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sexta-feira, 19 de março de 2010

O duplo olhar de uma Coluna que assombrou e chacoalhou o Brasil

Ainda não tinha postado esse texto que ganhou o concurso literário do Jornal das Missões em homenagem ao Prestes, que escrevi no ano passado. Foi uma das poucas vezes em que um texto me rendeu alguns trocos, um DVD e um mês de academia (que ainda aguardo a médica me liberar para fazer). Ele foi escrito em outubro com o título: "O duplo olhar de uma Coluna que assombrou e chacoalhou o Brasil" mas o resultado só saiu em dezembro, sendo publicado lá por janeiro ou fevereiro no JM, e agora sim, no blog! Segue:

Analisar hoje, em 2009, se o movimento da Coluna Preste foi herói ou vilão, é como dizer se um ponto loiro vindo lá de longe, trata-se de uma moça esbelta e provocante que se aproxima em uma saia sumária, ou de um rapaz pós-moderno de cabelo comprido com calção de jogar futebol, andando tranquilamente. E dar juízo de valor a isso, é como, ao ver o ponto loiro se aproximar, constatar que se trata de um rapaz de cabelo cumprido, e dizer se esse rapaz é um rebelde com ou sem causa. Para tentarmos responder a essa questão, recorremos a duas versões distintas do fato, ou melhor, do movimento. Na primeira, nos baseamos na série de matérias publicas por Eliane Brum em 1994, na Zero Hora, que resultou no livro Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofício). Já na segunda, a visão é do próprio Luiz Carlos Prestes, que teve os seus discursos na sua última vinda à capital das Missões, em 1984, transformados no livro O Retorno de Luiz Carlos Prestes a Santo Ângelo, publicado pela EdiURI..
Começando pela versão da Eliane Brum, que percorreu a trajetória feita pela Coluna Prestes, desde a saída em Santo Ângelo, entrevistando idosos que na época da coluna eram crianças ou jovens, e também entrevistando integrantes da Coluna, que relataram como as coisas funcionavam no “front”, nós podemos imaginar mais ou menos a seguinte situação:
Pais, avós e duas crianças em uma casa distante da cidade, em alguma localidade qualquer do interior. Chega um grupo com centenas de homens sedentos e famintos, que estão muito tempo longe de suas esposas, bêbados, tomando cachaça misturada com pólvora. Muitos estão cansados e loucos para voltar para casa. Para manter o controle do grupo, o líder daquele grupo, ou subgrupo, libera o saque, mas pede para que respeitem os integrantes da família. No entanto, que controle poderia haver? O marido é trancado num quarto, as crianças e os avós em outro, e a mulher é abusada por alguns soldados, que a arrastam até um canto escuro, embaixo de uma árvore, enquanto Prestes descansa, deitado, no meio da sala. Antes de partirem, eles derrubam uma vaca e enchem a barriga para seguir viagem. Os homens de Prestes levam os moradores do local até ele, que pede desculpas pelo “transtorno”, diz que é por uma boa causa, e segue viagem de consciência tranqüila. Para ele, aquela família é formada por heróis, cidadãos honrados, que devem servir de exemplo! Já para aquela família, aquele foi o pior dia de suas vidas, um verdadeiro pesadelo que nunca se apagará da memória, bem como também não se apagará da memória dos soldados. “Eu era meio ruim. Mas eu era obrigado a ser ruim”, disse seu Hermogêneo à repórter Eliane Brum, em 1994, quando estava com 89 anos, morando em Santo Ângelo. Ele contou ainda que era impossível abandonar a Coluna: “Voltar eu não podia. Nos tiravam o fuzil e nos largavam para trás para sermos mortos. Era assim, só sabe quem passou. Pra encurtar este causo, dona, eu só vou lhe dizer que se tivesse uma toca, dessas de tatu, eu enfiava a minha mulher e todas as minhas filhas dentro e ficava só com a cabecinha de fora. E aí terminava pra mim a Coluna Prestes”, acrescentou, na matéria de Zero Hora. Portanto, tem como dizer, sob esse ponto de vista, que a Coluna Prestes não foi vilã?
Já Luiz Carlos Prestes, no seu retorno a Santo Ângelo, explicou a versão revolucionária para tudo o que foi feito, a luta contra a fraude eleitoral que levou Artur Bernardes à presidência da Republica, as injustiças sociais, a opressão e tudo o que estava transformando o Brasil em um país ditatorial impossível de se viver. Aliás, toda a revolta surge da quebra de liberdade. Pode ser desde uma revolução militar, até a da filha adolescente que os pais não deixam fazer nada. Revolta é sinônimo de luta contra a opressão e contra a injustiça. E no seu relato, ele revela detalhes sobre essa marcha, que não cabem aqui, mas que são muito ricos. Sob esse ponto de vista revolucionário, a coluna foi heróica.
Por fim, analisando os dois lados, considero tudo o que foi feito muito mais próximo do vilão, do que do herói. Justamente porque o herói ataca o inimigo, aquele que promove a injustiça. E não civis desprotegidos que, por mais que possa ter sido apenas alguns, já transforma o movimento em vilão. Se fosse herói, o alvo seria os que estavam nos seus palácios, na então capital Rio de Janeiro. Mas, como em todas as guerras, a civilização é mandada para o espaço. Essa é a minha visão, pelo menos até o ponto loiro chegar mais perto dos meus olhos.

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