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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

História sem fim - by Fronza Irmão

O Ronaldo Fronza fez tanta propaganda do meu blog, que agora o irmão dele, também chamado Eduardo, mas apelidado de Dudu (e que tem um Schimidt no sobrenome por parte de pai), me enviou esse texto, acreditando na virtual audiência desse que vos escreve. Então, atendendo ao pedido dele, mesmo sem concordar que há qualquer tipo de audiência aqui, além de um ou outro leitor imaginário, vou atender ao pedido dos irmãos, afinal, não adianta discutir com eles. Portanto, posto o texto e o que tiver de ser, será.

Comprei o furgão. Ok, não é um furgão igual ao dos americanos, é um furgão bem a brasileira: usado, barulhento, sem ar condicionado, uma das janelas está emperrada, mas tem espaço para tudo o que preciso, principalmente para você. E, nesse furgão velho, vamos colocar em prática aquele sonho de viajar juntos até o fim do mundo. De lá, vendemos o furgão e pegamos um avião até o Japão para meditarmos juntos, espantarmos todos os nossos males e recarregarmos as energias para seguir em frente. Então, vendemos os seus desenhos por lá (digo para os japas que você é uma famosíssima artista brasileira vencedora de prêmios ao redor do mundo), eu lavo uns pratos em algum restaurante de bichos do mar crus e nojentos e viajamos para a Indonésia, para a Malásia, Vietnã, China, Coréia e Madagascar. Vamos conhecer aquilo que não conhecemos nem pela televisão, aquilo que nem imaginamos que exista sobre a face da terra.
De lá, pegamos um avião para os nórdicos Suécia, Noruega e Finlândia, onde posso esquentar os teus pés gelados nas gélidas noites europeias, deitados juntos em frente à lareira. Após vendermos mais quadros e lavarmos mais pratos partimos para o Novo Mundo. Antes, se quiser, te levo para a Itália, que você tanto gosta – mesmo sem eu gostar muito – e já podemos dar um pulinho na Alemanha, só para te irritar e fortalecer na gente a rivalidade entre os dois países que estão estampados em nossos sobrenomes. Depois, no interior dos Estados Unidos eu te levo para dançarmos aquela música country que você tanto gosta e que tanto me faz sonhar com os teus olhos e os teus lábios colados nos meus toda a vez que eu as escuto. Por lá, eu conheço alguns atalhos, e continuamos vendendo teus quadros e eu sigo lavando pratos e compramos um novo furgão, esse sim totalmente americano, para partimos para a conquista do Oeste. Totalmente On the road, convidamos nossos novos amigos, que fomos conhecendo ao longo de toda a viagem, inclusive o maluco do Jack, o Dean (que eu sei que já está de olho em ti) e a Rachel (que você não vai com a cara e que não tem coragem para admitir que morre de ciúmes). Mas, ok, prometemos que não iríamos entrar naquela onda convencional de transformar algo bom em uma prisão que sufoca até que não aguentamos mais e queremos partir, certo? Assim, seguimos todos, tocando violão na frente da fogueira, rindo, chorando, animando, brigando, se arrependendo, bebendo, cantando, filosofando, sonhando... Até que chegamos na costa Oeste, fugidos dos soldados de Donald Trump, com documentos falsos, sem pagar nenhuma das dez multas que levamos pelo caminho. Lá, encontramos os irmãos Lacerda, meus amigos das antigas, e os desgraçados já começam a te cantar e eu já brigo com eles e assim resolvemos partir do sul para o norte, onde em San Francisco eu te levo para admirar Golden State Bridge.
Chegamos lá, e agora? Agora só o Daniel Galera poderá terminar essa história.
Mas foi isso tudo que eu sonhei noite dessas, depois de ouvir uma das músicas que você me mandou e que me fazem pensar em ti cada vez mais. Não sou coerente, já fui casado cinco vezes, e todas elas me abandonaram por não entenderem a minha infindável vontade de partir, de conhecer o mundo, de me apaixonar por lugares distantes, mesmo amando aqueles que estão tão pertos. Meus cinco filhos não vejo há um bom tempo, inclusive o Dudu Júnior, que é o mais apegado a mim, por isso hoje acordei disposto a pegar todas as economias, mais o dinheiro da pensão dos cinco filhos, comprar o furgão e partir. Topa?

domingo, 19 de fevereiro de 2017

O verdadeiro fim de Anita

Terminei de ler ontem o livro Cordilheira, do meu amigo – mesmo sem me conhecer e sequer saber que existo – Daniel Galera. Digo que é meu amigo, pois li dois de seus livros (o outro é Mãos de cavalo), o que é suficiente para tornar o leitor brother do autor (pelo menos na cabeça do primeiro). Bom, como ele é meu amigo, vou ferrar com ele e contar a história do livro, inclusive o final.
De forma bem resumida, é o seguinte: a narrativa é em primeira pessoa sob a perspectiva da personagem Anita. Ela escreve um livro que rapidamente se torna best seller. No entanto, ela abandona a ideia de ser escritora e não quer mais saber do tal livro. A mãe dela faleceu no parto e o pai morre quando ela já é adulta. Anita mora junto com o namorado, Danilo, no entanto ela tem como objetivo de vida ter um filho, enquanto ele não quer nem falar sobre o assunto. Cansada dessa vida, que ainda tem relações com as amigas que gostam de dar palpites sobre as suas atitudes e a chamam de maluca por causa da obsessão pela gravidez, ela aceita o convite para lançar a edição em espanhol de seu livro em Buenos Aires. Anita vê nessa viagem a possibilidade de largar tudo e realizar o sonho de ser mãe sem ninguém para se intrometer. O plano é ir lá ficar um tempo, engravidar de alguém e voltar. Então, ela abandona Danilo e vai para Buenos Aires, onde um sujeito, inicialmente chamado Holden, passa a segui-la. Sintetizando, eles começam a namorar e ela vai morar com ele. Anita descobre que Holden e seus amigos tem uma espécie de seita literária, onde cada um tenta viver a vida de maneira radicalmente igual aos personagens criados nos livros escritos por eles mesmos. E Holden, na verdade, é o nome do personagem. O verdadeiro nome do sujeito é Diego. E qual é a história do livro de Anita e de Diego? No final do livro de Anita, Magnólia, a personagem, empurra o namorado da beira de um penhasco, enquanto que no final do livro de Diego, Holden é sacrificado pelo grupo de amigos de uma seita literária sendo lançado de um precipício. Dessa forma, Diego encontrou no livro de Anita uma forma perfeita de colocar em prática o final de seu personagem: ele seria sacrificado com Magnólia (ou Anita) empurrando-lhe do alto de uma cordilheira na Patagônia argentina. Pronto. Até aí a leitura do livro do meu amigo Galera às vezes é cansativa, mas a partir desse ponto ele conseguiu dar um ritmo interessante e teve o mérito de induzir o leitor a pensar uma coisa, surpreendendo-o com decisões que não ficaram forçadas.
Vou ser mais claro. Anita fica grávida de Holden. Antes de voltar ao Brasil, ela acaba cedendo à pressão dele e dos amigos para subir a cordilheira. Ela o faz, sem contar que está grávida, e decidida a não empurrá-lo do penhasco. No entanto, quando chegam ao local do sacrifício, ela começa a sangrar, sofrendo um aborto espontâneo. Vendo que ela não o empurraria, Holden opta por se atirar lá de cima. Anita perde o filho e volta para São Paulo, para a casa de Danilo que, mesmo tendo casinhos com outras nos meses em que ela o abandonou, ainda a ama. Na última cena da narrativa, ele a convida para subir ao terraço do prédio. Eu imaginei que ela o empurraria para baixo ou que um deles se suicidaria, mas não. Ele a convida a subir para declarar que ainda a ama, mesmo sabendo da história do argentino, da gravidez, do aborto, etc. Aliás, tudo isso só fazia com que ele a amasse ainda mais. Porém, a resposta dela, que são as últimas linhas do romance, é a seguinte: “Tarde demais, Danilo. A gente teve um problema de sincronia. Ainda não era bem isso que ele precisava ouvir. Fingiu que não tinha entendido bem, pediu outras explicações. Só a deixaria em paz quando dissesse nos termos mais simples, sem rodeios nem palavras indígenas, que não o amava mais”. Fim.
Bom, como se pode ver, esse é um final sem um grand finale. O que considero um mérito, pois, anteriormente, eu pensava que Anita empurraria Holden e voltaria grávida para São Paulo para ter e criar o seu filho sozinha. Esse seria o grand finale imaginado – e até desejado – pelo leitor. Mas seria clichê. Seria novela das oito de mal gosto. Então, resolvi dar um grand finale – meio mequetrefe, admito – para a história. O que aconteceu com Anita após a cena do terraço? Sem a permissão ou a concordância de Galera, eu conto para vocês (de forma bem resumida, pois sei da vagabundice e preguiça do leitor contemporâneo).

Depois daquela cena, Anita morou com Danilo por mais uma semana. Ele, obviamente, tentou convencê-la de todas as formas que ainda a amava, mas quanto mais ele se humilhava, mais ela o odiava. Uma noite ela até cedeu e eles treparam, mas no dia seguinte ele a viu chorar e perguntou o que houve. A resposta foi nua e crua: “eu tenho nojo de você!”. Na semana seguinte, então, ela se mudou para a casa da amiga Julie, que seguiu pentelhando e dizendo para Anita o que ela tinha que fazer. Foi duro aguentar, mas ela seguiu o conselho da amiga: começou a escrever um segundo livro e a estudar Letras na USP. Como precisava de dinheiro, escreveu rápido o livro e em um ano conseguia respirar um pouco. Fez amizades na USP e, secretamente, seguia com o plano de ter um filho. Teve que baixar o nível de exigência para encontrar um que aceitasse a ideia. Maurício foi o escolhido, por critérios socioeconômicos. Começou a namorar ele e logo estavam morando juntos. Ela engravidou e o nenê, uma menina chamada Luciele, nasceu no mesmo ano de sua formatura. Fez mestrado e, quando terminou, aproveitou para acabar com Maurício também. Entrou no doutorado e durante quatro anos viveu da bolsa e da pensão do pai de Luciele. Descobriu que a criança não a satisfazia completamente. Namorou vários caras, até que um maluco que se apaixonou por ela em uma festa ofereceu dinheiro por uma noite de sexo selvagem. Ela hesitou, mas como estava precisando e o valor era altíssimo, aceitou. Acabou achando que essa era uma boa forma de complementar a renda e colocou anúncio de acompanhante de luxo em um site famoso. Cobrou caro e fazia um programa por semana, assim, tinha renda fixa: bolsa + pensão + programa.
Deixou de namorar vários caras para seguir independente. Então, concluiu o doutorado. Fez concurso para o cargo de professor efetivo em uma universidade federal e arriscou alto: quando entregou a prova escrita, ao cumprimentar o presidente da banca (um senhor famoso no mundo acadêmico das letras e casado há 30 anos com uma escritora famosa, de pele enrugada e seios murchos) deixou um bilhete pequeno em suas mãos, dizendo: “se quiser uma noite de loucuras hoje, me liga”, e abaixo colocou o seu número de telefone. Ela voltou para o seu lugar, cruzou as pernas deixando as coxas à mostra em seu mini vestido preto, e seguiu agindo como se nada tivesse acontecido. Ele ligou e ela o enlouqueceu. Anita foi aprovada em primeiro lugar e demorou a conseguir se livrar do presidente da banca, que agora era colega de trabalho. Só conseguiu quando começou a namorar com Antônio, outro servidor da mesma universidade. O relacionamento só teve início, aliás, para ela ter uma desculpa para tirar o velho acadêmico de seu pé. “Não posso, estou firme com o Antônio”. Dois meses depois, entretanto, deu um fim ao namoro e alegou ao outro que estava com depressão. O tempo passou, o presidente da banca de seu concurso morreu e quando se deu conta, já tinha entrado para a etapa final: 50, 60, 70... Viu a filha crescer mas agora sonhava em ser avó. Um dia Luciele disse que iria passar um tempo em Buenos Aires. Semanas depois, ela ligou contando que estava apaixonada por um cara chamado Holden. Anita ficou deprimida e em semanas definhou. Estava com 45 kg, em uma cadeira de rodas, quando teve um ataque cardíaco fulminante enquanto ouvia a apresentação do TCC de um aluno que defendia que a obra de Paulo Coelho poderia ser considerada um clássico da literatura do século XXI.

FIM

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Aquele beijo

Depois daquela viagem para Roma, meu amigo Ronaldo Fronza Júnior escreveu o seguinte texto, que compartilho aqui:

Lembra-se daquele beijo? Aquele mesmo, em que meus lábios trêmulos encostaram-se nos seus, e eu lhe alcancei a minha mão suada para subirmos até as nuvens e esquecermos todos os problemas que nos rodeiam diariamente? Lembra como apertei o seu corpo contra o meu, como o calor carnal espantou aquele friozinho na barriga que insistia em não passar? Lembra de nossas línguas enroscadas, formando nós impossíveis de serem desfeitos? E de nossos olhos fechados que viam muitas coisas através de flashes de tudo o que aconteceu até aquele momento e de tudo o que estava por vir? Sei que você lembra, garota, mesmo dizendo que não. Sei que toda a vez que me flagro pensando em você, você também está pensando em mim. Sei que toda a vez que você diz “eu te amo” para alguém, é para mim que você gostaria de dizer essas palavras. Sei que você continua me odiando e me amando ao mesmo tempo por eu ser um prepotente incorrigível e sei que você quer me ver perto e longe simultaneamente por te amar como ninguém te amou, mesmo sem te ter. Afinal, baby, você sabe que meus sentimentos são sinceros. E você sabe que me conquistou desde aquela primeira vez em que sentamos frente a frente, em meio a um monte de amigos, na mesa de um bar. Você sabe que mexeu comigo e teima em admitir que eu mexi com você. No entanto, baby, eu desvendei os mistérios de seu coração naquele dia, aquele de nosso primeiro e único beijo.
Você tem medo de se machucar, e quem não tem? Você quer amar e ser livre, quer se entregar por inteira sem se prender, e quem não quer? Não tenho a fórmula da felicidade, baby, afinal, ando meio infeliz. Não consigo sorrir sem lembrar daquele beijo, e sei que você também chora de noite por não esquecer a pequena amostra do paraíso que eu lhe dei. Só encontramos a nossa Babilônia juntos, seria impossível eu encontrá-la com outra pessoa. Já conheci vários lugares beijando várias damas diferentes – e algumas nem damas eram – mas nenhum lugar é comparável à nossa Babilônia. Você sempre me pergunta se “aquele texto foi escrito para alguém em especial” e dessa vez, antes que você pergunte, eu te digo: sim, foi escrito pra ti, a detentora daquele beijo, do beijo que nunca vou esquecer e que sempre vai me deixar querendo mais.
Não lembro da última vez em que me senti assim. Na verdade, eu já tinha esquecido como era ficar piegas e sentimentaloide. Tinha jurado diante do Todo Poderoso e de testemunhas bêbadas em um bar na Venâncio Aires em Porto Alegre que nunca mais me apaixonaria por ninguém. Que beijo seria apenas beijo, sexo seria apenas sexo, troca de olhares seria apenas troca de olhares. E, então, chega você, e me mostra que um beijo pode ser muito mais do que um beijo. Que olhares podem ir muito além do cruzamento de olhares. E que, talvez, o sexo se torne amor. Piegas, não? Eu sei. Odeio-me por ficar assim, mas a culpa é toda sua. Se não fosse aquele beijo, eu não estaria assim. Provavelmente pegaria um romance qualquer para ler, assistiria a um filme ou a uma série na Net Flix ou veria o VT de um jogo da semana passada no canal de esportes. Mas, você e o seu beijo apareceram. E eu já nem sei dizer se ele ocorreu mesmo ou se foi apenas um sonho.