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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Um cara fudido, mas de valor!

Estava cansado de entregar panfletos. Definitivamente, não tinha feito faculdade para ter como maior entretenimento esperar alguém cheio de pose passar pela minha frente para encher os pulmões e berrar com toda a voz, como se estivesse clamando por socorro em um naufrágio: EMPRÉÉÉÉÉÉSTIMÔÔÔÔÔ!! O pobre (ou a pobre) vivente, que um segundo atrás caminhava como se estivesse desfilando em uma passarela de Paris, saltava e me olhava com os olhos do tamanho de duas bolas de gude. Quando não tinha muito movimento na rua, ainda dava para ouvir a explicação dada para a pessoa do outro lado da linha: “foi um panfleteiro Esse pessoal do centro não dá mais pra agüentar”. Então por que não agüenta ficar das oito da manhã até às cinco e meia da tarde tentando vender empréstimo pessoal para aposentado do Exército? Ãhn? É mais fácil vencer picolé no Pólo Norte? Muito cansativo? Que nada. Você fica o dia inteiro berrando: DINHEIRO NA HORA SEM DEMORA; ou: QUEM QUER DINHEIRO?; ou ainda: DINHEIRO FÁCIL SÓ AQUI HEIM?! E quando chega às cinco e meia todo mundo sobe para a sala do chefe sem voz, e mesmo tendo passado o dia inteiro de pé e berrando, o pessoal ainda tem um humor que não acaba nunca e ficam cantando funk, batucando na mesa, conversando, dando risada, e marcando aonde vai rolar o baile do final de semana. “Vintão já guarda pras meninas”, me diz um dos meus colegas. Para evitar confusões, eu não guardava vintão pras meninas...
Mas enfim, estava cansado dessa vida. Por puro amor a profissão de jornalista eu saía às seis da tarde da sala do chefe, após levar uma mijada porque fiquei um minuto das minhas oito horas em pé sem gritar, e porque ninguém subiu até a porra do escritório com um maldito dum panfleto que tivesse assinado com o meu nome, e ainda ia a pé até o prédio da RBS, na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre, para fazer meu estágio voluntário na Rádio Gaúcha. Como eu dizia, estava cansado dos panfletos e resolvi pedir uma ajuda para aqueles que me davam mais conversa na rádio. Um deles era o José Aldo Pinheiro, que simpatizou comigo por eu ser de Santo Ângelo, sendo que ele trabalhou três meses na Rádio Santo Ângelo, que pertence aos mesmos proprietários do jornal onde eu trabalho hoje. Para quem é do sul, é fácil identificá-lo. Ele é narrador esportivo e apresentador do Plantão Gaúcha, e também narra algumas partidas e faz reportagem de campo pela Sportv. Além disso, também trabalha na TV Com, e se não estou enganado, já ouvi jogos da RBS narrados por ele também. Enfim, é um global, já que a RBS é a emissora ligada a Globo aqui no Rio Grande do Sul. Gente fina, ele.
Contei-lhe resumidamente minha história dos panfletos, enquanto ele me olhava sem piscar, meio angustiado, até. Quando terminei de falar, ficou me olhando sem abrir a boca. Eu comecei a pensar “caraí, será que meu sotaque é tão horrível que ele não entendeu porra nenhuma do que eu disse?”. Ele continuava me olhando sem piscar, até que murmurou em voz baixa, mas audível. “Porra, tu é um cara fudido”.
Essa foi a minha vez de arregalar os olhos. Comecei a rir de nervoso, não esperava uma descrição tão direta da minha situação, porém, sincera. E apesar das palavras, deu para perceber que foi sem maldade. Pela minha cara, acho que ele percebeu que pensou aquilo em voz alta e tratou de corrigir, depois de mais um silêncio. “No sentido de que você é um cara de valor. É uma pessoa que corre atrás, poucas pessoas são assim...”. Depois disso ele prometeu tentar achar alguma coisa para mim relacionada à comunicação em Porto Alegre, e pediu para que eu ligasse no dia seguinte. Eu comecei a rir novamente, sem saber como explicar a minha REAL situação, e como ele dizia: “Liga mesmo. É que estou sempre na correria...”, eu segui rindo de nervoso e de desespero, até que lhe disse: “é que não tenho cartão (nem de orelhão, muito menos de celular) nem dinheiro para comprar um”. Então parece que ele lembrou da parte do cara fudido e disse de bate-pronto: “Tsc! Liga a cobrar mesmo Duduzão. Tu é dos nossos!”. Legal. Empreguinho à vista.
No outro dia, estava eu almoçando em um restaurante na Borges de Medeiros quando resolvi ligar (tinha sobrado cinco pila, senão eu comia nas “maxorra” da Riachuelo, que é R$2,50, ou no R.U. da UFRGS, que é R$1,75, mas que ficava muito longe do centro. Em ambos ganhava um copo de suco grátis). Ele atendeu:
- Alô.
- Alô, é o Eduardo, que está indo ai na rádio... Liguei para lembrar que... – ele interrompeu.
- Teu código é 55? – o de Porto Alegre é 51.
- Sim – respondi. Cinco segundos de silêncio até ele falar novamente:
- Ah, não tem problema, pode deixar Duduzão. Vou ver o teu negócio aqui.
Ele estava em meio às negociações na tentativa de achar algum meio de comunicação sem preconceito com pessoas do interior (o que parece impossível) quando abriu a vaga no Jornal das Missões, onde estou trabalhando hoje. No final das contas, vim para Santo Ângelo de um dia para o outro e comecei a trabalhar aqui, e nunca mais falei com o Zé Aldo. De repente achou que eu morri, sei lá. Ou senão, pensa que peguei paixão pelos panfletos... Mas o mais provável é que nem se deu conta de que eu não estou mais lá. Enfim, tenho que agradecer a ele de qualquer forma pela atenção e preocupação que demonstrou, já que a maioria deles não tem tempo (apesar que não tenho certeza disso, acho que falta de tempo muitas vezes é igual a falta de interesse) nem para saber se o colega que senta o lado está respirando ou não... (pra que saber uma coisinha dessas, afinal? O que é uma vida?).

Enquanto eu voltava para a “terrinha” de ônibus, após quatro meses no UMBIGO do mundo (ah, que ilusão dos gaúchos, como diziam meus amigos cariocas para me irritar, mas na verdade eles nem imaginavam que eu concordava com eles) olhando pela janela aquela pacata paisagem, ia pensando e prometendo para mim mesmo: um dia eu ainda deixo de ser um cara fudido.... E esse dia é..... HOJE!!!!

Está chegando a hora de ir para a praia!! Entonces: hasta la vista, bybes!!!!!!!