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sexta-feira, 26 de abril de 2019

Torre Eiffel e Arco do Triunfo - Paris é demais!!! – Parte 3


Lembro que tiramos um dia para fazer esses dois passeios com mais calma. Estávamos no Ibis Hotel Canal Saint Martin e pegamos o metrô rumo ao Arco do Triunfo. Havia manifestações dos coletes amarelos e tivemos que descer uma parada além da normal. Depois, com o mapinha no celular, conseguimos achar o arco. Sinceramente, eu achava que o arco era apenas um arco. Mas não, é muito mais do que isso. Vi pessoinhas lá em cima e comentei com a Cris: “olha, dá para subir lá em cima!”. Pois é, já tinha lido sobre dicas de passeio em Paris, mas não lembrava de ninguém que tivesse comentado o básico: sim, a gente entra no arco, sobe no arco, tira fotos de cima do arco.... Claro, paga-se um ticket, mas que não era tão caro, algo em torno de 10 ou 15 euros, não lembro bem.
Como havia a manifestação dos coletes amarelos, tinha muita polícia ao redor do arco. A princípio achei que nem conseguiríamos chegar lá, pois o monumento estava cercado por policiais armados. Não vou contar a história do arco, se você quiser saber mais sobre isso, leia o capítulo do livro do Airton Ortiz sobre o local, no livro Paris, que ele conta de forma super atrativa.
Uma dica sobre o arco: se você estiver com dores nas costas, nas pernas, ou for idoso ou não puder fazer grandes esforços físicos, nem pague o ticket, pois a única forma de chegar lá em cima é pelas escadarias que devem ter, sei lá, uns mil degraus. É cansativo, mas vale a pena. Chegando lá em cima você tem uma puta vista de Paris, da torre Eiffel e de toda a Champs-Elysées, que se estende até o museu do Louvre. Sintetizando tudo: é um lugar do caralho, como diria a música do Raul Seixas, mesmo sem ter cerveja barata, pessoas a foder super chapadas.
Tiramos muitas fotos, observamos, admiramos a paisagem, pensamos na vida, e descemos. Os coletes amarelos seguiam lá, protestando, gritando frases de ordem, xingando o presidente, enfim, fazendo coisas que a humanidade sempre fez ao longo da história contra a classe política que, até hoje, sempre foi muito filha da puta, umas mais, outras menos...




Como disse o Airton Ortiz, se Nova York tem a Time Square, Paris tem a Champs-Elysées. Sem querer me gavar, mas conheço as duas. Não posso afirmar qual é melhor, pois enquanto devo ter passado umas 100 vezes pela Time Square no um ano em que morei em Nova York, em Paris só andei uma única vez pela Champs Elysée. Posso dizer que a sensação é de que essa avenida é a cara da cidade. Há vários cafés, restaurantes, lojinhas com quadros tipicamente parisienses, sebos ao ar livre, etc. Também é um lugar do caralho. Almoçamos por ali e, quando saímos do restaurante (ok, não vou mentir para vocês, foi no McDonlad’s mesmo...) os coletes amarelos estavam cruzando a Champs Élysées. Juntamo-nos a manifestação. Havia uma mulher vestida de Marianne, a personificação da República Francesa. O povo todo cantava o hino francês. Inigualável. Nenhum hino se compara ao francês. E, cantado em um protesto, é simplesmente mágico. Para quem leu e estudou minimamente sobre a Revolução Francesa, é algo espiritual. Arrepia. Eu praticamente chorei enquanto filmava e fotograva o troço todo.



De lá seguimos a pé para a Torre Eiffel. É uma boa caminhada e vale a pena para conhecer um pouco mais a cidade e respirar o autêntico ar de Paris. Chegamos lá e andamos e andamos e andamos. Havia dezenas de carinhas tentando dar golpe e, se não estivesse comigo, a Cris certamente teria sido vítima dos golpistas. Havia um sujeito fazendo aquele jogo de adivinhar em qual copo a bolinha está escondida. Um sujeito, que certamente é cúmplice do golpista, erra umas duas ou três vezes. Então, alguém do público que está assistindo a tudo pensa “nossa, eu vi onde está a bolinha!” e resolve apostar. E as apostas são altas, de 20 euros pra cima. O sujeito se empolga, aposta uns 50 euros pensando que vai acertar, mas ai o golpista faz o troço valendo e, óbvio, o turista otário erra e perde 50 paus (200 em reais) num piscar de olhos.
Quando a Cris se interessou pelo negócio, achando que poderia ganhar uns euros fáceis, eu simplesmente a puxei pelo braço antes que fosse tarde...
Entramos na fila para subira até a Torre. Começou a chover. Quando chegamos na frente do guichê, aconteceu uma daquelas cenas dignas de filme de comédia. A Cris desistiu de subir, mas tipo, ela deixou para me falar isso depois de duas horas na fila e na chuva! Ok, ok, estávamos em Paris, no problem. Comprei meu ingresso e parti sozinho rumo ao topo. Novamente, uma puta experiência que vale muito a pena. A vista é maravilhosa e é emocionante subir e descer escadas por dentro da torre. Novamente, mesmo com os sites e blogs tentando explicar como é que funciona, é só indo lá mesmo.
Na saída, novamente, vários e vários golpistas de todos os jeitos tentavam arrancar euros de turistas. O negócio é não dar conversa mesmo. Num piscar de olhos já era noite. Encontramos um pessoal com bandeira do Grêmio e aproveite para tirar umas fotos na frente da Torre em homenagem ao tricolor. Depois, perguntando para turistas sobre como pegar o metrô para voltar ao hotel descobri que o PSG jogaria naquela noite em Paris. Mas essa já é outra história...





Hasta!

sábado, 20 de abril de 2019

Cinzas, corcundas e escritores - Paris é demais!!! - Parte 2


Justamente quando dei uma pausa nas memórias da minha primeira ida para a Europa acontece o histórico incêndio que praticamente destrói a Catedral de Notre Dame. Quando defini os lugares que visitaria em Paris durante a curta estadia na cidade, a famosa igreja do corcunda estava no topo da lista, junto com outros pontos imperdíveis, como torre Eiffel e Arco do Triunfo. Nunca imaginava, enquanto admirava a parte externa e interna de uma das catedrais mais famosas do mundo, que aquilo tudo estaria em cinzas poucos meses depois. Lembro que as obras de restauração já estavam acontecendo e havia uma fila imensa para subir às torres quando passei por lá. Como tinha muitos outros lugares para ir, acabei desistindo da fila, tirando algumas fotos à frente da catedral e outras dentro.
É triste pensar que, mesmo em um país riquíssimo se comparado com o Brasil, algo assim acontece. Eu, particularmente, detonei o Brasil quando ocorreu o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro – e continuo detonando -, então, fico imaginando como alguém que estudou a fundo a basílica e que é apaixonado por ela e toda a sua história esteja se sentindo agora. Já li de tudo na internet sobre o incêndio, inclusive teorias da conspiração que devem fazer todo o sentido para o pessoal do Brasil Paralelo. Mas não vou entrar nesse assunto agora...
Gosto de visitar lugares que conheço um pouco sobre a história para ficar viajando no tempo enquanto admiro a paisagem (natural ou urbana). Sobre a Catedral de Notre Dame, li atentamente o capítulo do livro “Paris”, do Airton Ortiz, em que ele conta de forma contextualizada a construção da basílica sob o comando do bispo Maurice de Sully em 1160, ou seja, cerca de 900 anos atrás. A partir de então, ele especifica as medidas, os estilos e a história da igreja, que não vou repetir aqui (vale a pena ler direto na fonte, ou seja, no livro de Ortiz). Apenas lembro que, conforme aponta o jornalista, Notre Dame já foi parcialmente destruída durante a revolução francesa, sendo restaurada justamente a partir do sucesso do livro de Victor Hugo que criou o personagem corcunda que vivia por lá. E, assim como eu olhava toda a catedral pensando nisso tudo e muito mais, quem for até a catedral daqui a 50, 100 ou 200 anos vai ficar tentando imaginar as chamas que deixaram o mundo inteiro atônito através de filmagens feitas por telefones celulares...
Foi com esse clima de “quero visitar lugares de história” que também sai da catedral indo diretamente para a livraria Shakespeare & Company, uma das mais famosas e históricas de Paris e ponto de encontro de monstros da literatura ao longo da história, inclusive da geração beat, quando Kerouac e seus amigos passaram pela França. Não é permitido tirar fotos na parte interna (sempre lotada), mas vi livros de Bukowski, Henry Miller, George Bataille e muitos outros clássicos do mundo inteiro para vender em francês e inglês e outras línguas. Fiquei tentado a comprar alguma coisa, mas meus euros eram escassos. Ainda nesse clima de intelectualidade (odiada por extremistas e ignorantes que gostam de se informar exclusivamente por vídeos nas redes sociais) passei pelo Pantheon e pela Sorbonne, por onde passaram centenas e centenas de intelectuais clássicos no pensamento universal, tais como Michel Foucault e Edgar Morin.
Também andei pelos gramados seculares dos jardins de Luxemburgo, que imaginava que ficavam afastados da cidade, mas na verdade ficam ali, meio que no centrão do troço todo. Aquele gramado com bancos e o lago ao centro dão um clima interiorano surreal para a capital francesa.
Bom, poderia escrever textos e mais textos sobre Paris (bem como os outros destinos), mas antes de relatar a minha ida a um jogo do PSG e de contar a visita a Torre Eiffel e Arco do Triunfo, finalizo esse relato sobre a cidade das luzes dizendo que ainda fui até os números 113 da Rue Notre-Dame Des Champs, onde morou Hemingway, 58 da Rue Vaugirard, onde moraram Scott e Zelda Fitzgerald, 36 da Rue Bonaparte, e 6 da Rue du Pot de Fer, onde morou George Orwell quando viveu as histórias de “Na pior em Londres e Paris” (foto).
Impossível descrever o que senti ao parar na frente de cada uma dessas casas, voltando no tempo, imaginando os seus moradores ilustres que mudaram a história do pensamento universal e da minha vida passando por aquelas ruas e entrando naquelas residências. Devo a todos eles por me apresentarem o mundo e a humanidade através de uma perspectiva totalmente gauche e imperfeita, como todos nós somos, conscientemente ou não.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

1964 o Brasil entre armas e livros: propaganda política e esquizofrenia disfarçados de documentário


Antes de falar sobre o filme 1964: o Brasil entre armas e livros, quero fazer um esclarecimento.
Caso tivesse nascido em Cuba, certamente eu seria um dos milhares que fugiu para Miami. Bem como se eu tivesse nascido na China comunista, também faria de tudo para fugir para o Ocidente. Da mesma maneira, se tivesse nascido em qualquer ditadura, de direita ou esquerda, eu tentaria escapar, pois espíritos livres não nasceram para ser controlados por governos.

Dito isso, quero dizer que fiquei exatamente as duas horas e sete minutos assistindo ao referido filme. Para quem é da área da Comunicação, como eu, fica fácil perceber as estratégias persuasivas e a tentativa de dar uma roupagem jornalística a um conteúdo completamente propagandístico. No entanto, é óbvio que o filme não foi feito para agradar a pessoas como eu, mas sim, a milhões de sujeitos que nunca leram nada ou se informaram minimante sobre o assunto. Aí, você coloca um monte de cara desqualificando historiadores e pesquisadores e forma uma massa acrítica que vai acreditar em uma única história, como bem critica a escritora nigeriana Chimamanda Adichie.
Em meu livro sobre o jornalismo Gonzo, estudei o conceito de parresía, que trata justamente sobre a questão do dizer a verdade. Quem quiser saber mais, pode ler. Em determinado trecho, falo justamente isso: é possível mentir falando verdades. Um exemplo bem banal: estou com um amigo meu, passa uma linda morena por nós, e eu digo “uau! Caso não fosse casado, eu convidaria aquela morena para sair”. Meu amigo ouve isso e, dias depois, ao avistar a mesma morena, fala para uma terceira pessoa: “Tá vendo aquela morena? O Eduardo disse que convidaria ela para sair”. Ele mentiu? A rigor, não, eu realmente disse que a convidaria para sair. Porém, apenas se não fosse casado. Com essa omissão, meu amigo contou uma mentira falando um pedaço da verdade. É mais ou menos isso que o documentário faz. E vou lhes dizer como.
Primeiro, o documentário não cumpre qualquer função jornalística. Apenas são ouvidas fontes que partilham de uma mesma visão de mundo para tentar reescrever a história a partir dos interessados nessa nova perspectiva (o atual governo Bolsonaro). Para piorar, geralmente são fontes citadas apenas como “filósofo”, “jornalista” ou “ensaísta”. Por que não ouvir pesquisadores que foram a fundo na temática durante anos?? Ou as vítimas ou filhos das vítimas da ditadura?? É legítimo entrevistar os sujeitos que eles entrevistaram, mas faltou o outro lado. É um filme que aponta uma única história como se fosse a verdade absoluta. E, claro, vacina o telespectador ao dizer que os especialistas na área foram marionetes do comunismo.
Se você é um fã do filme deve estar achando esses meus comentários bem genéricos, né? Pois então vamos esmiuçar melhor.
O filme começa abordando a Guerra Fria com depoimentos de “especialistas” que apresentam os comunistas como o mal supremo e os Estados Unidos como a sociedade mais bem sucedida da humanidade. Mencionam a ascensão de Fidel ao governo de Cuba, sem falar sobre a ditadura ferrenha de Fulgêncio Batista que imperava na ilha até então, e que foi contra ela que Fidel lutou.
Também não menciona que toda a pobreza de Cuba e do comunismo cubano se deu justamente devido as sanções econômicas desumanas aplicadas a Cuba pelos Estados Unidos que historicamente há séculos sonha em agregar Cuba ao seu mapa, como já fez com Porto Rico. Em outras palavras, usando um exemplo citado pelo próprio filme, assim como a União Soviética tentou dominar todo o leste europeu, os Estados Unidos quis com a América Latina. O sonho de todos os presidentes americanos, republicanos ou democratas, foi conquistar Cuba. Nesse sentido, Fidel tem uma importância significativa de resistência. Ele acabou encontrando nos russos uma forma de apoio de lutar contra o avanço americano. Tanto é que, como geralmente ocorre, a população apoiou Fidel durante o seu golpe/revolução mas, depois que ele chegou ao poder, muitos se arrependem pois percebem que outra ditadura estava por vir.
A tecla da tentativa do comunismo em dominar o mundo segue sendo batida insistentemente, já para antecipar a justificativa do golpe. Aliás, é mencionado que a União Soviética impôs ao leste europeu o comunismo, sem democracia, sendo que o mesmo feito com os golpes militares na América do Sul, impondo-se um governo, e não deixando que o povo escolhesse. Fala de uma conspiração soviética para tentar se inserir na América do Sul, mas não menciona, por exemplo, o Repórter Esso, criado pelos americanos para difundir notícias favoráveis ao seu país em toda a América Latina durante a Guerra Fria, bem como a existência de agentes americanos no país. Também não menciona que militares da América Latina e do mundo foram aos Estados Unidos nesse período para aprender técnicas de tortura.
As fontes consultadas no filme dizem que havia agentes soviéticos infiltrados no coração do FBI, mas não menciona as ações de inteligência americana em Cuba, também com mercenários cubanos, contratados pelos Estados Unidos para fazer atentados terroristas na ilha desde a revolução. Coloca as revoluções históricas dos operários como algo negativo, quando na verdade foi graças a essas rebeliões incentivadas, sim, pelos comunistas, que nasceram questões como: jornada de trabalho com horas limitadas, teto salarial, inserção da mulher no mercado de trabalho, direito dos negros, etc. Sem revoluções e rebeldes, estaríamos exatamente como no início do século XX, cumprindo jornadas de 15 horas com crianças de 8 anos trabalhando nas fábricas.
O filme também coloca a criação do Partido Comunista Brasileiro como algo do diabo, sendo que, em uma democracia pode, sim, haver ideias comunistas e capitalistas para disputar a preferência do eleitorado. Cita, também, Luiz Carlos Prestes como um representante maligno dos comunistas, mas não menciona que a Coluna Prestes ocorreu, por exemplo, para derrubar o governo corrupto de Arthur Bernardes. Questiona o direito de Prestes de se candidatar e ser eleito senador. São apresentadas falas distorcidas e descontextualizadas de Prestes para o “incriminar”. É mencionado que é caçado o registro do PCB, ou seja, passava a ser ilegal, a ser criminoso pertencer ao partido, mas não questiona tal decisão. Menciona de maneira bizarra uma “conspiração da União Soviética e China” para transformar o Brasil em uma república socialista. Mais adiante, há uma parte em que fala que a história conta somente o lado da infiltração americana no Brasil e não menciona uma infiltração comunista, como se isso justificasse as atrocidades do regime militar. Algo como: nós erramos porque eles também erraram.
Também é mostrada mais detalhadamente toda a infiltração comunista no Brasil, com fontes que tiveram acesso a documentos que compravam isso. Mas fica a questão: a Guerra Fria, como o nome diz, foi uma guerra e havia, reconhecidamente, agentes americanos no país. Pois então não é normal que também houvessem soviéticos, tchecos, etc? Ou queriam que os soviéticos ficassem de braços cruzados venço os avanços americanos? Para ser mais claro: havia gente dos dois lados da guerra infiltrados no país.
Bom, no entanto, nem tudo é esquizofrenia total. O trecho que menciona a construção de Brasília, na minha humilde opinião, é um dos que mais faz sentido. Eu, historicamente, sempre critiquei tal construção. E, de fato, não foi a toa que a nova capital ficou isolada do resto do país. O modelo pode até ter sido inspirado nos comunistas, no entanto, a Casa Branca e Washington não são tão diferentes. Já estive lá e digo que também não é nenhum Palácio do Catete no meio da muvuca do povão....
Chama a atenção a crítica feita ao plano de desenvolver 50 anos em 5 de JK. Realmente é ridículo, no entanto, é o mesmo estilo iniciado com Temer e seguido por Bolsonaro, congelando salários e fazendo a reforma da previdência, tudo em nome de uma aceleração no crescimento econômico do país. O filme também faz uma crítica a condecoração de Che Guevara pelo governo brasileiro (Jânio Quadros), como se Che Guevara não tivesse atuado nas revoluções sul-americanas que derrubaram ditaduras, inclusive em Cuba. No entanto, o que talvez ele não imaginasse, é que os novos governos se tornassem ditaduras tão ferrenhas quanto as anteriores, como aconteceu com Fidel. É a revolução dos bichos em prática.
Em seguida, é contada toda a história da renúncia de Jânio, que estava isolado politicamente e pensava que o povo sairia às ruas para pedir a sua volta. Assim, assume João Goulart, apresentado como ministro do trabalho de Vargas, deputado federal e vice de JK (que anteriormente tinha sido caracterizado como o comunista construtor de Brasília). Tenta mostrar Jango como um sujeito ligado às ditaduras populistas do mundo, tudo para justificar o golpe. Haveria um interesse comunista em apoiar João Goulart. Aí iniciou a história de evitar que Jango assumisse a presidência por questão de segurança nacional. Quando Jânio renuncia, Jango está na China de Mao Tse Tung estreitando o relacionamento entre os dois países. Isso tudo é apresentado como justificativa do golpe, pois haveria uma conspiração em andamento. Mostra a campanha da legalidade de maneira distorcida, como se fosse uma ação dos comunistas contra os militares salvadores da pátria. Há vários livros mais sérios que esse filme que falam sobre isso. Indicaria aqui o do Juremir Machado da Silva, que não só é jornalista professor e pesquisador, mas também viveu essa época. Assim, o filme questiona a legalidade da posse de Jango, sendo que ela estava na constituição.
Na narrativa do filme, a chegada ao poder do Jango, com o vínculo de Prestes, seria a forma do Brasil se tornar comunista. Segundo um dos entrevistados: “Eram indicativos que a esquerda estava se reinventando”, como se isso fosse uma crime demoníaco. Também cria-se a justificativa econômica: governo Jango chega a inflação de 100% ao ano, com greves e problemas sociais. Jango seria o promotor das greves, incitando o povo a pressionar o congresso. Fala de brasileiros que faziam curso de guerrilha em Cuba, mas não menciona os cursos de torturadores que os militares faziam nos Estados Unidos.
Outro tema abordado é a possível conspiração de se usar sindicatos e ligas campesianas para revoluções, movimentos, etc, e se critica muito isso, mas sem abordar as condições dos trabalhadores nessa época nem das pessoas no campo. Ou seja, se marginaliza qualquer movimento popular que reivindique melhorias, como se todos os sindicatos, movimentos, revoluções, greves não tivessem na origem uma necessidade de mudança, a injustiça social e busca por melhorias de maneira geral. Como disse, se não fosse isso, estaríamos ainda na era da revolução industrial com as pessoas trabalhando 15 horas por dia ganhando um salário, além de ter crianças e mulheres grávidas fazendo trabalho pesado.
Coloca-se para baixo do tapete toda a carreira de nomes como Jânio Quadros e Leonel Brizola, como se fossem conspiradores comunistas malvados. Como mencionei, não conta a história de Cuba. Apenas coloca Fidel como vilão, sem fazer menção que ele, bem como Mao Tse Tung, na China, derrubaram ditaduras piores que as deles. Óbvio que isso não torna a ditaduras deles menos ruins, no entanto, para as fontes, o golpe é justificado por um governo ruim de Jango. Eu diria mais: o golpe poderia ter sido chamado de revolução se fosse para derrubar uma ditadura comunista que já estivesse implementada no Brasil. Mas o que aconteceu foi que os militares tocaram Jango de Brasília para assumir o poder. Em outras palavras: golpe!
Para os produtores do filme (usando as fontes como marionetes, como eles bem gostam de dizer), comunistas e militares insubordinados estariam bolando um possível golpe comunista, usando Jango para tomar o poder e transformar o Brasil em uma nova China ou Cuba. Ao invés de colocar a voz de Jango e Brizola discursando, um entrevistado fala, de maneira descontextualizada e com as próprias palavras (conforme lhe convém), os discursos dos dois. Conforme venho ressaltando, em nenhum momento se ouviu o outro lado da história, muito pelo contrário, tenta se desqualificar tudo que vá contra essa teoria da conspiração. É esquizofrenia total.
Para piorar, fala da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, como um movimento do bem contra a ameaça comunista do mal. Também menciona que esses movimentos anti-comunistas eram gigantescamente maior do que os de esquerda: então por que não tirar o Jango e fazer novas eleições? Ou por que então os militares não ficaram dois ou três anos, antes de reconduzir o governo aos civis através de eleições??
A leitura do Cid Moreira numa reportagem televisiva da época é cômica: é como o anúncio da chegada do Chapolim Colorado para salvar a população indefesa que estava sendo ameaçada pelos comunistas vilões que comem criancinhas. Nas falas dos militares ou dos apoiadores, como Carlos Lacerda, se coloca o áudio do discurso deles, diferentemente das falas de Prestes, Brizola e outros, que são lançadas na boca das fontes, que modificam as palavras e fazem uma voz para ridicularizar qualquer pessoa de esquerda... Aliás, o maior pecado do filme: tentar colocar qualquer ideia de esquerda na panela do comunismo. É o mesmo que fazer um documentário tentando colocar qualquer pensamento de direita na panela do nazismo ou do fascismo.
Diante da movimentação dos militares, João Goulart parte para o exílio. Isso também não é aprofundado e não se ouve ninguém do outro lado. As fontes são “escritor e jornalista”, “presidente de centro de tradições” (!?!), “filósofo”, etc. Como disse: por que não entrevistaram professores de história?? Pesquisadores?? Pessoas que viveram o outro lado na época? Há uma edição na escolha das fontes que lhes favorecem, sem o contraponto. Típico da propaganda.
Considerando que a chegada dos militares no poder foi uma resposta ao caos, como Fidel chegou ao poder para derrubar uma ditadura, não se admite que os militares derrubaram uma possibilidade de ditadura de esquerda para implementar uma ditadura militar de direita. Nesse sentido, se fala em forjar cartas que comprovariam a ligação da CIA com o golpe, porém, as fontes apresentadas ao longo do filme são totalmente questionáveis, inclusive as estrangeiras.
Olavo de Carvalho chama as pesquisas e livros de história como “um massacre publicitário” (como nomear esse filme, então? Charlatanismo?). Em nenhum momento se aprofunda isso, apenas são apresentados com descrédito e ironia. Obviamente que, como mencionei, esse filme não foi feito para pessoa que leram sobre as temáticas ou consultaram outras fontes, ele é voltado justamente para o sujeito que usa a internet e se informa por memes, desenhos e vídeos.
Em seguida, Castelo Branco é apresentado como um grande militar, primeiro militar escolhido presidente, eleito “democraticamente” pelo congresso. Inicialmente era para ser uma intervenção militar por um período curto para se realizar novas eleições, e não um regime militar. Começa a caça aos “subversivos”. Todo mundo era subversivo (mas isso o filme não mostra, obviamente). Foi feita uma caça às bruxas no congresso e vários políticos foram expulsos do governo e de todas as esferas políticas sem nenhum tipo de julgamento. Se isso não é ditadura, não sei mais o que é...
Mostra que os militares agora tinham uma missão importante para o país: tirar da vida política os “agentes” comunistas. Começa a se justificar, com metáforas toscas (primeiro era uma intervenção cirúrgica, mas depois viram que tinha que internar, sedar, etc) a permanência dos milicos no poder, obviamente, sem destacar as atrocidades que fizeram. Muito pelo contrário, tenta se justificar cada uma delas.
Criticavam que o João Goulart queria governar por decretos, impondo uma ditadura, mas os militares passaram a governar por atos institucionais. O n° 2 estende o governo de Castelo Branco. Limita-se a dois partidos e ainda quem vota é apenas o congresso. Assim, ficou a Arena, dos militares, e o MDB, que era uma oposição de faixada. Costa e Silva é “eleito” o sucessor de Castelo Branco, sendo o primeiro “linha dura” a chegar ao poder. Começa a se justificar as perseguições, falando em terrorismo comunista de guerrilhas (contra uma ditadura, a guerrilha é totalmente justificável). Tenta ridicularizar a oposição armada feita ao regime, como Araguaia e a participação de Dilma em outros movimentos que, para eles, seriam todos grupos terroristas para tomar o poder para os comunistas. É o ápice da esquizofrenia.
Qualquer um contra o governo era agente comunista. Não menciona nenhum dos tantos mortos e desaparecidos, vítimas do próprio governo. Pelo contrário, mostram toda a luta contra a ditadura como uma ação criminosa, novamente sem ouvir o outro lado, apenas mostrando o pessoal de esquerda como se fosse um noticiário policial. Não faz menção ao filme “O que é isso companheiro”, que conta a história do sequestro do embaixador americano, filme que concorreu ao Oscar e que tem muito mais credibilidade do que esse.
Nega que a tortura era uma política de estado, no entanto, comprovadamente o governo mandava torturadores treinarem nos Estados Unidos e também há os arquivos abertos recentemente que mostram que a alta cúpula do governo (incluindo presidentes) ordenou execuções e torturas. Chamam isso de “publicidade” da esquerda e “exagero”. Esses elementos tiram totalmente qualquer credibilidade que o documentário pudesse reivindicar. Claramente é um produto com fins de enterrar a esquerda e tentar garantir que partidos como o PT nunca mais voltem ao poder. É publicidade política disfarçada de jornalismo. Querem dizer que foi feita fraude para aumentar o número de desaparecidos, pois eles teriam se auto exilado ou mudado de nome. Vai falar isso para os órfãos das vítimas da ditadura...
No entanto, a maioria das fontes admite que houve uma ditadura militar no Brasil a partir de 1968, com o AI-5. É uma “mea culpa” para deixar a mensagem: “ok, nós admitimos alguns erros, mas nem se compara com os comunistas”. Tem uma imagem do Médici com Nixon que mereceria um aprofundamento maior, pois Nixon sim foi o demônio disfarçado de gente.
Há estratégias que certamente vão enganar os menos avisados. Por exemplo, mostra-se vídeos da época para exemplificar que o apoio do povo aos militares era evidente, como se a TV não estivesse sendo controlada por eles, por bem ou por mal, pois em 1968 é instaurado o AI-5 que dá total poder de censura ao governo.
Mas o mais bizarro de tudo é a demonização da geração hippie, da contracultura, do maio de 68. Tudo isso é mostrado como se os jovens fosse uma massa de manobra dos comunistas!!!!
Fiquei imaginando a geração beat, Kerouac (foto) e Thompson, sendo tachados de comunistas. Tudo isso é apresentado como se fosse uma estratégia marxista. Ao invés de fazer a revolução das armas seria a revolução pela cultura com a rebeldia. Em síntese, ou você é um cristão “cidadão de bem” ou é comunista ou é ingênuo sendo usado como massa de manobra. Eles dividem as pessoas dessa forma. Inclusive, há uma relativização do discurso de homofobia, racismo e machismo, como se isso fosse conceitos comunistas para tentar tomar o poder. Haja paciência!!
Em síntese, as pessoas medíocres (no sentido de média intelectual da população) terminará de ver o filme pensando que a cultura da esquerda é do mau e que a história escrita até hoje está deturpada. Isso tudo renderia um baita estudo sobre persuasão. Aliás, se os mulas muçulmanos conseguem convencer pessoas a se tornarem homens bombas, por que não lançar produtos que vão convencer as pessoas de que qualquer ideia de esquerda vem do demônio??
Outro ponto bizarro é a tentativa de relativizar a censura. Ao invés de ouvir jornalistas que viveram isso, colocaram Olavo de Carvalho e outros comentaristas de direita dizer que era uma censura de faixada. Leiam “Cale a boca jornalista”, do Fernando Jorge, que não tem nenhuma conotação política, apenas apresenta casos de perseguição de jornalistas ao longo da história do Brasil e tirem suas próprias conclusões.
Para completar, é feito todo o descrédito a historiadores e pesquisadores, se combate o intelectualismo, exatamente nas características do fascismo apresentadas nos museus do holocausto. Eu vi essa placa, por exemplo, no museu de Washington D.C. Todas as ditaduras têm horror aos intelectuais e tentam demoniza-los, tanto nas Américas, quanto na Europa e no Oriente Médio. De esquerda e de direita. “O terror da repressão era exagerado”, chega a dizer um dos entrevistados. Outro sujeito, apresentado como ensaísta e jornalista, que pela idade não viveu o período, tem a cara de pau de dizer que não houve perseguição. Geralmente são argumentos rasos. Um show de avereza cognitiva e intelectual, tentando simplificar questões complexas.
O intuito do filme fica claro no final, quando se faz toda a ligação dos políticos do PT na atualidade com os agentes que tentavam implementar o comunismo no Brasil nos anos 1960. PT, Dilma e Lula são demonizados, obviamente. Para fechar com chave de latão, chamam o exército de quarto poder e criticam ferrenhamente a constituição. Parece já estarem criando um argumento para, em breve, acabar com as eleições e colocarem novamente militares no poder até não sobrar nada do PT. Isso tudo mostra a obviedade dessa produção: é um amontoado de ideais propagandísticas e esquizofrênicas tentando conquistar o coração de pessoas que, certamente, nunca leram um sequer livro sobre o tema. E que, com certeza, depois de verem esse filme não o farão.