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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

1984, Bib Brother e bíblia

Acabei de ler nessa semana o clássico 1984, de George Orwell. Como disse, é um clássico. E era mais um dos clássicos que eu ainda não tinha lido. Como já comentei aqui, para eu ler tudo o que pretendo nessa vida, precisaria de uns 150 anos de dedicação exclusiva à leitura. E, como em 150 anos lançariam mais livros, eu precisaria de uma vida eterna. Já que isso não vai acontecer, tenho que selecionar. Assim, parti para o 1984.
Eu já havia lido a Revolução dos Bichos, de Orwell. No entanto, nos últimos anos ouvi tanta gente e li tantos críticos considerando o 1984 como, talvez, a grande obra do século XX, que não resisti, e fui ver o que o gringo (indiano de nascença) tinha. Então, tenho que dividir as minhas impressões em duas partes, pois elas divergem. Parto da mais simples.
A primeira é justamente a questão literária. E, sob esse aspecto, 1984 é um porre, ficando anos luz atrás da Revolução dos Bichos (que considero como uma fábula política estendida). Em 1984 há cenas descritas de forma muito detalhada e maçante, e outras – que renderiam situações mais criativas – que não são exploradas sob o ponto de vista de potencial de riqueza narrativa. Porém, eu resumiria a minha crítica a um ponto: sob a perspectiva da literatura, mais especificamente da ficção, o que me atrai enquanto leitor (e creio que, de maneira geral, o que atrai os leitores) é a capacidade do autor em surpreender. Alguns são gênios nisso. Shakespeare, talvez é o maior. Cervantes, em seu Dom Quixote, te surpreende centenas de vezes em suas mais de mil páginas. Até os malditos, como Bukowski e Thompson, utilizam muito esse recurso. E a surpresa pode acontecer de diversas formas: ou a cada parágrafo, ou ocorrendo em pontos altos do enredo, em duas ou três vezes ao longo de todo o romance. No entanto, 1984 praticamente não te surpreende.
Na verdade, Orwell primeiro utiliza o personagem principal para descrever a situação da Oceânia (país fictício que divide a soberania mundial com outros dois), para descrever o que acontece com quem não anda nas regras ditadas pelo Partido e, depois, ele exemplifica tudo isso utilizando o mesmo personagem. Porém, Winston Smith (figura principal da obra) apenas segue o protocolo e praticamente não surpreende. É como se ele fosse aquela figura utilizada pelos jornalistas para falar sobre uma determinada situação. A maior surpresa, talvez, é quando O’Brien (membro da cúpula do Partido) se revela um sujeito fiel ao Partido e, portanto, traidor a Smith e Júlia – colega e amante do personagem. Mas não vou entrar em detalhes nessas questões... O fato é que, sob o ponto de vista da narrativa, senti falta de surpresas e, também, de humor (outra característica presente na maioria das obras primas da humanidade). Mas, finalizo aqui a minha primeira opinião sobre o aspecto literário de 1984.
Chego, então, ao segundo ponto da análise (análise??), que é o caráter político. Esse, sim, justifica a fama e o título de “clássico” da obra. A primeira questão nesse quesito é o já ultra citado e ultra batido elogio à crítica que Orwell faz a todo e qualquer tipo de ditadura ou absolutismo. E ele o faz se valendo da ficção. Portanto, também não vou me aprofundar nesse ponto, como também não quero entrar na questão da tentativa de adivinhar o futuro (pois a obra é de 1949). Não consegui ter, em nenhum momento de minha leitura, nenhuma sensação de que Orwell tentava adivinhar o que iria acontecer com o mundo cerca de 40 anos depois.
Li tudo como uma crítica, e não como uma tentativa de visão futurista. Bem como, agora sim que li o livro, posso dizer que é muito idiota a tentativa de querer comparar as teletelas do romance com o que vivemos hoje – de câmeras de segurança por todos os lados e todas as pessoas podendo filmar a qualquer instante, além dos reality shows, como o próprio Big Brother. Essa é uma leitura totalmente rasa e superficial da obra de Orwell. Aliás, se alguém quer louvar que ele “acertou” essa previsão tecnológica (coisa que discordo), qualquer leitor minimamente atento poderia apresentar uma lista gigantesca de outras “previsões” que ele teria feito ao longo do romance e que não chegaram nem perto da realidade. Mas, como não consigo acreditar que Orwell escreveu a obra pensando nisso, fico no seu aspecto mais importante: o político.
E, do político (que já foi infinitamente abordado por autores mais qualificados), pulo para o religioso. O que seria a ditadura da Oceânia, senão a concretização e a materialização do Deus bíblico? Claro, não estou dizendo que a imagem do Big Brother (o Grande Irmão onipresente, onisciente e onipotente) bate 100% com a da descrição de Deus da bíblia, porém, ele realiza em Terra o que o texto sagrado diz que Deus faz no além: sabe tudo o que você faz, tudo o que você pensa e, se você não fizer como Ele disse para fazer, você será punido. Ou seja, não são apenas atitudes erradas, mas pensamentos errados também são crimes. Desejar a mulher do próximo: crime. Torcer para alguma coisa dar errada para alguém: crime.
E assim por diante. A diferença é que, enquanto na bíblia a punição vem após o fim da vida, no romance de Orwell acontece antes da morte. Tanto é que há uma cena (uma das mais marcantes do livro e das adaptações ao cinema) em que O’Brian diz que a diferença do Partido para as outras ditaduras da história (como a Inquisição religiosa), é que o Partido não permitia que hereges se tornassem heróis. Ou seja, após a prisão, era feita toda a lavagem cerebral mediante tortura para, no fim, também se fazer com que o condenado realmente amasse o Grande Irmão – vindo a falar isso do fundo do coração, em público, antes da execução. Não vou contar como isso acontece, senão vou estragar uma hipotética leitura sua, preguiçoso leitor imaginário, do final do livro.
Outro ponto semelhante entre o Deus bíblico e o Grande Irmão da Oceânia é a condenação ao prazer sexual. O sexo, naquele momento histórico, era permitido apenas para procriação. No entanto, Orwell vai mais longe do que a bíblia: um dos personagens diz que, futuramente, o sexo e o prazer sexual seriam abolidos, pois só seriam produzidos bebês de proveta e que eles seriam afastados de suas mães no nascimento para servirem ao Partido. Nesse ponto, a bíblia é mais light: condena a depravação sexual, mas não prevê a separação de mãe e filho – muito pelo contrário, usa a família nuclear como um modelo de organização social.
Mas, para não me estender, não vou entrar aqui em discussões religiosas, senão esse texto vai ir muito além da paciência que eu sei que o meu leitor imaginário não tem. Portanto, hasta la vista!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Nana nenê

Minha nenê gosta de dormir ouvindo historinhas. Pois ontem me empolguei na contação. De uns tempos para cá, ela ficou muito fã da turma do Scooby Doo. E, para variar, ela pede para que eu conte histórias da turma do Scooby. Para quem pensa que é fácil escrever roteiro para desenhos infantis, não é. Eu tenho que inventar um novo mistério toda a noite. Aliás, se eu fosse escritor de roteiros da turma do Scooby acho que eles teriam mais episódios do que tem na realidade. Modéstias a parte, ontem eu me puxei.
Quando estou com sono, acabo resumindo tudo. Às vezes nem cito todos os personagens. Mas ontem eu apresentei um enredo complexo. Coloquei fala em todos os personagens da turma (Salsicha, Scooby, Velma e Dafne). Apresentei um fantasma medonho como mistério. Criei cinco suspeitos, e apresentei todos, um por um. Pois eis que, depois de uns 40 minutos de história com interpretações dos personagens, mudanças na entonação da voz, eu chego ao clímax! Mas, antes de revelar quem era o fantasma misterioso, resolvi perguntar para a minha nenê, como sempre faço: quem você acha que é o vilão?
Nada. Nenhuma resposta. Espiei e ela já estava no oitavo sono. Mas valeu a diversão. Dei um beijo na testa dela e liguei a televisão. Por coincidência, estava passando a turma do Scooby.