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segunda-feira, 29 de março de 2010

Surtos e outras loucuras


Ligo para a minha namorada. Uma voz conhecida atende:
- Pirou, guri?
É a minha mãe que atendeu no quarto ao lado. Desligo e acho que estou ficando louco.

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Chego em casa e entrego o molho de chaves para a minha namorada abrir o portão. Ela abre, adentra a residência enquanto eu coloco o carro dentro da garagem. Ao descer, fico procurando as chaves, pensando que as perdi. Ela pergunta:
- O quê foi?
- Nada, só não acho as chaves do portão.
- Estão comigo!
Fecho a porta do carro e acho que estou ficando maluco.

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Vamos sair. Minha namorada vai junto. Ela está me esperando na beira da calçada. Tiro o carro da garagem e começo a falar com ela:
- E aí? Vamos passar primeiro na tua casa ou na casa da sua avó?
Ouço a voz da Laura, minha filha emprestada, respondendo:
- Por que lá em casa? Nós não vamos na bisa?
Eu respondo, enquanto vou dando a ré para irmos:
- Não sei, Lalá, por isso to perguntando para a sua mãe... Heim? Nós vamos aonde? Em casa ou na vó?
A Lala responde:
- Mas a mamãe ta lá!
E vejo ela parada com os olhos esbugalhadas, já longe do carro, estaqueada na beira da calçada. É então que percebo que ela não entrou no carro. Volto para buscá-la, e acho que estou pirando.

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Vou esquentar um café. Coloco a água na xícara. Ligo o micro-ondas em um minuto e meio. Apita. Vejo que esqueci de colocar a xícara dentro do micro. A água está fria. Acho que estou surtando.

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Depois de conseguir esquentar o café, vou adoçá-lo. Pego um pote com pó branco (que não é o que você está pensando, sujo leitorinho), coloco três colheres, e mexo. Pffffssshhh! Cuspo tudo na pia. O café está salgado e eu estou saindo da casinha.

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Para abrir o carro, largo um boleto em cima dele. Entro. Ligo. Tiro o carro da garagem e vou indo. Quando chego na esquina me dou conta de que falta algo. Cadê o boleto? Ficou em cima do carro. Paro. Desço. Volto para procurar o boleto, que está lá, no meio da rua. Definitivamente minha cabeça não anda legal.

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Vou ao banheiro. Tiro a roupa e sigo para baixo do chuveiro. Ligo o dito cujo. Ensabôo as mãos, os pés, as pernas, o bicho velho, os braços, lavo minha vasta cabeleira com xampu, esfrego o sovaco, o saco, arranco uns pelos e uns pentelhos para deixar no boxe para irritar minha irmã, dou risada imaginando ela braba, tiro todo o sabonete do corpo, desligo o chuveiro. Saio do banho assobiando Carnaval no Alegrete, escovo os dentes, seco bem a boca. Abro a porta do banheiro e dou de cara com a empregada, que solta um grito:
- Ahhhhhh!
Eu me apavoro e também grito:
- Ahhhhhh!
Ela fecha os olhos, tampa-os com as mãos, e vira-se de costas para mim. Percebo que estou nu.
Mas, como diria Raul Seixas, também acho que isso é um sinal de que algo está para acontecer.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Quem é Eduardo Ritter Molarinho??

Manja quando você começa a escrever uma palavra no Google, e ele sugere o resto? Do tipo, você começa a escrever “Brasil” ai aparece como sugestão de complemento “telecom”, “telecom torpedo”, “urgente”, "rodovias", "putarias" e por aí afora? Então, sempre que vou escrever Eduardo Ritter no Google (às vezes dou uma checada) aparece como sugestão “Molarinho”. E há tempos eu me perguntava “quem é Eduardo Ritter Molarinho”. Outra vez, meu primo Gérson achou um homônimo meu, poeta panamenho, se não me engano. Inclusive, escrevi sobre ele aqui e tal. Mas hoje, sem nada para fazer, com a cabeça cheia de passar o dia em função da dissertação de mestrado, resolvi pesquisar no Google quem era o famoso Eduardo Ritter Molarinho.
Na verdade descobri três coisas sobre o cara:
1) trata-se de um concurseiro, pois todas as referências são em sites de listas do tipo “inscrições deferidas”, “aprovados no concurso tal”; e tem referências até no site do Portal da União e do Portal do Concursado.
2) o cara parece que passou em alguns concursos, o que me fez deduzir que, ou ele quer passar em um concurso para um cargo melhor do que o atual, ou ele é maníaco por concursos. Ou de repente ele participe dos concursos só para cantar as concurseiras. Aliás, o papo seria curioso:
- E aí?
- E aí...
- Muito concurso?
- Mais ou menos...
- Tem outro do IBGE mês que vem, você vai?
- Não sei, to pensando ainda, e você?
- Ah, acho que vou. Então, se você tiver de bobeira, me passa teu telefone que estudamos juntos e pá.
- Ah, pode ser. Anota ai, é 9999.....
- Beleza! Você fez aquele da Refap?
- Fiz! Em que sala você estava?
- Na 316 do Colégio Parobé! E você?
- Ah, eu tava na 210 do Julhinho...
- Ah, não foi lá que pegaram uma candidata com um bip escondido na calcinha?
- Foi sim!! Nossa, você ouviu falar dessa?
- Claro! E no concurso do Trensurb, onde você estava?
- Ah, nesse eu tava na sala 288, do prédio 6, da Fapa.
- Sério? Ta brincando???
- Juro! – diz ela, com as mãos nos peitos.
- Eu também!!!
E os dois se olham, e trombetas começam a tocar nos céus, e por aí vai...
Por fim, o terceiro item eu esqueci, mas devo lembrar a qualquer hora. (....) (...). É, não vou lembrar. Enfim, se alguém tiver mais alguma informação sobre o paradeiro de Eduardo Ritter Molarinho, é só falar!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Bobagens, besteiras e baboseiras

Hoje estou disposto a tirar os atrasos de vários assuntos que há tempos queria abordar nesse espaço, porém, vou dividir os temas por itens para não ficar aquele tijolo maçante para os preguiçosos, porém, perspicazes leitores.
1 – Bobagens
Ainda vou fazer um levantamento para ver os temas que mais geram comentários (mentira, porque sempre que falo “ainda vou fazer” ou “um dia quero fazer”, eu nunca faço). Porém, de antemão confirmo aquilo que o professor Jacques Wainberg falava em sala de aula: “o público não quer informação séria, notícia ‘sem-graça’. O público quer entretenimento”. E é a mais pura verdade. Os maiores picos de comentários são quando escrevo sobre minha alergia a ovo, xingo o Arion, conto histórias malucas como o Carnaval no Rio, ou doideras na Serra Gaúcha, enfim, quanto maior a bobagem, maior o número de comentários. Aliás, nos últimos três textos escrevi sobre temas sérios, e o único a comentar foi meu primo Gérson. Vejam o que ele escreveu:
“Porra alemão, futebol e texto sério ninguém comenta. Então, to comentando aqui pra dizer que tem texto novo no meu (blog). Comenta lá também. Até porque o texto é sério e ficará ao relento”.

2 – O e-mail
Ainda falando em bobagens, escrevi outro dia uma coluna saudosista do Grêmio do Felipão no Jornal das Missões, comparando alguma coisa de futebol com broxar (não me recordo bem o quê), e todas as bobagens que escrevi resultaram num e-mail indignado de um leitor. Vejam vocês as cordiais palavras do sujeito:
“Sinceramente, não acredito que você seja pago pra escrever essa coluna. Uma tentativa frustrada de copiar David Coimbra, é isso que você é. Comparar mulher com futebol? Isso o D. C. já faz a mais de 10 anos. Seja original. Agora tem algo em que você consegue ser ainda mais inferior ao D. C. (e não é o português): a nostalgia quanto ao seu time de coração. Querer reviver Goiano, Dinho e etc diante do Santos de hoje é no mínimo cinismos dos triste. Procure um psiquiatra. Você sofre de Gremismo dos anos 90 agudo. Pode levar a morte por ilusão”.
Vejam vocês. O título do e-mail é “quanta bobagem”. Sinceramente, considerei tudo isso que ele escreveu um tremendo elogio. E ele também deve se sentir elogiado por ter se irritado com meu texto, afinal, está escrito ali, no meu perfil ao lado: “Irritar pessoas reconhecidas e inteligentes é um semi-orgasmo. Irritar pessoas burras e ignorantes é um tédio”. No caso, ter irritado esse leitor foi um semi-orgasmo.
No entanto, resolvi responder ao leitor com as seguintes palavras:
“Olá, obrigado pelo e-mail. Quatro considerações:
1) Não recebo nada do jornal.
2) Conheço o Davido Coimbra pessoalmente, e na verdade, o estilo dele é anterior a ele e ao próprio Nelson Rodrigues, considerado o "pai" desse estilo.
3) Já vou ao psiquiatra
4) Quase morri do coração há pouco tempo, sei dos riscos que corro pelo meu gremismo dos anos 90 (e isso é sério mesmo, não é piada).
De qualquer forma, obrigado pela lembrança. Um abraço”.
Esperava até uma resposta dele, para iniciarmos um diálogo construtivo, mas não recebi. Dia desses ainda mandei o link do blog, iniciando com um tradicional: “aproveitando a oportunidade, eu tenho um blog no site de um jornal...”. Acho que ele também se irritou com esse e-mail...

3 – A intelectualidade da editora do CORREIO DO POVO
Quando se está por baixo, qualquer um te pisa como um cachorro. Isso é fato. E isso ocorreu comigo no ano passado várias vezes, quando estava procurando emprego. Você se desgasta de mandar e-mails, currículos, ligar de orelhão gastando o que não tem, conversando, argumentando, tentando vender seu peixe inutilmente. No entanto, numa dessas, a super-paciente e intelectual editora do jornal Correio do Povo, que ainda aposta em notícias curtas e simples em tempos de internet, respondeu a um e-mail meu, onde expliquei a minha situação, enviei um currículo em anexo, e me deixei a disposição para passar lá na Caldas Júnior, em Porto Alegre, e deixar um currículo para ser avaliado para uma possível vaga de emprego. Eis a resposta dessa editora, que, segundo informações de um repórter que trabalhava lá no ano passado (na qual vou usar o direito previsto no Código de Ética do Jornalismo Brasileiro de preservar a fonte), quando surgiram os casos de gripe A, mandava esse repórter ir até o hospital e não voltar de lá sem nenhuma informação que não fosse números de novos casos, mesmo que esses números não existissem. Eis a resposta, simples e grossa, dessa quase madrinha da ética do jornalismo brasileiro:
“Deixar’ é uma plavara forte pra mandar por email. Tens uma colega de turma, nossa repórter, que realmente ‘deixou’. É um dos critérios”.
Agora, qualquer um que for procurar a palavra “deixar” no dicionário, vai encontrar lá, entre outros significados, o seguinte: largar, soltar, entregar nas mãos de outrem, e assim por diante. Dando seqüência à história, eu acabei indo ao Correio duas vezes após esse e-mail (as duas com indicação) e sequer me chamaram para um teste. Antes disso, eu já havia ido lá outras duas vezes, logo depois que me formei. Ou seja, eles têm três ou quatro currículos meu em seus arquivos, e nunca me chamaram sequer para uma entrevista. Mas agora, fazendo a dissertação, com a cabeça fria, lendo livros, autores, textos e histórias de qualidade concluo: não estou perdendo muita coisa. Não sou ninguém, porém, lembro-me de histórias como a de Lima Barreto, e de frases como essa, de Jack London: “Fui sempre implacavelmente explorado. Até que escolhi o meu lado!”. E agora posso dizer sem papas na língua: escolhi o meu lado!

sexta-feira, 19 de março de 2010

O duplo olhar de uma Coluna que assombrou e chacoalhou o Brasil

Ainda não tinha postado esse texto que ganhou o concurso literário do Jornal das Missões em homenagem ao Prestes, que escrevi no ano passado. Foi uma das poucas vezes em que um texto me rendeu alguns trocos, um DVD e um mês de academia (que ainda aguardo a médica me liberar para fazer). Ele foi escrito em outubro com o título: "O duplo olhar de uma Coluna que assombrou e chacoalhou o Brasil" mas o resultado só saiu em dezembro, sendo publicado lá por janeiro ou fevereiro no JM, e agora sim, no blog! Segue:

Analisar hoje, em 2009, se o movimento da Coluna Preste foi herói ou vilão, é como dizer se um ponto loiro vindo lá de longe, trata-se de uma moça esbelta e provocante que se aproxima em uma saia sumária, ou de um rapaz pós-moderno de cabelo comprido com calção de jogar futebol, andando tranquilamente. E dar juízo de valor a isso, é como, ao ver o ponto loiro se aproximar, constatar que se trata de um rapaz de cabelo cumprido, e dizer se esse rapaz é um rebelde com ou sem causa. Para tentarmos responder a essa questão, recorremos a duas versões distintas do fato, ou melhor, do movimento. Na primeira, nos baseamos na série de matérias publicas por Eliane Brum em 1994, na Zero Hora, que resultou no livro Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofício). Já na segunda, a visão é do próprio Luiz Carlos Prestes, que teve os seus discursos na sua última vinda à capital das Missões, em 1984, transformados no livro O Retorno de Luiz Carlos Prestes a Santo Ângelo, publicado pela EdiURI..
Começando pela versão da Eliane Brum, que percorreu a trajetória feita pela Coluna Prestes, desde a saída em Santo Ângelo, entrevistando idosos que na época da coluna eram crianças ou jovens, e também entrevistando integrantes da Coluna, que relataram como as coisas funcionavam no “front”, nós podemos imaginar mais ou menos a seguinte situação:
Pais, avós e duas crianças em uma casa distante da cidade, em alguma localidade qualquer do interior. Chega um grupo com centenas de homens sedentos e famintos, que estão muito tempo longe de suas esposas, bêbados, tomando cachaça misturada com pólvora. Muitos estão cansados e loucos para voltar para casa. Para manter o controle do grupo, o líder daquele grupo, ou subgrupo, libera o saque, mas pede para que respeitem os integrantes da família. No entanto, que controle poderia haver? O marido é trancado num quarto, as crianças e os avós em outro, e a mulher é abusada por alguns soldados, que a arrastam até um canto escuro, embaixo de uma árvore, enquanto Prestes descansa, deitado, no meio da sala. Antes de partirem, eles derrubam uma vaca e enchem a barriga para seguir viagem. Os homens de Prestes levam os moradores do local até ele, que pede desculpas pelo “transtorno”, diz que é por uma boa causa, e segue viagem de consciência tranqüila. Para ele, aquela família é formada por heróis, cidadãos honrados, que devem servir de exemplo! Já para aquela família, aquele foi o pior dia de suas vidas, um verdadeiro pesadelo que nunca se apagará da memória, bem como também não se apagará da memória dos soldados. “Eu era meio ruim. Mas eu era obrigado a ser ruim”, disse seu Hermogêneo à repórter Eliane Brum, em 1994, quando estava com 89 anos, morando em Santo Ângelo. Ele contou ainda que era impossível abandonar a Coluna: “Voltar eu não podia. Nos tiravam o fuzil e nos largavam para trás para sermos mortos. Era assim, só sabe quem passou. Pra encurtar este causo, dona, eu só vou lhe dizer que se tivesse uma toca, dessas de tatu, eu enfiava a minha mulher e todas as minhas filhas dentro e ficava só com a cabecinha de fora. E aí terminava pra mim a Coluna Prestes”, acrescentou, na matéria de Zero Hora. Portanto, tem como dizer, sob esse ponto de vista, que a Coluna Prestes não foi vilã?
Já Luiz Carlos Prestes, no seu retorno a Santo Ângelo, explicou a versão revolucionária para tudo o que foi feito, a luta contra a fraude eleitoral que levou Artur Bernardes à presidência da Republica, as injustiças sociais, a opressão e tudo o que estava transformando o Brasil em um país ditatorial impossível de se viver. Aliás, toda a revolta surge da quebra de liberdade. Pode ser desde uma revolução militar, até a da filha adolescente que os pais não deixam fazer nada. Revolta é sinônimo de luta contra a opressão e contra a injustiça. E no seu relato, ele revela detalhes sobre essa marcha, que não cabem aqui, mas que são muito ricos. Sob esse ponto de vista revolucionário, a coluna foi heróica.
Por fim, analisando os dois lados, considero tudo o que foi feito muito mais próximo do vilão, do que do herói. Justamente porque o herói ataca o inimigo, aquele que promove a injustiça. E não civis desprotegidos que, por mais que possa ter sido apenas alguns, já transforma o movimento em vilão. Se fosse herói, o alvo seria os que estavam nos seus palácios, na então capital Rio de Janeiro. Mas, como em todas as guerras, a civilização é mandada para o espaço. Essa é a minha visão, pelo menos até o ponto loiro chegar mais perto dos meus olhos.

terça-feira, 16 de março de 2010

Lista legal, mas questionável (título da porra, nunca acho títulos bons...)

Estou lendo um guia da LPM, que publicou o livro “100 autores que você precisa ler”. O grifo faz parte do título. Não cheguei a contar, mas desses 100 autores devo ter lido uns 8, no máximo 10, e devo ter ouvido falar de uns 40, mais ou menos. Outra hora, quando tiver tempo e paciência, vou fazer um levantamento mais exato dessa estatística. No entanto, isso fez, obviamente, com que eu me sentisse um tanto burrinho.
Apesar dos pesares, tive algumas discordâncias com a tal lista, como por exemplo, o fato de Clarice Lispector e Eça de Queiroz estarem entre os 100, e Erico Verissimo, não. Sou suspeito para ter essa opinião, mas o fato é que, os livros que tentei ler da Clarice não me agradaram mesmo, enquanto o Erico tem uma obra ampla e muito qualificada. E outra: James Joyce é chato pra caraí. Tenho aqui em casa “Dublinenses”, li todinho, entendi cada linha, mas as histórias são simplesmente chatas demais. “O Retrato de um artista quando jovem”, não cheguei a ler inteiro. Não conseguia ficar acordado mais de 15 minutos lendo aquelas pesadas linhas. Opinião, opinião. Mas óbvio que o autor de Ulisses não poderia ficar de fora da lista. Um dia ainda vou tentar ler esse livro para ver se salvo a moral dele comigo.
Entretanto, essa lista toda tem o outro lado. Por exemplo, lendo sobre diversos autores que tinham histórias interessantes, fiquei louco para lê-los. Alguns eu já conhecia, outros apenas tinha ouvido falar, e um terceiro grupo, nem imaginava que existia. Por exemplo: Aldous Huxley eu já tinha curiosidade de ler por ser citado pelo próprio Erico, entre outros, pelo famoso (pelo menos no meio jornalístico) “Contraponto”. Agora fiquei ainda mais curioso para lê-lo. Outro autor clássico que fiquei louco para ler é D. H. Lawrence. Veja o trecho que fala sobre um de seus livros: “Seu livro busca provar que o sexo é a forma de humanizar os homens, restaurando-lhes a verdadeira natureza”. Genial, genial. Vou ter que ler esse livro.
Também encontrei algumas curiosidades sobre obras que acho que nunca vou ler, como por exemplo, o “Frankenstein”, de Mary Shelley. Na verdade ela escreveu esse livro para uma competição entre amigos para ver quem escrevia a história mais assustadora. E apenas com uma única obra, oriunda de uma competição um tanto infantil, ela entrou para a lista dos 100 maiores autores da humanidade.
Outra história curiosa é do Lewis Carroll, autor de “Alice no país das maravilhas”, que era meio Michel Jackson. Veja um trecho da biografia do cara: “Homem aparentemente tranqüilo, solitário e tímido, tinha poucos afetos e cultivou suas amizades especialmente entre as meninas de oito a doze anos de idade, das quais tirou inúmeras fotos, muitas de caráter evidentemente erótico. Participava de suas brincadeiras, criava sempre algumas novas e lhes contava histórias”. Vejam vocês. Aliás, a menina Alice, então com 10 anos de idade, foi uma dessas amiguinhas de Carroll, que na verdade era o pseudônimo de Charles Lutwidge.
Bom, mas como esse texto está ficando grande demais, e sei que o nobre leitor tupiniquim contemporâneo, bem como eu, tem preguiça de ler textos extensos no computador, vou colocando um ponto final. Au revoir!

segunda-feira, 15 de março de 2010

Recomeço

O coração sangra
Uma lágrima cai
Você lembra de tudo
O que passou
E chora
Então você pensa por dois minutos
E conclui que não pensa em nada
Apenas no seu olhar
No seu sorriso
E o coração novamente sangra
E deseja morrer
Parar por apenas alguns instantes
Para depois respirar fundo
E recomeçar
Tudo de novo...

Libertinagem canina


Estava eu aqui, meia-noite e 35, boisiando na internet, quando fui conferir os comentários do último post e vi a pergunta do meu amigo Thales: por que os cães ficam grudados? Lembrei-me da minha irmã, que revisando o meu primeiro capítulo da dissertação, antes de eu envia-lo a meu orientador, queria porque queria encher de notas de rodapés explicando tudo que eu falava, já que, como argumentava ela, o leitor não tem a obrigação de saber certas coisas, como por exemplo, quem foi Bernard Shaw (escritor, jornalista e dramaturgo irlandês) ou Rudyard Kipling (jornalista e escritor nascido na Índia em 1865 e falecido em Londres em 1936, autor de “O livro da selva”, aquele mesmo que tinha como personagem Mogli, mais conhecido como o menino-lobo). Mas enfim, eu, como bom jornalista e Ritter cabeça dura, não coloquei as notas e disse que só colocaria se meu orientador pedisse (ele que não leia isso), no entanto, relendo o texto antes, já me convenci que alguns nomes realmente merecem alguma nota de rodapé, como por exemplo, Augusto Meyer, Almeida Garrett, entre outros. Novamente enfim, eu não quis escrever tudo isso, mas agora foda-se, adelante!
Voltando aos caninos, na verdade eu sei que os cachorros ficam grudados, agora, ainda não tenho uma explicação científica para isso. Caso haja algum leitor veterinário (a) desse blog, gostaria de um auxílio. Pelo que sempre ouvi falar, há várias explicações populares para o fenômeno. Vou apresentar algumas, e o Thales, como os demais leitores, podem votar na mais coerente. Vamos à elas (caralho, to sentindo que aos poucos começo a escrever muito academicamente, tenho medo disso):
1) Enquanto trepam, o pênis do cachorro incha, e o gozo do cusco seria mais longo do que o de nós, meros humanos. Então o bicho velho ejacula e depois precisa esperar desinchar para retirar o pênis do órgão genital feminino (feminino?) da cadela (sem ofensa...);
2) Eles ficam grudados apenas, e somente se, por acaso, a foda deles for interrompida por um acontecimento brusco, como por exemplo, se algum pirralho chegar berrando que quer brincar junto de trenzinho e espanta os amantes. No caso, o guaipeca atinge tal nível de excitação que seu pênis fica tão grande que gera dificuldades dele livrar o dito cujo da cavidade anterior da cã (gostei desse nome), sendo o cagaço o maior responsável para tal fenômeno. Assim, como na justificativa anterior, ambos tem que ficar esperando, pacientemente, o tamanho do troço diminuir para, então, desgrudarem-se;
3) Porque no auge da libertinagem e da pressa, ao invés de esperma, o cão libera superbonder;
4) Porque a cadela fica com vergonha de despachar o cachorro e dizer que está com dor de cabeça e não quer mais saber de sexo, enquanto o cachorro fica lá dentro, no quentinho, esperando a retomada de fôlego para recomeçar o amor.
Enfim, acho que deve ser por algum desses motivos.

domingo, 14 de março de 2010

Crise de teorias


Estou em crise de teorias. Ou melhor, não encontro mais teorias para explicar os fenômenos terrestres e extraterrestres na qual me deparo diariamente. Quando eu estava em Bento, ou em Porto, sem muito tempo para escrever, sobravam teorias e idéias. Eu via um cachorro trepando na frente da fonte de vinho, na Via Del Vino, em Bento, e criava toda uma teoria para entender aquilo. O cachorro passou pela cadela, que estava olhando o vinho jorrando, pensando “que porra é essa”, quando ele parou ao seu lado e perguntou:
- Ei, que porra é essa?
E a cadela respondeu:
- Não sei.
E os dois se olharam, ele sentiu o cheiro do cio, ela resistiu um pouco, mas, com um pouco de paciência e perspicácia do canino macho, logo eles estavam trepando para depois ficarem grudados, expostos a todos os olhares curiosos, sem estar nem aí para a garotinha que passava e perguntava para a mãe:
- Mamãe, por que aqueles cachorros estão grudados de costas um para o outro?
- Um dia você vai entender, minha filhinha... por enquanto pense que é uma coreografia para uma dança canina de cães mágicos de uma terra mágica que....
E por aí vai. Agora não. Eu vejo as coisas e acho tudo normal. Dois cachorros grudados: ah, eles treparam e estão grudados, e daí? Pessoas ao meu redor comentam: “você viu que a fulana traiu o ciclano com aquele cara que todo mundo achava que era gay?”, eu acho normal. Aí, descubro que na verdade o fulano e a ciclana são personagens da novela da Globo, e também acho normal. Aí dizem que o filho do sargento machão é gay e anda dando até para o padre da Paróquia Santo Alguma Coisa, e também acho normal. Vejo um gato latindo e um cachorro miando, e está tudo ok! Hoje mesmo, voltávamos de viagem, quando vimos uma senhora de idade dura de bêbada, cambaleando pelo meio da rodovia, uma BR ou RS alguma coisa, e enquanto todos se escandalizaram com a cena, pois possivelmente a pobre senhora seria atropelada por algum caminhão mais empolgado, acabei achando tudo aquilo normal. Até entendi a próxima. Ela estava bêbada andando por uma rodovia, só isso, entendem?
Agora, tem uma coisa que estão me intrigando: tenho que ficar mais um mês e pouco sem tomar Coca-Cola, café, guaraná, chimarrão e bebida alcoólica. A Coca, o guaraná e o chimarrão, beleza. Agora, o café e a bebida alcoólica... Eu sem tomar isso, bom, isso ainda não consegui achar normal! Mas em dois meses quem sabe eu bole alguma teoria para explicar uma coisa dessas...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Ferdinando e o empreendimento amoroso

Esse texto é um tanto extenso, pois foi escrito no ano passado para o Concurso Literário de Contos de Paranavaí na qual eu não ganhei nada. Enfim, como o texto tava apodrecendo aqui no computador, resolvei compartilhar com os milhões de leitores espalhados pelo mundo inteiro. Inscrevi com o pseudônimo de Hércules Oliveira e com o título dessa postagem. Segue aí o dito cujo:

A vida de Ferdinando mudara naquela noite de agosto, quando foi até a loja de conveniência do posto de gasolina próximo à sua casa. Pela porta de vidro, viu aquele carro estacionado onde estava estampado no vidro lateral traseiro: Marido de Aluguel. Embaixo, seguia o telefone, o endereço eletrônico e o site do cidadão. Parecia que naquele momento ele encontrara a resposta para todos os seus problemas. Há poucos dias havia sacado a última parcela de seu seguro desemprego, e já não sabia mais onde procurar emprego para ganhar dinheiro suficiente para pagar a pensão e as refeições diárias. Desde que sua mãe morrera, quando tinha 18 anos, passou a se virar por conta. Já o pai, sequer conhecera. Simplesmente um solitário, um andarilho, um flânuer de espírito, mas que tinha que trabalhar para tirar o seu sustento. E agora, naquela noite fria de agosto, por meio de um passe de mágica, arranjava uma forma de sustento, e de quebra, uma diversão extra. “Grande idéia! Gênio!”, se congratulava mentalmente.
Porém, enquanto entrava em uma rua estreita e escura, como que num estalo, veio à sua mente a imagem da namorada. Maldição. Tinha esquecido de Micheli. Como seria um marido de aluguel com namorada? E como a namorada aceitaria a nova profissão de Ferdinando? Chegou na pensão e, ao entrar, sequer cumprimentou a dona Jaqueline, proprietária do estabelecimento. Subiu as escadas e seguiu reto para o seu quarto, de cabeça baixa, pensativo. Por um lado, encontrara a solução para o seu problema financeiro. Fazia meses que despejava currículos para todos os cantos de Porto Alegre. Além de entregar o currículo, sempre ligava depois, perguntava se haviam sido abertas novas vagas, mas sempre a mesma resposta:
- Infelizmente estamos com o quadro completo no momento, mas assim que abrir alguma vaga, entraremos em contato.
- Não tem como me indicar para outra empresa?... qualquer coisa, estou precisando muito... – insistia.
- Pode deixar que se soubermos de algo, ligamos para você.
- Muito obrigado... – murmurava, com a voz quase inaudível, e já imaginava que ao desligar o telefone a atendente olharia maldosamente para o seu currículo, amassaria aquele pedaço de papel, enquanto seguiria lixando as unhas com a consciência tranqüila.
Pediu ajuda para todos os conhecidos, ex-colegas da escola bem sucedidos, como o Rafael, mais conhecido como Cabeção, que era vereador. No entanto, desistiu de procurá-lo. Toda a semana era a mesma ladainha: “fica tranqüilo que tudo dá certo ao seu tempo. Vou dar um jeito e te conseguir algo, só ter um pouquinho de paciência...”.
Para o diabo o Cabeção. Para o diabo os empresários. Para o diabo as atendentes! Pois agora Ferdinando havia encontrado o seu sucesso: seria marido de aluguel. No entanto, como não era um expert em consertos caseiros, como chuveiro queimado, cano quebrado e pia entupida, não seria um marido de aluguel como os outros. Mas também não queria ser um garoto de programa. Está certo que estava com 26 anos, tinha um corpo malhado e admirável, rosto bem desenhado, cabelo curto estilo militar, além de um belo dote. Porém não se via indo para cama com coroas ou homossexuais. Nada contra, apenas não fazia o seu estilo. Portanto, seria um acompanhante para eventos. Até chegou a ver mentalmente o anúncio estampado nos classificados da Zero Hora dominical: “Hércules, marido de aluguel. Para você, mulher de 20 a 40 anos que está sozinha e precisa de um acompanhante para qualquer evento: casamentos, aniversários, missas, velórios, formaturas, etc. Ligue já!”. Refletiu por um minuto e achou melhor tirar o velório e o “ligue já”, alguém poderia confundir com o Walter Mercado. Pela situação em que se encontrava, Micheli entenderia. Até porque ela sempre dizia que queria casar logo, ter filho em pouco tempo, comprar casa, etc, etc, etc... Mas para isso era preciso dinheiro, e dinheiro era algo que ele não tinha. Pensou num preço... R$200 por evento, um bom preço. Só para acompanhar durante o evento...
Um bom dinheiro, conquistado com facilidade. Lembrou dos papos das amigas da Micheli, que se queixavam que faltava homem em Porto Alegre. “Vejam vocês! Só tem mulher nessa cidade! Não tem um homem nem para um passeio, quem dirá para um motel!” disse certa vez Vanessa, sua cunhada solteirona. Certamente mercado havia aos montes...
A partir de então, passou a planejar uma forma de contar para Micheli. No entanto, aos poucos ele começou a imaginar o diálogo:
- Amor, consegui um emprego...
- Eba! – diria ela, eufórica, enchendo-lhe de beijos, e pendurando-se em seu pescoço – Eu sabia meu amor! Sabia que você ia conseguir! Que emprego é? – perguntaria com um brilho encantador nos olhos.
- Be-bem – já gaguejaria, como sempre gaguejava ao ter que desmanchar aquela alegria tão contagiante que Micheli tinha – na verdade, vou montar um negócio.
A alegria de Micheli aos poucos vai se dissipando. Ela murmura:
- U-um negócio?
- É, um negócio. Só você vai ter que entender e vai prometer que não terá ciúmes...
- Co-como assim benzinho? Que papo é esse...
Ferdinando respira fundo e solta num suspiro:
- Vou ser marido de aluguel.
E então, começa o escândalo. Ela o chama de cachorro, sem-vergonha, traste, nigromante, mentecapto, filho de uma égua, desgraçado, que vá viver sozinho, com suas amantes cheias do dinheiro!
Um frio faz com que ele se arrepie do dedão do pé até o último fio de cabelo, abrindo os olhos, despertando de sua imaginação. Não. Melhor não contar. Afinal, a família dela é de Canoas, e geralmente eles vão para lá na quinta-feira e só voltam no domingo. Resolve mudar de plano: trabalhará justamente de quinta-feira até domingo, assim, ela vai para Canoas sozinha. Mas que desculpa inventar para ficar em Porto Alegre? Lembrou do bar do tio Malaquias. Aliás, o tio Malaquias sempre foi o seu maior parceiro para tudo. Certa vez, Ferdinando foi numa festa e não voltou para casa, e no outro dia pediu para o tio Malaquias dizer para Micheli que havia pousado lá. E não é que o velho encarnou o papel e desempenhou-o com perfeição? Aí está! Pediria para o tio Malaquias dizer para a Micheli que estava empregando Ferdinando para trabalhar em seu bar de quinta-feira a domingo. Perfeito! Gênio, gênio. A vida de Ferdinando estava resolvida. Após comer um resto de pizza e assistir a mais uma derrota do seu Grêmio jogando fora do estádio Olímpico pelo Brasileirão, Ferdinando adormeceu como um anjo naquela noite, como há muito não dormia. No auge do desespero por um emprego, chegou a torcer para que o surto da gripe suína se espalhasse rapidamente, causando o maior número de vítimas fatais possíveis para ver se abriria assim alguma vaga em alguma empresa. No entanto, tentou apagar essa terrível idéia da cabeça com uma boa dose de Velho Barreiro, que era a única bebida que seu dinheiro permitia comprar.
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Na manhã seguinte, Ferdinando despertou feliz, como há muito não acordava. Precisava colocar seu plano em prática. Iria falar primeiro com o tio Malaquias, para depois contar a novidade para a Micheli. Inclusive, lembrou que certa vez ela havia lhe sugerido para que pedisse emprego ao tio Malaquias. Entretanto, como sempre gostava de contrariar as sugestões da namorada, acabou descartando logo essa hipótese. Pois agora ele aproveitaria a brecha deixada pela namorada para montar o seu próprio negócio às escondidas. Depois de resolvido esse impasse, iria pessoalmente até o prédio da Zero Hora para comprar o espaço necessário para a publicação do anúncio. Não tinha muito dinheiro, mas sabia que tinha para esse investimento, afinal, ganharia muito mais após os primeiros serviços prestados.
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Durante a manhã passou maquinando cada passo de seu novo trabalho. Não faria programas, isso era certo. O serviço incluiria de tudo: beijos durante o evento na frente dos outros, dança, abraço, piadas, conversas, risos, tudo, menos sexo. E todos os gastos com o encontro, como o transporte, a comida e a bebida seriam arcados pelas clientes. R$200 mais os gastos do encontro, que não incluem sexo. Afinal, para ele, a traição só é consumada através do sexo. Sob esse ponto de vista, nunca havia traído Micheli em 5 anos de namoro. Ele amava Micheli e estava fazendo tudo isso por ela. Certa vez, comentara com o tio Malaquias: “Tio, por mim eu seria mendigo. Poderia morar na praça, dormir em cima de jornais, pedir esmola o dia inteiro. Não me importaria. Mas quero ser feliz com a Micheli. Quero torná-la a mulher mais feliz do mundo, e faço o que for preciso para isso!”. Tio Malaquias, casado há 35 anos com a tia Jussara, soltou então uma sonora e divertida gargalhada, e por fim disse: “Não diga asneiras, guri! Pense em você, senão ela vai te dar um belo par de chifres e um bom pé na bunda. Mulher gosta de homem que pensa e age por si mesmo”. No fundo, Ferdinando sabia que o tio tinha razão, e sabia que faria isso independentemente da existência de Micheli em sua vida ou não.
Depois de pensar nisso tudo e de almoçar, Ferdinando foi até o bar do tio Malaquias. Explicou-lhe todo o seu plano, enquanto o velho ouvia atentamente, coçando o cavanhaque com ar curioso. Ferdinando alternava o seu olhar do cavanhaque para a careca, que reluzia sob a luz do teto do bar. Quando terminou de contar o plano, o velho disse:
- Olha guri, eu sempre te achei esperto o bastante para ser o miserável, financeiramente falando, que és. Por isso, apesar da idéia ser surpreendente, não me espanto de ouvir isso de ti. E é justamente por isso que vou te ajudar. Pode mandar a Micheli falar comigo que farei exatamente o que você me disse. E caso ela apareça aqui num dos dias combinados, eu digo que te mandei fazer algum serviço.
Ferdinando não acreditava no que ouvia. Teve vontade e beijar a careca do tio e passar a mão na sua abundante pança. Agradeceu o tio infinitamente, não se contendo de felicidade. E aproveitando essa alegria e entusiasmo, tratou de ir falar imediatamente com Micheli.
****************
- Jura amor? – perguntava ela, não se contendo de alegria, enquanto ouvia a novidade da boca de Ferdinando.
- Sim! O tio me contratou! Só tem um problema, minha rainha. Terei que trabalhar de quinta-feira a domingo. É o único horário que o tio tinha para mim.
Micheli ficou murcha por um segundo, mas logo se reanimou:
- Ah, mas é só por um tempo, né meu amor!? Logo as coisas se ajeitam e a gente vai poder casar!
Os dois se abraçaram ternamente, e ela lhe deu um longo e demorado beijo, e quando a noite chegou, ambos não dormiram antes das cinco horas da manhã, comemorando calientemente o novo emprego de Ferdinando.
No dia seguinte, depois que Micheli deixou a pensão de Ferdinando para ir para a aula, ele tratou de pegar o primeiro ônibus que passasse pela Ipiranga, em frente à Zero Hora. Desceu no jornal e fez todo o acerto necessário. Disse para Micheli que teria que ficar em Porto Alegre já naquele final de semana para trabalhar. Então, na quinta-feira ela seguiu sozinha para Canoas. No final da tarde de sábado, Ferdinando já estava parado no sinal em frente ao prédio de ZH para comprar a edição de domingo, quando o jornaleiro chegou.
- Me dá uma! – berrou ao avistar o rapaz vestido de amarelo com uma pilha de jornais.
Correu até a parada de ônibus, e enquanto esperava a condução, achou os classificados. Perdeu dois ônibus até encontrar o seu anúncio. Lá estava:
“HÉRCULES – marido de aluguel: acompanhante para eventos, 26 anos, moreno claro, para mulheres de 20 a 40 anos. Se você quiser alguém para lhe fazer agradável companhia em casamentos, festas de aniversário, missas, formaturas, ou para um simples passeio ou viagem curta, ligue para....”
O coração quase saiu pela boca de Ferdinando. Olhou para o celular, para ver se já havia alguma ligação, mas não. Ainda era cedo. As suas potenciais clientes ainda nem tinham recebido o jornal em casa. Hércules. Gostou de seu pseudônimo. Másculo, heróico, criativo, divertido. Um bom acompanhante para as solteiras desse Brasil afora.
Voltou para a pensão e dirigiu-se euforicamente para o seu quarto. Quem seria a primeira cliente a ligar? Será que seria uma jovem de 20 e poucos anos ou uma mulher madura de quase 40 a procura de uma companhia agradável? Para onde o levaria? Para um aniversário? Uma formatura? Ou para um velório, mesmo sem constar no anúncio? Ferdinando riu da hipótese. Estava feliz. Tudo era motivo para risos...
No entanto, a noite de sábado terminou, a madrugada de domingo começou, e seu telefone não tocava. Na manhã seguinte, acordou tarde, quase ao meio-dia. Após o almoço, meio sem saber no que pensar, ouviu o telefone tocar.
- Alô – atendeu precipitadamente, sem ver no visor que número era.
- Oi meu amor! Como foi no primeiro dia de trabalho?
A mente de Ferdinando virou uma confusão. Demorou um pouco para cair a ficha de que aquela voz era a de Micheli e que o trabalho era referente ao bar do tio Malaquias. Após alguns segundos de hesitação, ele conseguiu formular uma frase que fizesse algum sentido:
- Fo-fo-foi bom. Gostei. Só estou um tanto cansado, nem sei o que pensar direito.
- Ora, meu amor. Então descansa, estou muito feliz de você estar trabalhando. E o tio falou quando vai te pagar?
- Pa-pa-gar? Ah, sim, pagar. Então... Não, nós combinamos de ver como eu iria me sair nessa semana... mas ele vai pagar esses dias que estou trabalhando sim...
- Hmmmm. Estou torcendo por ti meu amor. Boa sorte...
E depois de conversarem sobre outros assuntos, ela finalmente desligou. Na noite de domingo para segunda, Ferdinando não dormiu. Pegou no sono às 5 da madrugada. Por que ninguém ligava? Será que havia passado erradamente a sua mensagem? Chegou a cogitar que ninguém havia lhe procurado porque o anúncio saiu na edição de domingo, ou seja, as clientes o procurariam somente para o próximo final de semana. Passou a segunda-feira pensando no assunto. Na terça, já cogitava voltar a procurar outros empregos, porém, na quarta-feira seu telefone tocou, e dessa vez não se tratava da Micheli...
- Alô – disse Ferdinando.
- Alô. Hércules?
- Er.. sim. Hércules às suas ordens... – disse meio sem pensar, tentando desvendar a idade da interlocutora.
- Então, eu vi seu anúncio no jornal, e gostaria de saber quanto você cobra.
- Para que tipo de serviço você deseja? – ao ouvir a própria voz fazendo a pergunta, chegou a não se reconhecer. De onde tirara tanta confiança?
- Eu tenho uma festa para ir hoje à noite... com umas primas minhas de fora.. e queria dizer para elas que estou namorando... então pensei em te contratar...
“Maldição! Hoje de noite... justo hoje que a Micheli ficou de posar aqui na pensão para ir amanhã para Canoas...”
- Hoje?
- Sim.
- Er... Que horas são?
- Três da tarde...
Ainda dava tempo de cancelar com a Micheli. Mas e se a diaba aparecesse no bar para vê-lo trabalhar? E agora, meu pai?
- Hmmmmm. Então, é que eu atendo de quinta a domingo... Mas posso ver se desmarco o compromisso que tenho para hoje. Posso te retornar mais tarde?
- Sim, mas quanto você cobra?
- Duzentos reais.
- Quanto!?!??
- Duzentos...
- Nossa. Acho que vamos deixar para a próxima. Bom, nos falamos. Tchau.
E desligou o telefone. Diabos. Duzentos... Por que não falou cem? Merda. Perdeu a primeira cliente. Mas o negócio funciona! Alguém haveria de ligar até o final de semana! E então, ele seria o marido perfeito! Porém, duas semanas se passaram e nada. Já estava procurando emprego novamente e pensando em uma desculpa para dar para a Micheli, quando numa quinta-feira seu celular tocou e novamente não se tratava da namorada...
- Alô.
- Alô. Quem está falando? – perguntou uma voz feminina.
E agora? Quem fala? Hércules ou Ferdinando. Não teve muito tempo para pensar e respondeu:
- Hércules.
- Ah... oi. Meu nome é Paula. Vi seu anúncio no jornal... Como funciona?
- Então, para que serviço você precisa?
- Eu tenho uma festa de casamento no sábado, de uma amiga minha, e todos pensam que estou namorando... enfim, você deve estar acostumado com isso... queria ver quanto você cobra e se tem alguma foto sua na internet para eu dar uma olhada?
Até hoje Ferdinando, ou Hércules, não sabe de onde foi tão ágil ao ponto de responder de bate pronto:
- Você fala daonde?
- Do Bonfim.
- Posso ir até aí daqui uma hora, você me vê, e combinamos o preço.
- Hmmmm. Ok – respondeu ela.
Em uma hora, Ferdinando chegava ao endereço indicado, muito bem arrumado e usando o perfume novo que havia ganhado de Micheli na semana anterior.
- Oi! – exclamou Paula ao abrir a porta de seu apartamento.
- Olá! – respondeu Hércules, com um sorriso estampado no rosto, provavelmente por ver que a cliente tinha a sua idade e era mais linda que as mais ardentes loiras que habitavam os seus mais loucos sonhos nas noites de saudades de Micheli.
- Pode entrar.... Então. Eu quis te ver antes, pois, como você vê, não sou nenhuma senhora idosa ou gorda encalhada...
- Estou vendo...
- Por isso também queria ter certeza de que você é... digamos... do meu nível.
Ferdinando, que a essas alturas havia encarnado uma espécie de Don Juan, ficou impassível esperando o resto do diálogo. O sorriso de Paula lhe soou como uma aprovação.
- Então – continuou ela – eu tenho essa festa no sábado. Faz pouco que terminei com meu ex-noivo, e não sei porquê cargas da água espalhei para todo mundo que estava namorando... acho que é porque meu ex-noivo vai estar nessa festa, e não quis ir sozinha... pois ele.. ele... está namorando outra...
- Entendo...
- Mas, como você me parece ser bem simpático, além de ser bem bonitinho, gostaria de saber o seu preço?
“Avejesusmariajosé! Uma mulher dessas, loira, bronzeada, de olhos azuis, simpática, sedutora, gostosa, e tudo mais de bom, perguntando o meu preço?”, pensou Ferdinando, que tratou de se recompor do golpe para voltar a ser o Hércules. O que responder agora? Ferdinando até pagaria para sair com aquela mulher! Nunca se sentira assim, desde que começara a namorar Micheli. Caso falasse “duzentos”, poderia espantá-la. No entanto, numa olhada rápida, viu que se tratava de uma bela mulher que tinha uma vida financeiramente bem resolvida. Móveis novos, TV de plasma, sacada, peças amplas, tudo em ordem, tudo novo. Arriscou...
- Bem... Como no sábado sempre há uma procura maior pelos meus serviços... vou te cobrar cem reais – respondeu, enquanto seus olhos estavam vidrados nela, numa expectativa digna de uma cobrança de pênalti do seu Grêmio em um Gre-Nal.
Após um breve silêncio, onde Paula refletiu um pouco, ouviu com louvor um “ok, estamos combinados”.
- Er – disse Hércules antes de partir – só tem uma coisinha... Além do valor da companhia, a cliente também arca com todas as despesas e o transporte.
Paula olhou um tanto surpreendida, mas após sorrir, disse:
- Ok, não se preocupe... meu Hércules! Até sábado!
Ferdinando saiu daquele apartamento meio zonzo. Ficar interessado de verdade pela cliente não estava nos seus planos. Mas Paula... era um anjo vindo do inferno! Tinha um sorriso e um olhar angelical, seu corpo o convidava para o pecado, sua voz era como o canto de uma sereia... Tentou pensar em Micheli, mas a namorada não chegava nem aos pés da cliente. Maldição! Chegou na pensão, e ficou trancafiado em seu quarto até o sábado. Quando chegou perto da hora marcada, tomou um bom e demorado banho, secou cada centímetro de seu corpo cuidadosamente, passou o mesmo perfume do primeiro encontro e vestiu o seu melhor terno. Passou gel no cabelo e sorriu em frente ao espelho. Uma grande noite estava por vir...
Chegou na casa de Paula no horário marcado. Ao vê-la, quase caiu para trás. Nunca imaginou que passaria por aquilo em sua vida. Deusa. Deusadeusadeusadeusadeusa. Murmurou entre os dentes, em tom inaudível.
- Oi! – disse ela.
- Olá! – respondeu.
- Nossa. Você está lindo. Acho que vou conseguir fazer um ciuminho naquele traste.
- Certamente! Vamos?
E os dois saíram de braços dados, rumo ao carro de Paula, que mais parecia uma espaçonave recém pousada de outro planeta.
Ferdinando não sabia se estava vivo ou se tinha morrido e tinha ido para o céu. Estava indo para uma festa de casamento, bem vestido, em um carrão e acompanhado por uma loira digna de pousar nas páginas das revistas que ele olhava com seus amigos pelos cantos nos tempos de colégio. Era o ápice de sua vida.
Chegaram na festa e ocuparam logo uma mesa. Hércules foi apresentado para a turma, e ouviu todos os tipos de elogios possíveis das amigas patricinhas de Paula.
- Onde achou esse homem tinha mais? – perguntou uma.
Já outra, perguntou o que ele fazia da vida. Como se fosse um experiente acompanhante, respondeu sem gaguejar:
- Sou empresário. Na verdade, meus negócios são em outros estados. Trabalho no setor imobiliário...
E todas o olhavam com respeito e admiração. E Paula via o seu amado de aluguel como se olhasse para um príncipe.
A festa ia transcorrendo normalmente. Após a janta, começou um mini-baile. Até que, lá pelas tantas, Paula finalmente viu o ex chegar. Descarado! Além de chegar atrasado ainda entra de mãozinha com aquela bruaca. No entanto, Ferdinando não via nada, estava hipnotizado pela beleza de Paula. “Meu Deus, eu quero me casar com essa mulher”, pensava ele.
Paula não se continha de raiva. Não sabia o que fazer. Chegou a pensar em ir até lá, pegar aquela piranha pelos cabelos e dar umas boas bofetadas naquele cachorro! Onde já se viu, trocar ela, com todo aquele corpo, de família rica, por uma qualquerzinha como aquela tipa? Desaforo. No entanto, em meio àquela confusão mental, olhou para Hércules, que a olhava com eterna paixão. Sorriu. Ele também sorriu. Ela perguntou:
- O que foi?
- Nada. Só estou olhando como você é linda.
- Você vai cobrar por elogio também?
- Não. Para falar a verdade, se for para ficar para sempre com você, não cobro absolutamente nada.
Aquilo comoveu Paula, que ao ver que o ex a observava, se aproximou de Hércules e lhe deu um longo e apaixonado beijo. O coração de ambos quase se encontraram em suas bocas, de tanto que saltavam. Ao terminar, Paula disse inconscientemente:
- Uau!
- Uau – concordou ele.
- Nem acredito. Acho que até já esqueci aquele traste. Você acredita que ele me trocou por aquela tipa lá? – perguntou Paula, apontando em direção ao ex.
Ao virar o rosto, Ferdinando não acreditou no que viu. Micheli estava no meio do salão, sendo devorada pela boca do ex de Paula. E desde então, Ferdinando nunca mais foi Ferdinando. Seu nome agora é Hércules, marido profissional de aluguel, e pistoleiro nas horas vagas.

terça-feira, 9 de março de 2010

Ê, saudades!

Porra, me emocionei lendo os comentários do meu amigo e ex-colega de trabalho de Bento Gonçalves, Diogo Filipom, o Rocko, no post anterior. Acho que nunca fiz tantas amizades tão intensas em tão pouco tempo como nesses três meses em que trabalhei em Bento. E, como nunca escondi, sou um chorão emotivo de bosta. Chorei na redação no dia em que pedi as contas para voltar para Santo Ângelo (50% por motivo de saúde e 50% por motivo de falta de tempo para fazer a dissertação) e, instantes atrás, chorei na frente da minha mãe dizendo que estava sentindo uma puta falta dos meus amigos, colegas de trabalho de Bento.
Com certeza, nunca vou esquecer de nenhum: Agnelo Juchem, Araldo Neto, Diogo Filipom, Filipe Duarnte, Greice Audibert (é assim que escreve?), Sidney Kuecho, Nilson Spagnolli, Felipe Machado, Vinícius Ribas, Émerson Sabedra (que saiu antes de mim), Antônio Sérgio de Oliveira (e viva o Esportivo!), e até o Eduardo Wolfe, na qual trabalhei apenas dois dias, mas que fiquei com a sensação de que o conhecia há anos em poucas horas de conversas, e todos os outros, na qual trabalhei não tão diretamente (Bop!). Uma turma para não se esquecer jamais. Tenho muitas histórias para contar desses três meses, e em cada uma delas ficou um aperto no peito de saudades. Sempre que der, quero rever todos esses amigos, que me acolheram tão bem, e que fizeram as 10, 12 horas diárias de trabalho valerem a pena. Teve, por exemplo, ano novo que passei na casa do Rocko, com o Agnelo, e a família do Rocko, onde, depois de umas taças de vinho, eu já estava cantando músicas em italiano, como América, América, América... Tiveram também as placas levadas na madrugada, que estão lá, de enfeite na sala do novo apartamento da gurizada. Houveram ainda os inesquecíveis confrontos no Play, onde o meu Barcelona ganhou algumas poucas e levou muitas goleadas do Chelsea, do Araldo, e do Milan do Agnelo, com algumas escassas vitórias contra o Alemão do comercial da Bento e do Real Madrid do Filipom. Tiveram ainda cantorias memoráveis (me tratou como um suíno e depois desapareceu!), cantorias no meio da jornada de trabalho (o rebolation, i gotta feeling, vamo vamo Inter, Tricolor, Tricolor, Tricolor!), almoços memoráveis no segundo andar, teve ainda confusões com o vizinho da casa de cima, teve troca de quartos, teve muitas, muitas risadas, e disso tudo, já sinto uma puta saudade. Mas também pensando nisso tudo fico satisfeito pelas grandes amizades que fiz em Bento, e que tenho certeza, manterei contato com todos para sempre, pois ainda tem muita bola para rolar. Ê saudades!
PS: a foto é da festa do amigo secreto, em dezembro, no Boteco Sports. Fomos os últimos a sair, e além do vinho que ganhei do seu Fitareli, ainda achei uma garrafa que alguém esqueceu e que está aqui no meu armário, pronta pra ser degustada nesse inverno!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Cada gaveta, um mundo (ou seria o contrário?)

Fazendo uma arrumação geral no meu quarto hoje, lembrei-me de um texto do Mário Prata onde ele acaba virando um armariozinho e vários fragmentos de sua vida são escancarados diante dos seus olhos. Certa vez já havia mencionado essa crônica e algo parecido, em algum texto longínquo, mas o fato é que muitas sombras do meu passado me acompanham e ressurgem das formas mais curiosas possíveis. Admito: várias delas foram parar no lixo hoje à tarde, pois, após o “troço” que tive, fiquei me questionando de que adianta guardar tantas coisas materiais apenas pela lembrança de algo que nunca mais vai voltar a ser como era?
Entre as bugigangas velhas, encontrei agendas antigas (desde 1994, por aí), carteirinhas de clubes de quando eu era criança (essas ainda guardei), vales assinados dos lanches que eu pegava quando ainda trabalhava na Rádio Jornal da Manhã de Ijuí, textos que julguei serem interessante na época, mas que hoje não me atraem em nada, do tipo, como os homens podem conviver com a TPM das mulheres, caderno de esporte do São Paulo campeão mundial após o jogo contra o Liverpool, jornais laboratórios de diversas universidades (alguns ainda guardei), textos e mais textos, provas do tempo da faculdade, xérox de todo o tipo de texto (acadêmico, literário, jornalístico), pilhas usadas, pacotes de camisinhas abertos e fechados, cartões de amor, juras de casamento e de paixão (os de ex-amores foram para o lixo), convites de formatura, de casamento, números de telefones misteriosos anotados em papeizinhos, extratos de bancos, comprovantes de depósitos, cobranças pagas e vencidas, canhoto de ingressos de teatro, futebol e cinema, folders de puteiros do tempo da faculdade, folhas e folhas de pagamento, ingresso falso de jogo do Grêmio, comprovante de fechamento de conta bancária, receita médica, remédios, cartelas com Drammim, potes de pomadas pela metade, canhoto de passagens de ônibus e de avião, pôster do Grêmio, do Corinthians, do Palmeiras, do Flamengo, do Campienense, do Linhares, roteiros turísticos, tabela de horários do metrô do Rio de 2005, mapa de Porto Alegre, enfim, tudo que se pode imaginar e mais um pouco estavam nas quatro gavetas de um de meus armários. Acho que enchi uns dois sacos de lixo, no entanto, acrescentei algumas inutilidades novas, como os dois adesivos do Esportivo que colei: um no guarda-roupa e outro no armário onde está parte de meus livros. Também fiquei pensando nisso: caraca, quanto livro eu já li na minha perra vida, e daí? Não lembro da metade das histórias, e se tivesse batido as botas, de que me adiantaria ter lido tanto, ter viajado tanto, ter festiado tanto, ter bebido tanto, ter amado tanto, ter me emocionado tanto, ter chorado tanto, ter sonhado tanto? Para onde iria (ou vai) tudo isso? Caraca...
Às vezes parece que está difícil recomeçar a vida depois do cagaço, e nesse mar de tudo, o apoio das vozes humanas e inumanas têm sido fundamental. Digo isso não apenas pelo susto, mas, como falei em textos mais antigos, vezemquando cansa você ir com toda a energia para um lugar, se encher de sonhos e esperanças, dar cabeçadas na parede, viver que nem cachorro, ir para outro lugar, correr atrás, ficar para trás, ir para mais um lugar, respirando fundo e acreditando, e no fim, ter que voltar e recomeçar tudo de novo, como se fosse do zero, como se tivesse terminado o Ensino Médio e tivesse 18 anos, enquanto outras pessoas e os seus sonhos dependem que as coisas andem... Como diria o Cazuza, vamos pedir piedade ao Sr. Piedade e seguir em frente...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Testemunho de um quase defunto

Bem, o que vou contar agora, confesso que se me contassem, não acreditaria. Mas, pelo menos na minha cabeça, tudo aconteceu conforme vou relatar, destacando que não é para ser, em nada, ficção, diferentemente de outros textos já publicados aqui.
Eis que, sábado à noite, após assistir ao filme Sex Drive, que aliás, quase me matou de tanto rir, tomando duas latinhas de Nova Schin, lá por uma da manhã, fui dormir. Está certo que eu havia viajado oito horas de Bento a Santo Ângelo na véspera, chegando aqui às quatro da manhã e ficando praticamente sem dormir o dia todo e tudo o mais, mas (sempre tem o mas) achei que com o cansaço todo e as latinhas de cerveja na cabeça iria dormir feito uma pedra até o meio dia do domingo. Doce ilusão.
Da parte da minha cabeça (que não sei o quão corresponde à realidade) sonhei que estava jogando bola na garagem, como nos velhos tempos, só não consigo me lembrar até agora quem estava no jogo. O que lembro foi que de repente eu caí, (o que vou falar agora vai parecer cena de filme de terror barato, mas me senti exatamente assim) um espírito entrou no meu corpo e eu comecei a subir, mostrando o dedo indicador pra todo mundo. E eu fui subindo, contra a minha vontade, lutando para ficar, quando, de repente, acordei. No momento em que abri os olhos, ouvi a Cris perguntar do meu lado:
- Está tudo bem, amor? Você não pára de se mexer.
Eu não conseguia falar, sentei na cama, e acho que balbuciei alguma coisa como “tive um sonho horrível”, e comecei a sentir um formigamento em todo o corpo, que ficava mais forte na espinha até a nuca, passando por cada centímetro do meu coro cabeludo. Não sabia para onde ir e não conseguia pensar em nada, olhava a Cris, apavorada ao meu lado, e por alguns segundos parecia que eu não era eu, que eu não conhecia aquela mulher que estava ali. Só lembro de dizer “vou acender a luz”, mas quando levantei, pareceu que eu estava saindo do meu corpo, como se meu espírito estivesse subindo, e meu corpo descendo, de rente, cai sentado na cama, e a Cris ascendeu a luz. Segundo ela eu estava pálido e com os lábios roxos.
Nesse momento parece que o cérebro voltou ao lugar, no entanto, meu coração estava saindo pela boca, minhas pernas estavam bambas, e eu estava tremendo de frio e gelado. Jurei que ia morrer. Achei que tivesse chegado o momento. Fiquei angustiado e mais nervoso, só não falei “não quero morrer” para não assustar a Cris, que a essas alturas abria a garagem para me levar ao hospital. A meu pedido (teimosia dos Ritter), ela ainda tentou me levar até a cozinha para pagar água e eu senti algo vindo, aquela mesma sensação de que eu estava subindo, e ouvi, juro, que no meu cérebro, contra a minha vontade, ouvi com todas as letras vozes falando “ele vem com a gente, vamos levar ele”, e eu fiquei arrepiado da cabeça aos pés (literalmente) e a Cris estava apavorada, e eu com a certeza de que estava morrendo, pois estava vivendo tudo aquilo simplesmente acordado, era como um sonho, mas eu sabia que estava acordado, ou seja, era o momento de eu ir não sei praonde, mas eu não queria, queria ficar ali, simplesmente ficar ali. Poderia agora até exagerar, dizer que queria terminar o mestrado, viajar, e blá, blá, blá, mas não pensei em nada disso, queria simplesmente ficar no meu corpo, nada mais do que isso. E no meio disso tudo, quando me dei por mim, estava no carro, e depois no hospital com uma ficha onde estava escrito “taquicardia” esperando o medicamento. Para a minha sorte a médica do plantão era filha de uma ex-colega minha de trabalho (até porque já peguei cada um nesses plantões do SUS que só vendo) e ela me tratou super bem. Fiquei em observação por um tempo, quando senti aquela mesma coisa de novo: pernas fracas, meu espírito parece que estava indo, eu querendo ficar, falei pra Cris “to mal de novo” e ela foi correndo chamar a médica. Fiz uns exames, na qual tiveram que raspar meu peito, mas, a essas alturas o remédio já tinha dado efeito e meus batimentos já estavam reduzindo. Acabei saindo do hospital lá pelas cinco da madrugada, passei o domingo em repouso, e agora estou aqui, escrevendo isso tudo com atestado até quarta.
Depois disso tudo, fiquei me questionando, para onde eu teria ido se meu coração tivesse parado? E aquelas vozes? E o sonho? Que uma coisa tem a ver com a outra? Quem tem razão, a ciência ou a religião? Confesso que sou completamente dependente das duas, pois a presença da médica me deu uma baita tranqüilidade (e os procedimentos dela também), enquanto que ao mesmo tempo eu devo ter orado e feito umas dez vezes o sinal da cruz, principalmente quando a voz do “estamos levando ele” sumiam. Ah, e só para constar, essas vozes eram em tom de ameaça, vozes más, de monstro, não eram nada amigáveis. E no momento em que ouvia essas vozes, tudo estava escuro.
Bom, como disse no início, se alguém me contasse essa história, eu duvidaria muito, mas, como foi comigo mesmo, não tenho a felicidade de poder não acreditar no que aconteceu.