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sábado, 20 de junho de 2015

Sobre alienação, mães, pesquisa e baseados

Em 2005 tive a oportunidade de participar de um Seminário de Jornalismo Cultural durante a Jornada Nacional de Literatura (in memorian). Na ocasião, lembro como se fosse hoje de ver na minha frente um dos maiores jornalistas brasileiros de todos os tempos, Alberto Dines, falando sobre um livro que ele encontrou por acaso em uma livraria, chamado “Borges e Sabato”. Tal obra traz diálogos dos dois monstros da literatura argentina. Na ocasião, Dines, o cabeça do Observatório Imprensa, criticou o fato de a grande mídia (Globo, Folha de SP, Estadão, Zero Hora, Veja, etc) não abordar um livro de tamanha qualidade (que eu obviamente comprei logo que voltei da Jornada). Dines, que tem ampla e qualificada leitura, considerou esse livro de diálogos dos escritores argentinos um dos melhores que ele já leu. E ele descobriu essa obra por conta própria, pois se dependesse das críticas (geralmente mais propagandísticas do que realmente críticas) ele estaria preso e alienado a autores como Paulo Coelho e Pedro Bial.
Duas semanas atrás, tive uma experiência parecida com a relatada por Alberto Dines. Estava participando de um encontro nacional sobre história da mídia e tive a felicidade de ser presenteado com o livro “Verdades absolutas e outras mentiras”, do professor da Universidade Federal do Acre, Francisco Dandão. E mais: ganhei o livro do próprio autor! E esse livro, que nunca teria chegado às minhas mãos se não fosse pela iniciativa do escritor, é uma dessas pérolas que a gente só encontra por conta própria, pois a grande mídia medíocre tem mais com o que se preocupar (como oferecer produtos rasos para uma sociedade idiotizada – facebookiziada?). E falo isso num momento em que acho raro achar um novo escritor/obra que me empolgue. A minha teoria é que a cada mil bons escritores no mundo, existem dez milhões horríveis/chatos/ruins/clichês. Portanto, senti-me um premiado por ter recebido tal presente. Assim como Dines, lendo um livro que ao mesmo tempo é tão bom e é ignorado pela grande mídia, também dou meu humilde chute nas nádegas da alienação e da idiotização da população brasuca.
MÃE É MÃE – Por falar em idiotização, nada melhor do que começar essa nota com um clichê. Quero registrar aqui o puxão de orelha que levei da minha mãe pela última coluna, em que defendi a crucifixação da atriz travesti na parada gay de São Paulo. Fiquei na dúvida em quem acreditar: na minha mãe (que disse que não se brinca com coisa sagrada) ou no meu colega de doutorado que defende que religião é conto de fadas para adultos, ou seja, em algum lugar do além, alguém ri da humanidade adulta, da mesma forma que a “gente grande” ri da inocência dos pequenos que acreditam em bicho-papão e Papai Noel. Creio que cada um tem uma parcela de razão. E vou levar mais um puxão de orelha da dona Nara quando ela ler isso, afinal, mãe é mãe...
SETE HORAS NA PUCRS – Acabo de sair de uma maratona de sete horas ininterruptas na PUCRS, onde participei de um seminário de pesquisa durante cinco horas e mais duas de reunião de grupo de estudos. Ninguém sai impune de uma tarde como essa. O efeito é semelhante a uma mistura de cachaça com LSD com algumas pitadas de cocaína, tendo um baseado como sobremesa. E o resultado disso tudo foi a presente coluna. Gracias pela audiência.

(*) Texto publicado no J Missões dessa semana.

sábado, 6 de junho de 2015

Alagados

Nunca imaginei que em 2015 Porto Alegre estaria tão sucateada. Bem como o jornalismo praticado pela “grande imprensa” – que é grande financeiramente e baixa moral e jornalisticamente. Na sexta-feira, eu estava voltando do encontro da Rede Alcar (história da mídia) que aconteceu na UFRGS e a minha passagem de volta para São Borja era para às 22h30. Mesmo considerando que o trajeto que eu tinha que fazer de onde estava até a rodoviária levava normalmente 15 minutos de ônibus, saí uma hora antes, pois estava chovendo e era noite de sexta-feira. Tomei um banho razoável para chegar até a parada, mas nada muito grave. O pior foi quando o busão chegou perto do túnel que dá acesso ao terminal. Estava tudo trancado, alagado, bagunçado, sucateado. Eram filas gigantescas de carros e de ônibus. Olhei para o relógio, ainda faltavam 40 minutos para o meu bus partir.
Perguntei ao cobrador o que ele achava. “Pois olha, não posso te dizer nada”. A chuva caía forte. As torneiras do céu estavam definitivamente abertas. A situação era a seguinte: sair com uma mala gigante naquele chuveiro ligado a todo o vapor à céu aberto ou ficar dentro do ônibus e perder uma passagem de quase 200 reais... Optei pela primeira opção.
Desci do ônibus em meio à chuva e perguntei para o guardinha que estava na primeira esquina o que tinha acontecido. “O túnel está alagado. Estávamos liberando apenas para ônibus mas alguns carros se enfiaram e estão trancados lá dentro”. É, o povo tem o que merece. Não respeita aos outros, faz o que não deve, se fode e ainda fode com todo mundo. A cena que se seguiu foi digna de filme. Abaixo de um temporal eu andei umas oito quadras, incluindo a lombada da Barros Cassal, atravessando a Farrapos e chegando diretamente nos piores becos do centro de Porto Alegre. A tragédia urbana: a cidade alagada, sem trânsito, sem segurança pública, sem metrô, sem táxi. Brasil sendo Brasil. Apenas uma opção: chegar até a rodoviária totalmente encharcado. Lá, entrei no banheiro masculino – que fede mais que o inferno – e, puto da vida, tirei a roupa e me troquei ali, na frente de todo mundo. Mas, primeiro, tive que catar a única calça e camiseta que não estavam molhadas – pois a mala estava encharcada por dentro também. Enquanto me trocava e me secava com papel higiênico, praguejava contra a cidade que, tantas vezes, declarei paixão. “Cidade do cu do mundo mesmo... Cidade de bosta... Porto caco alegre da porra.... Comparado com isso aqui, Catuípe é primeiro mundo”. Quando estava finalmente pronto, já era hora de embarcar.
Mas se não bastasse tudo isso, no outro dia ligo a TV e o Jornal do Almoço (vulgo jornal da indigestão) mostrou uma matéria apenas falando que choveu demais em Porto Alegre e que tudo ficou alagado. Em nenhum momento se criticou a infraestrutura da cidade que ficou totalmente parada em uma de suas regiões mais movimentadas t devido a uma chuva de três ou quatro horas. Não se ouviu ninguém a respeito – secretário de obras, prefeito, governador, deputado, vereador... Foi de um tom conformista de deixar qualquer um inconformado. É o jornalismo zumbi entrando em campo mais uma vez – reproduzindo a postura da população mais sangue de barata do mundo (ah, e o calor humano, é só pra samba e futebol?!?!). Está tudo errado e quem não se conforma é quem geralmente é criticado, culpado e execrado pela grande mídia e pela maioria. E o povo segue engolindo toda a merda enfiada goela abaixo pela mídia hegemônica. São milhares de corpos em coma recebendo esterco como soro para manter o coração batendo.