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sábado, 19 de agosto de 2017

Smell like love

E então, a chuva caiu, a noite chegou e você partiu. Partiu, e deixou aqui nos meus lençóis o seu cheiro, alguns fios de cabelo e lembranças eternas. Você partiu com a sua blusa branca que a água da chuva deixou transparente. Depois que fechou o portão, recusando os meus insistentes convites para ficar, pelo menos até a chuva passar, eu permaneci parado na porta, de coração apertado, louco para ir atrás de você, segurar pelo braço e dar um daqueles beijos típicos de cena de filme romântico em que a moça ergue um pezinho e, depois que os lábios se afastam, os dois ficam se olhando, se admirando, se apaixonando cada vez mais. Mas essa cena ficou apenas na minha imaginação, assim como tantas outras que frequentemente me invadem como se tivessem vida própria, como se existissem de verdade em um mundo paralelo. Porém, essa noite foi real, mais real do que o mais doido e excitante sonho que pudesse ter contigo. Você partiu e eu voltei para a cama, onde dessa vez não liguei a TV e não peguei o celular para ver se tinha mensagem sua dizendo que chegou bem. Simplesmente fiquei deitado, ouvindo o barulho da chuva, imaginando você entrando em casa toda molhada, tirando a roupa, indo para debaixo do chuveiro, curtindo a água quente caindo em você, aquecendo o seu corpo, seus seios, a sua barriguinha que eu tanto adoro beijar, o seu pescoço e, inclusive, os seus pés sempre gelados. A chuva ficou mais forte, e mais intenso ficou o meu pensamento em você. Lembrei da primeira vez que nos vimos, dos vários encontros, dos sumiços e reaparecimentos, das palavras carinhosas, dos toques, dos beijos e abraços, dos corpos se encaixando, dos olhares se cruzando, das conversas de madrugada. E a chuva, que sempre me traz sono, dessa vez ficou tocando uma música única, uma música que fez com que eu sentisse uma puta saudade sua, um sentimento incompreensível, pois você deixou a minha cama há pouquíssimo tempo...
Cheiro o lençol e penso que provavelmente não vou lavá-lo ou trocá-lo enquanto ainda tiver o seu aroma. Lembro-me de quando você esqueceu o seu cachecol no meu carro. Era uma data especial e eu tinha te largado no aeroporto para você fazer a tão sonhada viagem para Roma. Durante os 15 dias em que você ficou fora, eu cheirava todos os dias o seu cachecol e isso me ajudava a matar a saudades. Cada fez que eu cheirava, o seu perfume ia correndo até os pulmões, mas depois de dar o ar da graça por lá, ele se acomodava lá no fundinho do meu coração. Agora, cheirando o lençol, penso que terei que adotar a mesma tática que utilizei com o cachecol: cheirar só um pouquinho, senão gasta o cheiro e depois o seu perfume fica apenas na minha lembrança, junto com o calor do seu corpo, o brilho do seu olhar, o gosto do se beijo e a música da sua voz. Ouvindo a chuva, tento não pensar que você vai viajar de novo e que por um bom tempo só nos encontraremos nos meus sonhos. Por isso, vou tentar dormir, com a cara afundada nos lençóis enquanto eles ainda têm o calor do teu corpo.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Três Palavras

Eram três as palavras que ele guardava no peito, apenas para si mesmo. Ela até desconfiava que ele estivesse com aquelas palavras guardadas a sete chaves em seu interior, mas preferia não saber. Ele também não tinha a mínima intenção de proferi-las, pois sabia que o efeito disso poderia ser catastrófico: ela poderia ter os seus anticorpos anti-palavrinhas despertado e consequentemente fugiria, sumiria, ficaria com medo, apagaria ele de sua mente. Por isso, ele não cogitava pronunciar as três palavras. Pelo menos não até aquela noite.
Era uma noite morna de verão quando os dois se encontraram na rua, numa passarela tão bem iluminada que fazia tudo parecer dia. Ao se reconhecerem, ambos ficaram sem jeito. Aquele papo do “oi, você por aqui?” rolou, ele estava passeando com o cachorro, e ela apenas tomava um vento para espairecer depois de um longo dia de trabalho. Ele engoliu seco, as palavras fugiram de sua mente. Ela puxava assuntos banais, perguntando sobre o cachorro, a família, o trabalho... Ele sabia que ela não gostava de beber, mas a única coisa que lhe veio à mente naquele momento para mantê-la por perto foi convidá-la para ir a um bar ali perto. Ela disse que tomaria apenas refrigerante, e ele disse que não tinha problema. Eles ficaram no bar por volta de uma hora e, depois disso, ele convidou-a para ir até o seu apartamento novo, com a desculpa de mostrar a sua biblioteca particular, pois sabia que ela amava livros. Seus lábios já haviam se tocado algumas vezes, seus corpos também já se conheciam, mas cada encontro sempre soava como se fosse o primeiro. Toda a vez que ficavam a sós, o jogo da conquista rolava, ele tentava avançar o sinal, ela pisava no freio, então ele recuava e ela lhe puxava de volta para o jogo com palavras que tiravam o fôlego dos dois. Entraram no apartamento, ele já meio tonto da cerveja, e ela com o mesmo receio da primeira vez em que ficaram sozinhos, daquela vez, no apartamento dela. Ele a levou para a biblioteca, onde ela começou a analisar os livros daquela biblioteca pitoresca: Luis Fernando Verissimo, John Fante, George Orwell, Hunter Thompson, Mario Prata, Augusto Cury, Bertó, Kafka, Cervantes, Borges, Caio Fernando Abreu, etc. Mas foi um livro de Charles Bukowski que a impressionou. Ele se surpreendeu, pois achava que ela odiaria o velho Buk.
“Eu já li outras coisas dele”. Ele duvidou. Disse para ela ter cuidado se fosse ler aquele livro. Ela disse que não se surpreenderia e pediu para levar. Ele concordou – apesar de geralmente não emprestar seus livros nem para os próprios pais. Eles voltaram para a sala. Ela olhava a capa do livro e, quando fitou-o, sentada no sofá, ele a beijou. Ela disse que ele estava com bafo de cerveja. Ele disse que sabia. Ela o beijou mais. Os lábios se tocavam, as mãos exploravam os corpos, o fôlego foi indo para o espaço. A cada avançada de sinal dele, ela recuava. E quando ele hesitava, ela avançava o sinal. Eles ficaram nesse jogo de gato e sapato por um bom tempo, como na primeira vez. Até que, sem perceber, estavam sem roupas. Lentamente, o desejo tomava conta dos dois. Os olhos se conectavam, as peles se esfregavam, as mãos acariciavam, os corpos se encaixavam. Foi então que a mistura do álcool consumido horas antes com o poder daquele olhar provocador e com o calor das peles fez com que aquelas três palavrinhas, que estavam guardadas lá no fundo do peito dele, a sete chaves e 20 cadeados, fossem arrebentando uma a uma para saírem inesperadamente pela boca dele. Eles pararam. Ela disse que ele estava bêbado. Ele disse que não, mesmo sabendo que estava e que ela não acreditaria em nada que ele dissesse naquele momento. Então, eles resolveram deixar isso pra lá e seguir a fusão dos corpos que se queriam muito naquele momento. Entre beijos e carinhos eles seguiram pela madrugada, até que ela partiu e o deixou sem fôlego atirado no sofá, onde dormiu para levantar apenas na tarde do dia seguinte. Ao acordar, ele ficou uma hora olhando para o teto, pensando na noite anterior, enquanto ela já estava trabalhando, tentando manter a concentração na planilha que tinha que terminar, mesmo com ele não saindo de sua mente.
Ele pensou no fato dela acreditar que ele falou aquilo apenas por ele estar bêbado, então, ele concluiu que era melhor assim, e voltou a guardar aquelas três palavras para dentro do seu peito. Colocou novas fechaduras e comprou novos cadeados e guardou todas as chaves em um lugar secreto. Tão secreto que apenas ela sabe onde encontrá-las.