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terça-feira, 29 de outubro de 2013

O ataque do ovo assassino em New York City

O ovo assassino atacou. Fazia tempo que isso não acontecia. E, de todas as vezes em que ele atacou, essa foi uma das piores. Pois é. Já estou pensando em seguir a sugestão do meu primo Alemão Gérson e criar um novo estilo jornalístico: o Egg Journalism. Só textos sobre a minha alergia a ovo...
Como comentei outra vez, no Brasil as pessoas já estranhavam e pareciam não entender, mesmo eu falando claramente em português, que eu sou alérgico a ovo. "A ovo?? Nunca vi isso...". E, aqui, a saga continua. Tenho que repetir mil vezes que "I'm alergic to eggs! E-gg-sssss". Mas o ovo é um ser muito esperto. Ele sabe que eu sei me defender. Ele sabe que eu pergunto para todo mundo se vai ovo em todos os tipos de comida e que eu enfatizo exageradamente que sou alérgico a ele. E ele, o filho da puta, com seu instinto assassino, foi buscar outras artimanhas para tentar acabar com a minha vida...
Eis que, justo numa segunda-feira, início de semana, resolvo comer algo diferente num restaurante na 33 Street, perto de Madison Square. Era prato-feito, mas o cardápio era convidativo para um ser alérgico a ovo como eu: arroz, lentilha e um bife de carne moída. Geralmente, meu almoço tem sido um revezamento entre Burger-King (sem maionese), um biffet barato que achei por aqui (que tem de tudo, menos feijão preto) e pizza (sem ovo, óbvio). Então, vi aquela lentilha, e pensei: por que não variar um pouco? O carinha que fica servindo encheu meu prato. Como estava louco de fome (era saída da aula, a uma da tarde), comi tudo rapidamente. Na metade, entre um gole de Coca e outro, senti um amargor na boca, típico de quando como algo com ovo, mas estava com tanta fome que pensei que era bobagem, e terminei de comer o resto. O troço simplesmente não desceu. Fui caminhando pela 33 vagarosamente, para ver se o troço baixava. O sintoma era o mesmo de quando como algo com ovo: amargor da boca, a saliva não desce, o estômago dói, etc, etc. "Vou esperar um pouco para não vomitar no metrô", pensei. Dei uma volta, olhei umas vitrines, mas não tinha jeito. Comecei a ficar pior. Melhor ir para casa, concluí. Enquanto esperava o metrô olhava para a cesta do lixo, na dúvida se vomitava agora ou em casa. "Vou segurar, de repente o troço desce e sai por baixo...", calculei. Mas a comida parecia uma montanha-russa, ficava subindo do estômago pra garganta a toda a hora. Então, numa dessas coisas inacreditáveis que só acontecem quando a gente está completamente fudido, o improvável apareceu na minha frente. Eu estava prestes a vomitar e um policial parou no lado da lata de lixo. Filho da puta. Com tanto lugar pra parar, e vai ficar justo aí, caralho! Passou-se um minuto e, acreditem, quando o policial saiu e eu me reparava para fazer o "blaaaauhhghhhh" chegou um lixeiro! Nunca tinha visto um em New York! O cara de uniforme e luva trocou o saco do lixo sujo por um limpo... Inacreditável.. Enquanto isso, chegou o metrô. Entrei. Era na 33 Street. A primeira parada é na 42. E nesse meio tempo, o ovo assassino atacou violentamente. O metrô, pra piorar, estava lotado. Quando parou na 42 Street (Grand Central) foram segundos que pareceram horas - fiquei tonto, as pernas fraquejaram, estava louco pra vomitar mas tentava segurar o negócio e olhava para dentro do trem e via um monte de gente e olhava para fora e via mais gente ainda - e, acreditem, dois policias. Achei que ia desmaiar, mas para a minha sorte uma mulher no banco ao meu lado desceu. Não sei se tinha alguém na minha frente, só sei que simplesmente me joguei no banco, sentado. Aí foi tudo junto: vontade de vomitar, falta de ar, perna bamba... Baixei a cabeça, fechei os olhos e respirei fundo... foi passando o mal estar. Infectado pela porra do ovo assassino, cheguei em casa, fui no banheiro, e coloquei os bofes pra fora. Resumindo, passei o dia cagando e vomitando e dormindo. Dormia e acordava com a barriga querendo me matar de dor. Ia lá e descarregava tudo no vaso. Pra completar, algum resquício do ovo devia estar no meu estômago, pois da cagada eu ia para a vomitada... Filho da puta. Depois, fui descobrir que os caras colocam ovo no bife de carne moída para dar "consistência". O caralho! Ovo filho da puta, se disfarçou para tentar me matar.
Provavelmente esse foi um dos piores ataques porque geralmente eu como um pouco e paro, porque percebo a emboscada. Mas dessa vez não. Dessa vez o filho da puta me enganou... Me atacou disfarçado de bife em New York City. Filho da puta. E, não satisfeito, hoje ele tentou me atacar de novo. Pedi um Burger King sem maionese, como todo o dia. Pois acontece que na caixinha tem o desenho dos ingredientes, e eles fazem um X no que não é para por. Estranhei que onde dizia "Mayo" não estava marcado o X. Abri o hamburger e lá estava o filho da puta, disfarçado de maionese, querendo me pegar. Fui lá pedir pra trocar, e o pessoal da cozinha começou a discutir com um sotaque do Harlem para decidir quem tinha errado... (sim, eles erraram, porque na minha nota dizia "no mayo". Depois de um pequeno bate-boca entre eles, apareceu meu hamburger sem a maionese. Mesmo assim, vasculhei bem antes de comer. Esse filho da puta tá na minha cola... Filho da puta...

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Torcida americana

Semana passada tive uma experiência incrível, mas que me ensinou um pouco mais sobre a cultura americana. Entretanto, começo por algumas considerações até chegar ao clímax dos acontecimentos.
Dentre os esportes mais populares praticados nos Estados Unidos, certamente o basquete é aquele com que mais me identifico. Porém, essa identificação não é apenas pela distância que nós, brasileiros, temos do baseball e do futebol americano. Primeiro, lembro que nos anos 1990 eu era um dos milhões de fãs do Chicago Bulls de Michel Jordan espalhados pelo mundo (lembro que eu tinha camisa e boné dos Bulls). Depois, já na virada dos anos 1990 para os anos 2000, lembro que durante alguns anos acompanhei a NBA pela TV. Recordo que, na época, adotei o San Antonio Spurs como meu time na liga. E tenho na lembrança vários jogos marcantes, decididos no final, com lances emocionantes. E, claro, no Brasil, nos anos 1990, também me emocionei na frente da TV torcendo para o Corinthians de Santa Cruz do Sul que estava sempre na disputa do título nacional. Por isso e muito mais é que me identifico com o basquete, e foi com tudo isso em mente que eu tinha o sonho, antes de vir pra os Estados Unidos, de assistir a um jogo da NBA. E realizei esse sonho na última semana.
O jogo era New York Knicks x Charlotte. Ainda é pela fase classificatória para os Play-Offs, mas como o jogo também marcava a reabertura da hiper-moderna arena Madison Square Garden, o troço lotou. Só pela arena já valia o ingresso, afinal, ela é aclamada pelos nova-iorquinos como a mais famosa e moderna do mundo (pois além dos jogos dos Knicks, serve de casa dos Rangers no rockey e de palco para shows e lutas – Auhammad Ali e Mike Tyson passaram por esse palco). E, pelo jogo, eles poderiam cobrar mais outra entrada. A partida é um espetáculo, com lances geniais a cada momento. Enterradas, ponte aéreas, cestas de três pontos, você realmente não pode piscar para não perder nada. E, no intervalo, sempre aparece algum ator ou atriz hollyoodiano que está presente no ginásio no telão. É um espetáculo inesquecível. Porém, algumas coisas me chamaram a atenção, e é sobre isso que queria comentar sobre a cultura americana.
A cada parada de bola, assim como no baseball, os torcedores ficam pagando mico na tentativa de tentar aparecer no telão. E, quando aparecem, é uma festa pitoresca da arena toda. Sinceramente, senti muita vergonha alheia nesse dia, pois os americanos se divertem com pançudos de meia-idade dançando sem nenhuma ginga com um copo de cerveja na mão aparecendo no telão... Mas essa não é a questão.
O problema, pra mim, foi quando o jogo foi indo para o final. Os Knicks passaram a partida inteira ganhando por uma diferença superior a 10 pontos. E, quando faltavam menos de cinco minutos, o Chalortte encostou. E empatou. E na parada técnica, eu nervoso com o jogo, irritado com os jogadores que estavam entregando a rapadura, e os americanos estavam... dançando para aparecer no telão!! Fiquei indignado! Imagine o Grêmio ou Inter perdendo em casa e a torcida, ao invés de ficar preocupada, roendo as unhas, começar a fazer festa e dançar bizarramente para aparecer no telão!! E, para piorar, o Charlote virou: 85 a 83. E os americanos continuavam mais preocupados em aparecer no telão....
Enfim, não sobrou espaço para as interpretações, mas acho que nem precisa. Os fatos, em si, já explicam muita coisa dessa sociedade bizarra...

PS: Texto a ser publicado no J Missões dessa semana.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Depilação brasileira

Como havia comentado em outro texto, o final de semana inteiro foi dedicado ao curso de Jornalismo em Zona de Risco na Columbia University. Já que nos comprometemos a não comentar nada do conteúdo do curso em redes sociais e blogs, apenas posso dizer que foi muito bom e que valeu muito a pena. Mas o que aconteceu após o curso acho que ajuda a entender um pouco melhor a imagem que o Brasil tem no exterior.
Digo isso porque na noite do domingo, véspera do meu aniversário, após o encerramento do curso, teve uma espécie de jantar de encerramento. Na verdade não estava na programação, porque cada um tinha que pagar o seu e tal. Eu, a princípio, não estava muito afim de ir, mas analisando a situação, vendo as pessoas que ali estavam, de tantas nacionalidades diferentes, a maioria delas jornalistas correspondentes internacionais, não pude desperdiçar essa chance de conhecer e aprender um pouco mais com cada uma daquelas criaturas. Fui.
Todos estávamos mortos de cansados, pois o curso foi intensivo mesmo: nos três dias, as atividades começavam às oito da manhã (o que quer dizer que eu tinha que levantar antes das sete. Outros, que estavam mais longe, tinham que levantar às cinco) e terminavam lá por sete da noite. Porém, o ânimo geral de estarem todos ali, agora descontraídos, venceu o cansaço e parecia que todos estavam com o sono em dia pronto pra outra. As nacionalidades eram as mais diversas: eu era o único brasileiro, e havia gente da Itália, Canadá, França, Estados Unidos, Austrália, Israel, México, Inglaterra, etc. Como disse, todos na mesma situação, jornalistas que trabalham como correspondentes internacionais ou que atuam em zonas de conflito em seus próprios países, com idade que basicamente variava dos 30 aos 40 anos. E o tema das conversas na mesa, obviamente, tinha que chegar a questão dos estereótipos de cada país. Então começaram as perguntas que eram lançadas na mesa e cada um tinha que falar o que pensava sobre o país em pauta. Primeiro: qual a pessoa mais famosa de cada país representado ali? A maioria era fácil: Estados Unidos - Madona, Barack Obama, Michel Jackson; Inglaterra - Príncipe Charles, David Beckhan,etc. Comecei a ficar curioso sobre o que diriam do Brasil.
Mas, antes disso, foi cômico quando chegou a vez do México e eu falei "Chaves del ocho" e só eu e o mexicano conhecíamos o Chaves, pois ele é um fenômeno na América Latina, então, tentamos explicar aos europeus, americanos e canadenses o que era o Chaves del Ocho. E, finalmente, quando chegou a vez do Brasil não teve nem graça: todos disseram "Pelé". Ou seja, a teoria de que os Ronaldos ou os MMAs da vida, como Anderson Silva, estão ficando mais famosos que o Pelé no exterior, caiu por terra. Nem o Lula teve vez.
Depois de outras perguntas, a que mais me surpreendeu foi a seguinte: qual é o produto mais conhecido de cada país? Parecia ser fácil, pois pensei que iam dizer "futebol", "samba", "carnaval", "feijoada". Em todos os casos as respostas variavam: Estados Unidos - filmes, McDonalds; na Itália - spagueti, pizza, etc. Chegou a vez do Brasil, todos falaram: depilação brasileira! Caralho! Caí da cadeira! Eu olhei pra todos e perguntei "que porra é essa?".
Nem eu sabia que existia a tal "depilação brasileira". Aí comentei no outro dia com os outros brasileiros no cursinho e me explicaram mais ou menos que é uma depilação famosa no exterior, principalmente das partes íntimas das mulheres... Caralho! O mais engraçado é que eles falaram, "ahhhh, depilação brasileira, óbvio!". Como assim, Bial???
Bom, pra fechar a noite, quando um dos participantes perguntou a minha idade e disse "31 até a meia noite", teve o parabéns pra você, etc, mas o melhor foi que não deixaram eu pagar a minha conta! Ficou sendo meu presente de aniversário do grupo...
Pois é, e assim foi meu aniversário em NY, falando sobre Pelé e depilação brasileira, numa mesa cheia de estrangeiros tomando uma autêntica cerveja americana - Brooklyn!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Revolta

Nos últimos dias fiz um curso de Jornalismo em Zona de Risco na Universidade de Columbia, aqui em Nova York. E, numa das noites, na volta pra casa, de repente me perguntei: "depois de dois meses aqui, estou com saudades do Brasil?". Pensei nisso porque estava atravessando um pequeno parque, próximo a Columbia, de noite, com a mochila com uma máquina profissional e um notebook, carteira e documentos dentro, e não sentia nenhuma preocupação. Não sentia preocupação porque na minha frente caminhava uma mulher levando duas crianças pela mão. Não sentia preocupação porque havia câmaras de segurança por toda a parte (e polícia) e eu e todo mundo sabemos que aqui, nos Estados Unidos, se você assalta alguém e é pego, você vai ficar realmente preso por um bom tempo. E então, me questionei: do que sinto falta do Brasil?
Não precisei de mais de dez segundos para concluir que as únicas coisas que fazem falta aqui são: 1) minha família, 2) o Grêmio, e 3) meus amigos. Fora isso, não consegui lembrar mais nada.
Digo isso porque, como já comentei outra vez nesse espaço, aqui as coisas funcionam. No mercado, na farmácia, no banco ou em qualquer lugar prestador de serviço sou atendido na hora e bem tratado. As pessoas dizem "por favor", "obrigado" e "com licença". Não tem cachorro de rua, e consequentemente, não se tem fezes caninas nas calçadas - a cena de alguém passeando com o cachorro e juntando as fezes com um saquinho é comum por aqui. Todos os banheiros são limpos e tem a torneira da água fria e a da água morna. E, pra completar, você paga barato por quase tudo: comida, roupas, tecnologia, telefone, internet, etc - a grande exceção são os imóveis. Mas, uma das minhas maiores revoltas com o Brasil diz respeito ao trânsito.
Estando aqui, cada vez que sei que algum familiar, parente ou amigo está na estrada, fico preocupado. Como no curso em Columbia um dos temas era justamente guerra, concluí que é assim que me sinto: a sensação que tenho quando alguém viaja por aí é que as pessoas estão no meio de confronto armado. E como todos sabem, realmente, os números são de guerra. E a forma absurda como tudo ocorre, também são dignos de um conflito sangrento. É praticamente comum, no Brasil, um motorista bêbado matar famílias nas estradas ou jogar o carro em cima de inocentes numa calçada. E isso revolta mais.
Dias atrás, numas das aulas na New York University, o professor deu um texto da Sonia Serra em que ela analisou porque os jornalistas brasileiros não abordavam a morte de crianças por omissão do governo brasileiro nos anos 1990, enquanto que os jornalistas estrangeiros davam destaque ao tema. A questão básica era: por que para os jornalistas brasileiros isso não é notícia e para os estrangeiros é? Claro, o objetivo do texto na aula não era o contexto social do Brasil, e sim a questão dos diferentes critérios de noticiabilidade dos jornalistas brasileiros em relação aos estrangeiros. Mas, como as pessoas são humanas, o assunto foi desviado e em pouco tempo a questão na sala de aula era: se o Brasil não consegue cuidar de suas crianças, é válida uma intervenção internacional no país? E a unanimidade na sala de aula (que tem pessoas do mundo inteiro - americano, francês, alemão, afegão, chinês, japonês, espanhol, mexicano, australiano, africano, etc) foi: sim! E eu também concordei, pois, realmente, acontecem coisas absurdas no Brasil mas que já estão naturalizadas na cultura e na história brasileira... Como essa questão do trânsito...
E isso revolta demais, porque enquanto a gente vê projeto em todas as esferas públicas para criar Dia disso, ou Dia daquilo, ou Vamos mudar o nome da Rua X para Rua Y , esses absurdos continuam acontecendo, todos os dias... E enquanto o estrangeiro que olha para o Brasil se revolta, o brasileiro, que é o verdadeiro prejudicado pelo quadro, não está nem aí... E isso revolta ainda mais!
Enfim, escrevi demais, e antes que o editor corte metade do texto, paro por aqui...
Até a próxima!

Texto publicado no J Missões.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Cotidiano nova-iorquino

Hoje completo 2 meses e cinco dias em New York. Depois de aproximadamente 20 dias aqui, comecei a ter uma rotina, com aulas, horários, hora pra levantar, etc. Como alguns desses compromissos vão terminar em breve e algumas coisas também vão mudar, resolvi escrever sobre alguns tópicos agora, antes que simplesmente eles se percam na minha massa cinzenta para nunca mais voltar...
Comecemos pelo apartamento onde moro. Minha reserva de aluguel termina final do mês e, a partir de novembro, vou morar em outro lugar - provavelmente continuarei no Harlem. As pessoas que moram aqui são tranquilas e tenho tudo no quarto: TV a cabo, internet, micro-ondas, guarda-roupas e frigobar. Porém, há duas coisas que me estão me marcando na minha passagem por esse lugar.
Primeiro, o banheiro. É engraçado, mas enquanto estou escrevendo essas linhas estou apertado e quero ir ao banheiro, entretanto, tem alguém tomando banho lá. Isso é rotina. Toda a vez que começo a pensar em ir no banheiro alguém vai lá e se tranca. Pode ser de manhã, de tarde, de noite ou de madrugada. Uma vez acordei naquele estado lastimável de vontade de ir no banheiro por volta das cinco e meia da manhã e, adivinhem? Tinha gente tomando banho as cinco e meia da manhã! E isso que moram aqui apenas quatro pessoas (eu e mais três e um gato). Enfim, se chego apertado da rua, assim que fecho a porta do apartamento ouço a porta do banheiro sendo trancada por alguém. Se minha barriga começa a se remexer anunciando o que está por vir, quando penso em me levantar da cama para ir ao banheiro, novamente apenas ouço o "clic" de porta fechando... É incrível!
A segunda coisa marcante é o maldito gato do russo. Ele parece um ser invisível que me segue para de repente reaparecer e me dar um susto. Às vezes vou ao banheiro e quando me preparo para urinar, olho para o lado e o maldito gato está lá, parado, me olhando. Vou na cozinha fazer café, assobiando Carnaval em Nova York, tendo a certeza de que estou 100% sozinho quando, de repente, vejo aquele par de olhos me observando de cima da janela. Esses dias, de madrugada, apenas fui ao banheiro e deixei a porta do meu quarto aberta. Voltei tranquilamente e quando me preparei para deitar o bicho estava em cima da minha cama! Inacreditável. E hoje aconteceu a cena mais bizarra. Eu estava sentado no sofá da sala, tomando café, quando o outro cara que mora aqui chegou. Há pouco havia visto o maldito gato zanzando pelo Ap. O cara entrou e foi para o seu quarto. Um minuto depois bateram na porta, e adivinhem quem era? O gato! Sim, isso mesmo, um vizinho bateu na porta e perguntou se o gato era meu! E o bicho estava ali, parado na frente da porta, miando! Unbeliveble!
Bom, outra coisa que está para terminar (tenho mais uns 25 dias) é o curso de inglês que estou fazendo no centro.
Em primeiro lugar, todo o dia passo na frente do Empire State. No início achava maneiro, agora tento desviar por outra rua. Principalmente quando estou atrasado. Simplesmente porque a turistada ocupa toda a calçada. São dezenas ou centenas de pessoas com caras de paspalhas olhando para cima, nem aí pra você. Então, é uma briga para passar por ali dando cotovelada para tudo que é lado. Às vezes até algum turista perdido vem me pedir informação... tu vês!
Sobre a aula, bom, a turma é totalmente eclética. Provavelmente eu escreva novamente mais alguma coisa sobre o curso, mas duas coisas que certamente não vou esquecer vai ser uma colega minha curiosa e o professor.
A colega é da Estônia e ela trabalha num bar com um brasileiro. Ela não admitiu, mas creio que acho que rola alguma coisa entre os dois. Primeiro ela queria saber como se falava "sweet" em português. Eu disse "doce" e ela "No! I mean, when someone is sweet...". Então comecei a falar outros adjetivos, até que acertei: gostosa. Ou seja, o brasileiro havia chamado ela de gostosa. Então, toda a manhã, ela chega do meu lado e fala alguma palavra que o brasileiro falou pra ela. Estou eu lá, concentrado na aula, e ela chega e fala "delícia" e se mata rindo. No outro dia "popozuda". No outro "maravilhosa". Depois "poderosa", e assim por diante. Eu me estouro rindo e penso "que brasileiro filho da puta".
E sobre o professor, acho que posso fazer uma avaliação melhor quando terminar o curso. No início eu gostava do método dele, mas agora, talvez por ter aula todo o dia, acabei cansando. Porém, o que mais irrita, é que ele é muito preconceituoso e conservador (provavelmente um tradicional Republicano). Até achei legal o jeito disciplinador dele, de não deixar os alunos usarem o celular nas suas aulas, de bronquear com quem chega atrasado ou atrapalha a aula com barulho ou conversando com outro na própria língua, etc. Mas, enquanto ensina inglês, ele tenta impor algumas ideias absolutamente ridículas. Resumindo, a visão que ele passa é de que se você nasceu no Japão ou na China você não consegue expressar seus sentimentos (às vezes os japoneses balançam a cabeça negativamente, reprovando as ideias dele), se você nasceu no Brasil você é irresponsável, se você nasceu na Colômbia você só quer sexo, se você nasceu na França você acha que é superior, se você nasceu em Cuba você saiu do seu país porque odeia Fidel Castro, etc. Você só é perfeito, na visão dele, se você nasceu nos Estados Unidos (que para ele é o único país livre de todos os males da sociedade). Ou seja, ele se prende nos estereotipos e afirma que a cultura forma a pessoa... e a partir disso ele fala muitos absurdos. Além disso, o mais patético, é quando ele tenta tratar as pessoas por status e acaba tratando todo o casado como alguém que está preso e não tem liberdade pra nada, todo o solteiro como se estivesse procurando um casamento ou sexo, todo a divorciada como alguém que não soube cuidar do seu relacionamento e que agora está desesperada atrás de alguém, todo o estrangeiro que está aqui só pra estudar como alguém descompromissado, todo o que trabalha como alguém que quer enriquecer e só pensa em dinheiro, etc... Às vezes respiro fundo para não discutir com o cara, mas me seguro, pois ele é aquele tipo de professor que, se você questiona, depois ele fica pegando no seu pé (digo isso porque já aconteceu esse tipo de coisa com outros, principalmente brasileiro - e com isso ele pegou nojo dos brasileiros, pois se você chega cinco minutos atrasado ele pega no seu pé, enquanto que se alguém de outra nacionalidade chega 40 minutos atrasado ele não fala nada).
Então, como é algo temporário, simplesmente tento me concentrar na parte gramatical e linguística do negócio. O lado bom de ter um professor assim é que você se da conta de que entende perfeitamente o que ele fala, o que quer dizer que você está, pelo menos, aprendendo a língua... Às vezes fico imaginando a minha irmã tendo aulas com ele...
Bom, fora isso, pelo menos a turma é muito maneira e tem cada figura que merece um texto a parte...
Well, vou ficar off pelo menos por três dias, pois amanhã começa o curso de Jornalismo em Zona de Risco na Columbia University, porém, na "matrícula" você se compromete a não contar o que acontecerá no curso e a não postar fotos nas redes sociais, portanto, não posso prometer nada sobre o que está por vir, a não ser pessoalmente!
Hasta!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Humans of New York

Humans of New York pode ser um excelente exemplo para todos aqueles que pensam nas plataformas multimídias. Originalmente, HONY é um blog da atual estrela da fotografia norte-americana, Brandon Stanton. O trabalho fotográfico de Stanton se tornou febre em todos os sentidos: começou pelo Facebook, se espalhou por todo o mundo virtual, chegou aos principais canais de televisão, jornais e revistas norte-americanos e agora o seu livro já é um Best-Seller. Acabei de chegar da palestra que ele deu, acompanhada de sessão de autógrafos, na maior livraria de Nova York: a Barnes and Nobles. Mas, como tenho muita coisa para falar, vou dividir esse texto em partes...
Primeiro, como eu descobri Brandon Stanton e o Humans? A primeira vez que li sobre o seu trabalho foi na primeira Time Out que comprei assim que cheguei em Nova York. Time Out é a revista semanal que publica os principais eventos que vão rolar na cidade, e já ali, um mês e meio atrás, estava programado esse evento de hoje. Li a matéria, fiz um círculo, e já coloquei esse evento na minha agenda. Então, fui checar o blog fotográfico de Brandon (http://www.humansofnewyork.com/ - foto acima é do site - todas as demais são minhas) e fiquei impressionado pela qualidade das fotos, em todos os sentidos (principalmente pelo lado humano, como indica o nome do site). E, assim que descobri, o pessoal começou a postar no Brasil o link do site. Alguns vieram até me dizer "olha só esse blog de Nova York". Ou seja, de cara vi que se tratava de uma celebridade em potencial. O negócio aumentou na medida em que se tornou viral no Facebook (todo mundo começou a partilhar e a postar fotos do cara). E, dias atrás, praticamente ao mesmo tempo em que eu vi matérias sobre Brandon nos principais canais norte-americanos, o pessoal (brasileiro) também começou a me mandar as matérias em links pela internet. O desenrolar do troço terminou hoje, comigo na fila de autógrafos do cara. Aí começa a segunda parte da história...
Na minha ingenuidade, achei que poderia chegar meia hora antes do evento e pegar um bom lugar para assistir ao cara falar. Doce ilusão. Já tinha ido na Barnes and Nobles outras vezes, e tinha essa parada de autor lançando livro, dando palestra e autógrafo. Mas, assim que entrei na loja, senti o clima: uma multidão por todos os lados com o livro do cara embaixo do braço. Puta que pariu. Era uma fila gigantesca subindo pela escada rolante. De cara descobri que, para ver a palestra, teria que comprar o livro. Fui correndo para a fila do caixa fazer a compra (que ficou sendo meu presente de aniversário, de mim para eu mesmo). Com o livro nas mãos, parti do primeiro andar, tentando chegar ao quarto, onde ocorrem os eventos. Até o terceiro foi relativamente rápido (cheguei às 18h30 e cheguei no terceiro às 19h). Foi então que o drama começou. A fila fazia a volta por todo o andar, que não e muito pequeno. Um carinha com um carrinho cheio de livros autografados tentava incentivar as pessoas a desistirem da empreitada - a proposta era: troque o seu livro por esse com autógrafo, é exatamente o mesmo tipo de autógrafo que ele vai assinar lá em cima. Alguns aceitavam o suborno. Eu virei a cara pro magrão: nada de negociações. E, assim, "acompanhei" a palestra, ouvindo de vez em quando algumas gargalhadas, e vez em quando aplausos. Uma hora até chegar ao quarto andar. O troço já estava nos autógrafos. A fila andava de vagar.
Brandon estava visivelmente cansado de tanto dar autógrafos e sorrir para as fotos (imagino que a essa hora ele deve estar com câimbra facial). Fui indo (depois de ter lido praticamente todo o livro) até que chegou na minha vez. Ele agradeceu por ter vindo e perguntou de onde eu era. Eu disse que era brasileiro e ele disse que eu parecia português... Ora pois, duas horas na fila pra ouvir isso! Enfim, acabei tirando fotos e pegando o tal autógrafo... Algumas figuras fotografadas por ele, que estão no livro, também estavam por lá. Atrás de mim havia mais uma multidão esperando por seu autógrafo. Não sou bom de matemática, mas creio que mais de cinco mil pessoas devem ter passado por lá hoje para pegar o autógrafo do cara...
Agora, vamos à terceira parte do texto: a espera.
Primeiro, imaginei o negócio acontecendo no Brasil: empurra-empurra, xingamentos, gritos de guerra contra a empresa que organizou o evento, reclamações sobre a desorganização (como fazer um evento tão grande numa sala tão pequena?), etc. Mas, as pessoas estavam nem aí. Elas estavam conformadas em aguardar e esperar. Nenhuma reclamação. Quando as gargalhadas vinham do andar de cima, a guria que estava na minha frente só gemia e dizia "ai, what is happening there?". Segundo, vi alguns malandrinhos que encontraram conhecidos furando a fila... Lembrei de quando estava na fila que dava a volta na quadra para comprar ingresso para a final da Libertadores 2007. O povo quebrou as placas da EPTC e, com pedaços de pau em mãos, cantava para as pessoas que passavam perto da fila "se furar vai apanhar!". Pensei em fazer isso, mas acho que não teria seguidores... Terceiro, para quem pensou a essa altura do texto "por que não pegou o livro só para entrar na palestra, ao invés de comprar?", obviamente os americanos não são bobos, e a cada etapa em que a fila avançava você precisava mostrar o livro e o recibo da compra...
Enfim, finalmente chegamos a última e mais importante etapa desse texto. Uma análise da porra toda.
Sobre as fotos do livro (assim como as do site), teria várias considerações mas cansei... Então, vou me limitar a dizer que, as minhas preferidas, são aquelas mais "jornalísticas", ou seja, de flagras, de pessoas que são do jeito em que foram fotografadas naturalmente. Digo isso porque talvez metade das pessoas fotografadas são os "artistas" que se vestem de forma bizarra ou tentam chamar a atenção de tudo que é jeito para ganhar "tips" em lugares como a Times Square. Essas criaturas estão em toda a parte e elas não são daquele jeito, apenas estão ali para chamar a atenção... Mas, de modo geral, o livro e as fotos são muito bons (tem algumas favoritas, mas como estou com vários assuntos atrasados para escrever aqui, que vou acabar deixando).
Outro aspecto que fiquei pensando é sobre as numerosas previsões do fim do livro ou do papel impresso. Na verdade, pra mim, essa é uma previsão absurda. Como se explica que, mesmo com praticamente todo o conteúdo do livro estando na internet, tanta gente vá para uma livraria comprar o livro e ver o autor ao vivo? E como se explica uma livraria tão gigante quanto a Barnes vender tantos livros, dos clássicos aos contemporâneos? Enfim, esse é um outro assunto que eu queria escrever muito mais, mas realmente cansei!
Então, quem sabe, algum dia eu volte a esse tópico. Ah, e ia esquecendo do principal, a história do cara!
Essa é a parte que mais renderia comentários e reflexões, porque Stanton é um amador que se tornou profissional. Ele começou com o blog em 2010, e até então ele conta que nunca tinha fotografado. Inicialmente o troço era em Chicago, sua cidade natal, como hobbie. E começou com fotografias de prédios, arquiteturas, etc, que ele apenas colocava no Facebook. Porém, quando ele perdeu o emprego, acabou decidindo viajar para tirar fotos, e assim foi para a Filadélfia, seguindo tirando mais fotos de prédios, parques, etc. De lá ele veio para Nova York (que ele revela que nunca tinha vindo aqui até então!) e começou a fotografar mais pessoas, e, assim, criou o álbum no Facebook "Humans of New York". Daí o troço foi pra blog e, agora, pra livro. Sensacional. Teria muito a falar mais sobre isso, no entanto, agora sim, queimou o meu último neurônio.
Done!

sábado, 12 de outubro de 2013

Coincidências

Ontem fui pegar o livro do Joseph Mitchel para ler, Up in the old hotel, que como comentei em outro post, é a obra completa de Mitchel, e que tinha lido outros textos para a disciplina de Jornalismo Literário (como aquele do Professor Gaivota) e me deparo com um texto sobre o bar Mc Sorley's, que também já tinha comentado aqui, pois era um dos bares frequentados por Hunter Thompson nos anos 1960. Pois, no texto de Mitchel, escrito em 1940, ele conta a história do velho John, o criador do bar, e como o bar seguiu pertencendo aos filhos e netos do Old John.
No texto, Mitchel descreve as peculiaridades do bar, a rudeza de seu dono-fundador, que não tinha nenhuma preocupação em agradar os clientes, como na placa que ele criou, descrita, e que eu havia tirado uma foto dela sem ter ideia da sua história:
Bom, ainda não terminei de ler o texto, mas dentre as curiosidades está a instalação de um alarme de incêndio que o filho de John, Bill, instalou nos fundos do bar e toda a vez que alguém começava a discutir berrando ou se tornava inconveniente ele disparava para esvaziar o recinto. Outra curiosidade, que olhando agora é engraçada (pelo menos eu acho), e que se tornou anedótica, é que o velho John não recebia mulheres em seu estabelecimento. E se alguma aparecia, ele a convidava a se retirar. E se ela insistisse em ficar, ele a pegava pelo ombro e dizia "não me force a esquecer que você é uma mulher". E, a tradição seguiu com o seu filho, Bill. Em seu texto, Mitchel conta que um dia apareceu uma feminista vestida de homem e pediu uma cerveja ao velho Bill. Ele a serviu, sem prestar muita atenção naquele cliente. Depois de tomar tudo, ela largou a tradicional caneca de barro do bar no balcão, tirou o chapéu, deixando escorrer pelos ombros os seus cabelos cumpridos, e disse "eu sou uma mulher. Viva os direitos iguais!". E saiu do estabelecimento, deixando o velho Bill de queixo caído e praguejando: "Era uma mulher! Era uma maldita mulher!".
Pois é, como ainda faltam poucas páginas para terminar de ler o texto, deixo você com um pedaço do texto de Mitchel:

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Missão (impossível) de pai

Uma das minhas missões em Nova York é achar um brinquedo para dar de presente para a minha pequena Larissa para esperar ela em dezembro. O presente de natal, vou deixar ela mesma escolher. Então, andei pesquisando as principais lojas de brinquedos de Nova York, como a Fao, a famosa loja que serviu de cenário para o Esqueceram de Mim 2, e a Toys R Us, que fica na Times Square, no fervolho da muvuca. É uma loja gigantesca que deve ter, sei lá, uns 500 mil tipos de brinquedos diferentes. Achei até um Capitão Caverna de pelúcia. Inclusive, fiquei louco de vontade de comprar uns brinquedos pra mim, como uma bola de futebol americano ou de baseball de pelúcia, uns Legos muito maneiros que tem lá, Smurfs, Simpsons, etc. Ou seja, tem brinquedo para todas as idades e para todos os gostos. E, além disso, também fui na loja da Disney, que tem todos os personagens possíveis e imagináveis criados por Walt Disney e de todos os tamanhos e preços e formatos, além de uma porrada de roupas, camisas, vestidos, abrigos, etc.
Estabelecida a missão e traçado o plano de ação, eu me concentrei nos brinquedos que a Lari gosta mais. Primeiro, a Cinderela, que é um dos personagens de histórias infantis que ela mais gosta. Achei Cinderela de pelúcia, Cinderela em formato de boneca normal mesmo, castelo da Cinderela com príncipe, sem príncipe, com carruagem, cavalos e ratos, Cinderela de Lego para montar o castelo e a carruagem, livros, fantasias, etc. Outros personagens que ela adora: Rapunzel, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Pluto, Mickey e Miney. Fiz um levantamento mental do que ela provavelmente mais vai gostar. Mas acontece que as crianças não são nada previsíveis. Aliás, esse é um ponto importante para aqueles que ainda não são pais. Antes de você ser pai, você se ilude que o serzinho que está por vir vai ser como uma extensão de você, que você vai dizer as coisas e a criaturinha vai aceitar e absorver tudo da forma como você planeja. Mas, na prática, não é assim que funciona. Como me falou uma vez o meu amigo Marcelo Alves, no Intercom em Fortaleza, "você é uma pessoa e sua filha é outra, coloca isso na sua cabeça". Aos poucos, estou entendendo isso. Pois eu simplesmente perguntei: "qual brinquedo você vai querer: o Pluto, a Cinderela, o Mickey, a Rapunzel, a Chapeuzinho Vermelho...?" e quando termino de perguntar ela responde ou "a She-ra" ou o "Pocoyo". Ou seja, os dois únicos que não tem em toda Nova York (e olha que eu procurei). Inclusive, na Toys R Us, que creio que é a maior, andei alguns quilômetros dentro da loja acompanhado por um vendedor procurando em todos os setores possíveis e imagináveis pelo Pocoyo. Nada.
Nem sinal. Até achei um boneco parecido, mas já imaginei ela abrindo o pacote, olhando decepcionada, cruzando os braços e fazendo beiço de braba, dizendo "não é o Pocoyo".
Então, diante desse cenário, encontro-me aqui, tendo que me virar para tentar convencê-la a escolher outro presente. O Pocoyo até tem na internet, mas deve vir da Europa, pois a entrega é mais cara do que o próprio boneco. A alternativa mais viável é encomendar no Brasil mesmo, que sai mais barato. Quanto a She-ra, bom, as únicas que tem na internet são de colecionadores e custam muito caro. E aqui não tem em lugar nenhum também. Por isso ser pai é uma missão que não é para os fracos.
Porém, todavia, contudo... quando você corre atrás de algo e vê aquele sorrisinho lindo de princesa no rosto da criaturinha, você conclui que tudo valeu a pena... Pelo menos até a próxima missão impossível...

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Os segredos do mestre

Uma pergunta tem inquietado os críticos dos jornalistas integrantes do New Journalism e dos jornalistas literários contemporâneos: como eles sabem o que o personagem estava pensando numa situação em que ele estava sozinho numa sala e sem testemunhas? Como o jornalista sabia o que se passava pela mente do criminoso que estava prestes a matar? Como o escritor de não ficção consegue entrar na mente de seus personagens, que são reais, de carne e osso? A resposta, mais simples possível, é dada por um dos principais escritores de não ficção de todos os tempos, Gay Talese: "como eu sabia o que se passava na mente dos personagens? Simples: eu perguntava para eles. Uma, duas, três, quatro, mil vezes o que eles estavam pensando antes, depois e enquanto agiam".
Aos 81 anos, Gay Talese conseguiu fazer com que as cerca de 100 pessoas que se apertaram dentro do estúdio de televisão do Departamento de Jornalismo da Universidade de Nova York (NYU) tentassem ficar mais de uma hora sem respirar para poder ouvir melhor o que o jornalista-escritor-estrela do New Journalism norte-americano tinha a falar. Como a entrevista estava sendo gravada para televisão, não havia sonorização, então, cada pessoa que emitia um ruído que atrapalhasse a compreensão das palavras do mestre recebia dezenas de olhares furtivos.
Aos 81 anos, um dos melhores escritores que já li (na minha opinião, o melhor do New Journalism - considerando Hunter Thompson como gonzo, e não como integrante desse estilo) contou sobre como escreveu a biografia de Frank Sinatra sem ter como entrevistá-lo, sobre como começou a sua carreira no New York Times (e sobre como escreveu Reino e Poder, o livro que conta a história do jornal e suas relações com o governo americano), sobre como escreveu a história da máfia em Nova York (Honra teu pai) e muito mais. Entre uma história e outra, ele dava algumas dicas para os jornalistas que, como ele, buscam no jornalismo uma forma de fazer literatura: "todo o bom jornalista-escritor não pode contar uma história em linha reta, apenas de um ponto de vista.
A história tem que ser vista de vários ângulos, como em um filme". E, para isso, o segredo revelado antes: "quando entrevisto alguém por um longo tempo, meses ou anos, sempre pergunto a mesma coisa várias vezes. O entrevistado nunca vai falar e contar o que ele pensa ou o que aconteceu com profundidade, com emoção e com verdade na primeira vez. Por isso eu pergunto uma vez, e de novo e de novo e de novo". E sobre o jornalismo norte-americano contemporâneo? Diante de dezenas de jornalistas da imprensa nova-iorquina que ocupavam as primeiras cadeiras do estúdio da NYU, Gay Talese disse que o jornalismo norte-americano mudou principalmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001: "Depois desse dia as críticas e as investigações sobre o governo americano não foram as mesmas. Parece que se criou um pacto silencioso de não atacar mais o governo". Além disso, ele também comentou um problema, que ao meu ver, é universal no jornalismo:
"O que eu vejo de diferente entre o jornalismo de hoje e o do meu tempo é que antes você tinha mais liberdade para escolher o assunto e sobre como abordá-lo. Agora, por questões políticas e de patrocínio, o jornalista não escreve tudo. Ninguém fala para ele não escrever, ou não abordar determinados assuntos. Mas ele sabe que não pode escrever certas coisas". A exceção, para ele, é o New York Times, jornal em que ele construiu a sua carreira, o que acaba comprometendo a própria sentença. Aliás, Talese afirma dedicar duas horas diárias para ler o NYT da primeira à última página, esforço esse que, na minha humilde opinião, é desgastante e desnecessário (eu não aguentaria gastar horas lendo algumas matérias chatas e sem graça que tem no NYT e em todos os jornais do mundo).
Enfim, ter visto o Gay Talese de perto, para um jornalista como eu, que devorei os seus livros pensando "puta que pariu, esse cara é muito foda", foi, sem exageros, a realização de um sonho. E, por isso (e por talvez essa ter sido uma das últimas aparições de Talese comentando a sua carreira em público, de maneira 100% lúcida) eu tirei fotos e peguei autógrafo. Como disse para um amigo meu, "esse merece todo o tipo de tietagem". Até porque, parafraseando o finado Fausto Wolf, "não acredito muito na geração que está aí", ou seja, não creio que vá surgir algum dia um novo Capote, Talese ou Mitchel.
Espero estar errado, mas temo que não.

PS: Texto enviado para o jornal Meu Bairro - Porto Alegre-RS.

domingo, 6 de outubro de 2013

Cenas nova-iorquinas 1

É uma tarde quente de outubro em Nova York. Como são os últimos dias de calor antes de tudo congelar, os americanos (e demais que vivem em Manhattan) partem para os parques. Em Washington Square está rolando um protesto. Aquele papinho de sempre de luta pelos direitos humanos e blá-blá-blá. Um bando de gente jovem que ainda acredita na humanidade. Ainda crê que um dia o ser humano vai se levantar em meio ao esterco em que vive e vai respirar sem ter que aguentar o fedor da merda diária de tudo o que o cerca. Um jovem de óculos exibe um cartaz: "De-Militarize the border. Migrants rights are Humans rights". All right, all right... You are totally right, my innocent friend. Mas, enquanto segura aquele cartaz, o jovem de menos de 20 anos, que estuda na New York University, chegado do Egíto, tenta encontrar ali, naquela pracinha famosa, uma forma de entender porque ele não consegue fazer amigos americanos. E, claro, porque as americanas não lhe dão a mínima. Então, ali, parado, exposto diante de todos os olhos, ele segura aquele pequeno cartaz na esperança de comover algum coração piodoso. Está certo, quando o melhor amigo dele falou essa teoria, sem nenhum escrúpulo, ele se revoltou e mostrou que conhece muito de sociologia, de direitos humanos, de lei e de história. Mas, no fundo, o que ele quer é baixar algumas calcinhas que o cercam em Washington Square.
Morando longe de casa e de seu país há um ano, ele ainda não se sente bem quando sai com os amigos, enxe a cara e faz merda por aí. É uma espécie de masturbação mental, pois ele quer muito curtir toda aquela porra, mas ao mesmo tempo ele tem um pouco de peso na consciência em se divertir enquanto a sociedade está agonizando na UTI de algum hospital intergalático. Então, enquanto segura aquele miserável cartaz, ele divaga sobre como se aproximar dos americanos para, quem sabe, pegar algumas americanas e ganhar o Green Card. Mas, num momento de reflexão súbita, ele repulsa todas as ideias que estão circulando na sua mente e pensa "puta que pariu, esse país é uma merda, vou tentar mudar essas probres criaturas e salvá-las elas delas mesmas".
O sol está cada vez mais quente e então, já que as pessoas passam ali sem ligar, ele começa a tentar ocupar a sua mente com alguma coisa mais útil. Tenta contar quantas garotas ele já beijou. 29. Apesar que a Clea não foi exatamente um beijo. Os lábios estavam quase se encostando quando ela começou a tossir e vomitou em cima dele. Mas, às vezes, atordoado em aumentar o número de beijos, ele chega a se convencer que os lábios se tocaram sim, afinal ele sentira o calor e a baba dela em sua boca. A contagem de quantas vezes foi para a cama não tinha graça, ele podia contar nos dedos: duas trepadas, duas ejaculações precoces. Não chegou a colocar e tirar uma dezena de vezes. Às vezes ele tentava contar quantas botadas foram. Quando estava de bom humor era mais realista: algo em torno de seis ou sete. Mas, quando estava precisando de auto-estima, aumentava a conta, e chegava na casa dos 30. Sim, foram 30. Eu ouvi os barulhos "plat, plat, plat". E assim vai "plat 1, plat 2, plat 3... plat 30!", sim, foram 30!
Então, em meio a essa divagação, nosso herói egípcio olha ao redor, para as suas colegas de protesto. Ele sabe que elas realmente querem mudar o mundo e não estão ali por causa de sexo. Olha para uma, gordinha, com a idade de sua mãe, vestido até os joelhos... Não pode estar querendo sexo... Então olha para a outra, da sua idade. De calça cumprida nesse calor e agindo como uma freira. Enquanto olha para ela imagina a próxima ajoelhada na sua frente, abrindo o zipper da calça, de boca aberta... começa a ter uma ereção e sente que a velhinha que passa por ali de cadeira de rodas está olhando para as suas calças... Brocha na hora. Decide que, assim que chegar em casa, vai bater uma punheta pra descarregar as energias e não pensar tanto em sexo no outro dia, afinal, ele tem uma causa, uma luta, uma ideologia que não pode ser abandonada. Ele precisa ajudar a salvar a humanidade. É a única razão dele estar no mundo, afinal, como o ser humano desperdiça a sua passagem pela Terra fazendo tanta merda? Como as pessoas não se dão conta de que é tão fácil ter um mundo melhor, sem fome, sem miséria, sem brigas, sem tragédias... Como a humanidade é tão fútil!
E, então, passa uma loira de mini-saia na sua frente e ele esquece a causa, a luta, a ideologia, e tem uma ereção ali mesmo, em praça pública. E, novamente, ele não conseguiu segurar: não precisou de nem uma botada para lambuzar as calças.

Imbecilidade em duas rodas

Faz uma semana que a imprensa americana, e especialmente a nova-iorquina, está lidando com o caso de um grupo de motociclistas que atacou um motorista nas ruas de Manhattan. A história, resumidamente, é essa: foi realizado um encontro de motociclistas aqui em Nova York e um grupo deles estava fazendo arruaça no trânsito quando começaram a provocar um motorista de um carro. Eles cercaram esse motorista com as suas motos e, para fugir, o carro acabou passando por cima de uma das motos, quase matando um dos motociclistas. Alguns integrantes do grupo perseguiram esse motorista e, no engarrafamento, atacaram o carro, quebrando o vidro com capacetes, tirando o motorista do carro e espancando-o. Detalhe: o motorista estava com a mulher e a filha de dois anos no carro, que assistiram a tudo. Está tudo gravado e está tudo na internet para você e qualquer um ver. Aqui, as cenas são repetidas a todo o momento nos principais jornais televisivos.
Interessei-me pelo caso pois sei que existem imbecis que andam em duas rodas pelo mundo inteiro. Chamo de imbecis aqueles que, ao invés de usar a moto como um meio de transporte, querem ameaçar e "tirar onda" com os outros. Várias vezes, enquanto caminhava tranquilamente, tomei um susto com o ronco ensurdecedor de uma moto dirigida por um ser que tem esterco no lugar do cérebro. E foi um desses tipos, ou melhor alguns dessa espécie, que causaram a tragédia que resultou em um motoqueiro e no próprio motorista do carro gravemente feridos. Talvez a diferença entre um caso desses aqui e algo parecido no Brasil é que aqui os acusados estão presos. As imagens são claras, os caras começam a provocar o carro, que atropela os motociclistas, que querem "dar o troco". O que leva um grupo de seres humanos a querer atacar, sem motivo nenhum, uma família com uma criança de 2 anos dentro do carro? Os advogados dos acusados tentam dizer que os seus cliente não "iniciaram" o incidente. Pois, só pelas imagens, já deveriam prender todos os integrantes do grupo. Todos eles se basearam na força de estar em grupo para atacar uma família com uma criança de 2 anos! Isso é muito absurdo! É muito revoltante, tanto nos Estados Unidos, quanto no Brasil, quanto na China!
Aliás, os absurdos do trânsito sempre me revoltam - ainda mais quando é algo feito intencionalmente, como o ataque do grupo de motoqueiros a um carro. Li o Hell's Angels, escrito pelo Hunter Thompson nos anos 1970, e lembro que, no decorrer do livro, ele vai invertendo um sentimento de admiração pelo grupo pela conclusão de que na verdade o bando não passava de um grupo conservador e sem-noção que se valia da força em grupo para enxer o saco dos outros (ele se deu conta disso quando os caras apioaram a Guerra do Vietnã - o que foi a gota d´água da tolerância da ignorância alheia).
Enfim, como digo, as coisas que fogem da minha capacidade de comprensão continuam acontecendo, infelizmente, todos os dias. Nos Estados Unidos, no Brasil, em Santo Ângelo e no mundo,

*Texto a ser publicado no J Missões nessa semana.