negativamente falando em minha vida, não é o suficiente para bater o sentido positivo do troço. Lembro que, mesmo sem a Deusa Cadela, eu e meus amigos da adolescência contávamos as moedas, juntávamos lá uns 30 reais entre uns seis ou sete, comprávamos uma garrafa de vodka (ou canha mesmo) e um refri dois litros, e tínhamos noites divertidíssimas que deixaria qualquer senhora conservadora indignada e de cabelos em pé.
Ao mesmo tempo em que o negócio era sinistro por não termos dinheiro (cada um colaborava com moedas – quem colocasse uma nota de cinco era ovacionado), também era sinistro pela diversão absurda. Não conto isso para incentivar ninguém a fazer merda nenhuma, a única coisa que quero dizer é que o negócio era divertido bacaraí e, até hoje, quando encontro alguém desse tempo fico recordando saudosamente essa época.
A mesma situação seguiu depois: a fúria da Deusa Cadela me perseguindo durante a faculdade, onde cursei cinco anos de Jornalismo, sempre no vermelho, mas me divertindo mais do que qualquer shake árabe. E, mais tarde, me apaixonando, namorando, noivando, tendo filho, etc, tudo isso sem um puto pila sobrando no bolso. Foi tudo foda, no bom sentido do termo, e tudo intenso. E continua sendo... Mas, por outro lado, também foi foda no sentido negativo, já que não ter grana nunca é sempre foda.
Fazendo uma quebra no pensamento... quando eu era pequeno achava que tudo na vida acontecia naturalmente: o sujeito estudaria, no segundo grau já seria um adulto, se encaminharia na sua profissão e, automaticamente, viria o resto – dinheiro, casa, carro, mulher feliz, filhos felizes, etc. Nesse sentido meu imaginário também foi foda: por um lado, porque não foi assim tão fácil, mas por outro porque não imaginava que a vida fosse tão divertida.
Enfim, o fato é esse: sigo com a corda no pescoço, sempre sem grana, com o banquinho quase virando para me degolar de vez, com um monte de gente torcendo pro banquinho escorregar e eu me foder, mas com outros me dando uma força sobrenatural pra eu não me enforcar (estou falando isso metaforicamente, pois nunca cogitei o suicídio e não faço nenhuma questão de conhecer o além).
Resumindo, mais uma vez estou na marca do pênalti. Tudo pode dar certo e eu posso chutar o rabo da Deusa Cadela pra sempre. Bem como tudo pode dar errado e a Deusa Cadela pode me arrancar os testículos.
Independente do que acontecer, de eu resolver minha vida por aqui, de eu ir para New York agora ou daqui a alguns anos mais, de eu virar mendigo ou perder a cabeça e mandar alguns políticos corruptos para os braços do capeta, enfim, quando tudo isso chegar ao fim (e eu espero que demore bastante) vou poder dizer: minha vida foi foda. Nos dois sentidos.

PS: o título do texto foi COPIADO de um livro do Caio Fernando Abreu, que mais que escritor, é um mestre para todos os seus leitores.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Medo e delírio na Arena




Acho que de tanto ler Hunter Thompson, estou pegando o jeito. Mas parece que tudo é automático. Não faço nada pensando: “vou imitar Hunter Thompson”, afinal, depois de ficar um ano pesquisando muito o cara (e vou seguir por pelo menos mais um) o troço parece que se internaliza.
Enfim, ontem [sábado] fui na inauguração da Arena do Grêmio. Saí de Pelotas às 11h da manhã.
Éramos 15 gremistas mais o Balaio, motorista da van. Às vezes acho que ele pensava que estava transportando porco e passava a mais de 100 por hora por todos os tipos de buracos. Era aquele monte de cabeça pulando até quase tocar no teto. Mas o foda mesmo é que não dava para se mexer. Fui no último banco, espremido entre um cara que tinha o apelido de Ronaldão e um outro, que não lembro o nome, que estava com a namorada. Ou seja, foram três horas e meia de viagem sem poder mexer os braços nem as pernas, porque o banco da frente ficava encostado no meu joelho. Tudo pelo tricolor.
Chegamos em Porto Alegre e havia um pessoal que tinha que pegar o ingresso no Olímpico. Lá fomos nós, para o velho casarão. Tinha lá algumas barraquinhas do pessoal que esperava o show da Madona e uma porrada de cambista vendendo ingresso pra tudo: inauguração da Arena, show da Madona, jogo entre amigos do Ronaldo contra Amigos do Zidane, festa de ano novo na tia Carmem, etc. Após mais algumas dezenas de minutos, rumamos, finalmente, para a Arena do Grêmio.
Bairro Humaitá.
Nunca tinha me enfiado num lugar daqueles em Porto Alegre. Nada contra, pois eu saí da boca do Harmonia, em Santo Ângelo. Os santo-angelenses sabem do que estou falando. Enfim, nos arredores, todas as residências viraram bares: refri, cerveja, água, lanche, churrasquinho, etc. Aliás, não vi nenhum gato nesse bairro... Muitas casas já se equiparam até com placas identificadas com azul, preto e branco: Bar do Zé, bar da Tia Maria, Bar do João, Bar do Alfredo, etc. E, para cada bar, havia uns 15 PMs.
Desci da van, o pessoal foi para os seus respectivos portões, peguei o número do Balaio, e fiquei zanzando ali por fora, pois era cinco e pouco, e a programação iniciava apenas às oito. Nenhum motivo para preocupação, afinal, no portão da imprensa não tem fila. Aproveitei o tempo e pedi o banheiro emprestado em uma dessas casas que se transformaram em bares improvisados. Um senhor gordo, careca, cara de alemão, idoso e simpático, emprestou a sua latrina. Avisei que ia demorar um pouco, pois iria trocar de roupa (tinha que botar a maldita calça e tirar a camisa do Grêmio), afinal, o único “jornalista” que a toda poderosa ACEG deixa entrar uniformizado para cobrir jogos é o Paulo Santana. Depois de me trocar, comprei uma cerveja que nunca tinha visto na vida: Kalona.
Razoável. Com a Kalona em mãos, fui me enfiando por uma ruazinha do Humaitá, seguindo uma batucada, e procurando um churrasquinho. Achei os dois, peguei o espetinho, e fiquei por ali, zanzando, observando aquela animação toda, e cantando as principais músicas da Geral.
Estava ali, bocabertiando, quando um grupo de gremistas pediu para eu tirar foto deles e, após a solicitação ser atendida, puxaram assunto comigo. Um deles perguntou de onde eu era, e eu disse que morava em Pelotas, mas era de Santo Ângelo. Então, outro perguntou se Santo Ângelo era em Santa Catarina. Disse que não, que Santo Ângelo era uma cidadezinha que ficava no norte do Paraná, perto de Londrina, e que era famosa pelas Olímpiadas de porquinhos da Índia. Uma vez por ano, pessoas de todos os lugares viajavam para a paranaense Santo Ângelo para assistir porquinhos da índia de todos os tamanhos realizarem as mais loucas provas, como por exemplo, a competição de corrida na roda gigante, em que o último a desistir é o vencedor e o primeiro vai parar no espeto.
Contei que eu tinha um porquinho da Índia, treinado, que se chamava Bartolomeu, mas que eu estava preocupado porque o Bartolomeu estava ficando velho e seria difícil achar um campeão como ele. Convidei o grupo para conhecer as Olímpiadas dos porquinhos da Índia de Santo Ângelo e prometi que no próximo ano Bartolomeu vai participar de todas as provas fardado com um uniforme do Grêmio que vou mandar fazer. O pessoal ficou empolgado, e até pegaram meu número, para um dia agendar uma visita a essa exótica cidade do norte paranaense, ou senão, na pior das hipóteses, para eu mandar uma foto do Bartolomeu uniformizado.
Lá por seis horas, depois de beber um pouco com o pessoal e contar outras curiosidades de Santo Ângelo, resolvi procurar o meu portão. Foi então que tive uma breve jornada thompsaniana. Fui perguntar a um segurança onde ficava o tal portão da imprensa, e ele olhou para os lados, viu que ninguém estava observando, e disse com voz conspiradora: “entra”. Enfiei-me garagem da Arena adentro e, por coincidência encontrei o Pepe, um senhor baixinho de cabelo branco que trabalha para a Aceg. Sempre que vejo ele, tenho vontade de dizer: “Pepe, já tirei a vela”. Enfim, ele me explicou que eu tinha que ir em frente a vida toda que chegaria lá. Segui a sugestão dele. Na frente da porta, havia duas morenas e uma loira vistosas, de vestido preto curto, que me indicaram o elevador, sorridentes, pensando que eu poderia ser alguém importante. Agradeci gentilmente e comentei alto: “trabalhar na Globo não é fácil”, ao que as três ficaram me olhando. Peguei o elevador e cheguei no tal salão da imprensa. Um outro segurança queria saber o que eu, com a minha cara pálida de xiru missioneiro, estava fazendo ali. Reconheci o outro carinha da Aceg sentado numa mesa de bobeira e disse, feliz da vida para o segurança: “Vou ali falar com o Fulano, pois ele vai me dar uma credencial, hãm? Hãm?”. O segurança, meio contrariado, não sabendo se acreditava em mim ou não, “me liberou” e ficou observando eu me dirigir à mesa onde o carinha da Aceg estava pensando na vida com ar preocupado.
Sentei na frente dele e fui logo despachando as palavras misturadas com o bafo de cerveja:
- Vim pegar minha credencial.
- Que credencial?
- Como assim: que credencial? Para o jogo... fiz meu cadastro no site... tenho aqui minha carteirinha da Aceg e tudo...
- Nós não fazemos mais credenciais – respondeu com o ar de quem já perdeu toda a paciência que tinha.
- Como não? Eu fiz meu cadastro no site e...
- De que rádio?
- Santo Ângelo.
- O pessoal de Santo Ângelo veio pegar as credenciais na quinta-feira. Você não pegou a sua?
- Não. Eu moro em Pelotas e escrevo pro jornal deles, então, não falo com eles seguidamente e...
- Como você vem cobrir o jogo sem falar com eles?
Nessa hora você tem quatro opções: 1) perde a paciência e da um soco no cara e arca com as consequências; 2) dá um soco na mesa e berra: “escuta aqui, seu filho duma égua, que porra você pensa que é pra dizer sobre o que eu tenho que fazer NO MEU TRABALHO? Você comprou o jornal para o qual eu escrevo para me exigir que eu fale com os caras da rádio antes de vir pra cá???”; 3) finge que é louco e começa a cantar Carnaval em Veneza e tira o cara pra dançar; 4) respira fundo e segue com o diálogo. Então, respirei fundo, e respondi:
- Sim. Por que diabos deveria falar com eles?
Ele balançou a cabeça negativamente e disse pro capanga que estava no lado da mesa, me encarando:
- Acha a cabine da Santo Ângelo e acha o Fulano de tal.
A merda era que eu não conhecia o Fulano de Tal. Mas que se foda, não podia dar o braço a torcer. Respondi em tom firme:
- Pois sim, então chamem o Fulano de tal.
Estava pensando que o porra do Fulano de tal ia aparecer e ia dizer “eu nunca vi esse cara antes”, quando então aconteceu o milagre dos milagres. O Grêmio contratou uma empresa para fazer assessoria nesse dia e a mulher que estava distribuindo as fitinhas identificatórias da imprensa tinha sido minha colega no mestrado. O bizarro foi que eu não reconheci ela na hora. Eu a observava distribuindo as fitinhas, pensando, poutz, como eu queria uma fitinha, quando ela veio em minha direção, sorrindo e dizendo:
- Eduaaaaaaaaaaaarrdoooooooooooooo!
Eu sorri amarelo, e enquanto lembrava sua identidade, ela acrescentava:
- Há quanto tempo, Eduaaaaaardooo! O que você tá fazendo por aqui?
- Pois é, vim COBRIR o jogo – disse, olhando para o carinha da Aceg como se fosse o Mr. Been.
- Ah, então toma aqui tua fitinha.
E me deu a fitinha. Eu olhei para o carinha da Aceg, com meio sorriso no rosto, como se dissesse “nananana, não me pega, lalalala!”. E, assim, adentrei a Arena pela primeira vez.
Bom, a sensação que tive foi a mesma que todos: olhava pra cima, pra baixo, pra frente, pros lados, de novo pra cima, pros lados, pra baixo, pra esquerda, pra direita, tudo sem saber o que pensar, pois o troço era bonito demais, grande demais, sensacional demais... Parecia qualquer lugar, principalmente qualquer lugar da Europa, menos o bairro Humaitá, em Porto Alegre.
Foi então que assisti a toda a cerimônia, que não vou falar aqui porque vocês, meus leitores imaginários, já viram. A única coisa que posso dizer é que chorei quando mostraram o vídeo com os grandes momentos da história do Grêmio, que consegui gravar o primeiro gol da Arena (que já está no youtube) e que xinguei muito a Geral pela briga durante o jogo. Depois disso tudo, voltamos para Pelotas, em uma viagem que começou as duas da manhã e foi até as seis, sem se mexer, sem dormir, e quase sem respirar.
O que sobrou de mim está aqui, agora, nesse domingo, dia 9 de dezembro de 2012, escrevendo essas linhas. Pois bem, o espaço e a energia acabaram. Hasta!