.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Ferdinando e o empreendimento amoroso

Esse texto é um tanto extenso, pois foi escrito no ano passado para o Concurso Literário de Contos de Paranavaí na qual eu não ganhei nada. Enfim, como o texto tava apodrecendo aqui no computador, resolvei compartilhar com os milhões de leitores espalhados pelo mundo inteiro. Inscrevi com o pseudônimo de Hércules Oliveira e com o título dessa postagem. Segue aí o dito cujo:

A vida de Ferdinando mudara naquela noite de agosto, quando foi até a loja de conveniência do posto de gasolina próximo à sua casa. Pela porta de vidro, viu aquele carro estacionado onde estava estampado no vidro lateral traseiro: Marido de Aluguel. Embaixo, seguia o telefone, o endereço eletrônico e o site do cidadão. Parecia que naquele momento ele encontrara a resposta para todos os seus problemas. Há poucos dias havia sacado a última parcela de seu seguro desemprego, e já não sabia mais onde procurar emprego para ganhar dinheiro suficiente para pagar a pensão e as refeições diárias. Desde que sua mãe morrera, quando tinha 18 anos, passou a se virar por conta. Já o pai, sequer conhecera. Simplesmente um solitário, um andarilho, um flânuer de espírito, mas que tinha que trabalhar para tirar o seu sustento. E agora, naquela noite fria de agosto, por meio de um passe de mágica, arranjava uma forma de sustento, e de quebra, uma diversão extra. “Grande idéia! Gênio!”, se congratulava mentalmente.
Porém, enquanto entrava em uma rua estreita e escura, como que num estalo, veio à sua mente a imagem da namorada. Maldição. Tinha esquecido de Micheli. Como seria um marido de aluguel com namorada? E como a namorada aceitaria a nova profissão de Ferdinando? Chegou na pensão e, ao entrar, sequer cumprimentou a dona Jaqueline, proprietária do estabelecimento. Subiu as escadas e seguiu reto para o seu quarto, de cabeça baixa, pensativo. Por um lado, encontrara a solução para o seu problema financeiro. Fazia meses que despejava currículos para todos os cantos de Porto Alegre. Além de entregar o currículo, sempre ligava depois, perguntava se haviam sido abertas novas vagas, mas sempre a mesma resposta:
- Infelizmente estamos com o quadro completo no momento, mas assim que abrir alguma vaga, entraremos em contato.
- Não tem como me indicar para outra empresa?... qualquer coisa, estou precisando muito... – insistia.
- Pode deixar que se soubermos de algo, ligamos para você.
- Muito obrigado... – murmurava, com a voz quase inaudível, e já imaginava que ao desligar o telefone a atendente olharia maldosamente para o seu currículo, amassaria aquele pedaço de papel, enquanto seguiria lixando as unhas com a consciência tranqüila.
Pediu ajuda para todos os conhecidos, ex-colegas da escola bem sucedidos, como o Rafael, mais conhecido como Cabeção, que era vereador. No entanto, desistiu de procurá-lo. Toda a semana era a mesma ladainha: “fica tranqüilo que tudo dá certo ao seu tempo. Vou dar um jeito e te conseguir algo, só ter um pouquinho de paciência...”.
Para o diabo o Cabeção. Para o diabo os empresários. Para o diabo as atendentes! Pois agora Ferdinando havia encontrado o seu sucesso: seria marido de aluguel. No entanto, como não era um expert em consertos caseiros, como chuveiro queimado, cano quebrado e pia entupida, não seria um marido de aluguel como os outros. Mas também não queria ser um garoto de programa. Está certo que estava com 26 anos, tinha um corpo malhado e admirável, rosto bem desenhado, cabelo curto estilo militar, além de um belo dote. Porém não se via indo para cama com coroas ou homossexuais. Nada contra, apenas não fazia o seu estilo. Portanto, seria um acompanhante para eventos. Até chegou a ver mentalmente o anúncio estampado nos classificados da Zero Hora dominical: “Hércules, marido de aluguel. Para você, mulher de 20 a 40 anos que está sozinha e precisa de um acompanhante para qualquer evento: casamentos, aniversários, missas, velórios, formaturas, etc. Ligue já!”. Refletiu por um minuto e achou melhor tirar o velório e o “ligue já”, alguém poderia confundir com o Walter Mercado. Pela situação em que se encontrava, Micheli entenderia. Até porque ela sempre dizia que queria casar logo, ter filho em pouco tempo, comprar casa, etc, etc, etc... Mas para isso era preciso dinheiro, e dinheiro era algo que ele não tinha. Pensou num preço... R$200 por evento, um bom preço. Só para acompanhar durante o evento...
Um bom dinheiro, conquistado com facilidade. Lembrou dos papos das amigas da Micheli, que se queixavam que faltava homem em Porto Alegre. “Vejam vocês! Só tem mulher nessa cidade! Não tem um homem nem para um passeio, quem dirá para um motel!” disse certa vez Vanessa, sua cunhada solteirona. Certamente mercado havia aos montes...
A partir de então, passou a planejar uma forma de contar para Micheli. No entanto, aos poucos ele começou a imaginar o diálogo:
- Amor, consegui um emprego...
- Eba! – diria ela, eufórica, enchendo-lhe de beijos, e pendurando-se em seu pescoço – Eu sabia meu amor! Sabia que você ia conseguir! Que emprego é? – perguntaria com um brilho encantador nos olhos.
- Be-bem – já gaguejaria, como sempre gaguejava ao ter que desmanchar aquela alegria tão contagiante que Micheli tinha – na verdade, vou montar um negócio.
A alegria de Micheli aos poucos vai se dissipando. Ela murmura:
- U-um negócio?
- É, um negócio. Só você vai ter que entender e vai prometer que não terá ciúmes...
- Co-como assim benzinho? Que papo é esse...
Ferdinando respira fundo e solta num suspiro:
- Vou ser marido de aluguel.
E então, começa o escândalo. Ela o chama de cachorro, sem-vergonha, traste, nigromante, mentecapto, filho de uma égua, desgraçado, que vá viver sozinho, com suas amantes cheias do dinheiro!
Um frio faz com que ele se arrepie do dedão do pé até o último fio de cabelo, abrindo os olhos, despertando de sua imaginação. Não. Melhor não contar. Afinal, a família dela é de Canoas, e geralmente eles vão para lá na quinta-feira e só voltam no domingo. Resolve mudar de plano: trabalhará justamente de quinta-feira até domingo, assim, ela vai para Canoas sozinha. Mas que desculpa inventar para ficar em Porto Alegre? Lembrou do bar do tio Malaquias. Aliás, o tio Malaquias sempre foi o seu maior parceiro para tudo. Certa vez, Ferdinando foi numa festa e não voltou para casa, e no outro dia pediu para o tio Malaquias dizer para Micheli que havia pousado lá. E não é que o velho encarnou o papel e desempenhou-o com perfeição? Aí está! Pediria para o tio Malaquias dizer para a Micheli que estava empregando Ferdinando para trabalhar em seu bar de quinta-feira a domingo. Perfeito! Gênio, gênio. A vida de Ferdinando estava resolvida. Após comer um resto de pizza e assistir a mais uma derrota do seu Grêmio jogando fora do estádio Olímpico pelo Brasileirão, Ferdinando adormeceu como um anjo naquela noite, como há muito não dormia. No auge do desespero por um emprego, chegou a torcer para que o surto da gripe suína se espalhasse rapidamente, causando o maior número de vítimas fatais possíveis para ver se abriria assim alguma vaga em alguma empresa. No entanto, tentou apagar essa terrível idéia da cabeça com uma boa dose de Velho Barreiro, que era a única bebida que seu dinheiro permitia comprar.
************
Na manhã seguinte, Ferdinando despertou feliz, como há muito não acordava. Precisava colocar seu plano em prática. Iria falar primeiro com o tio Malaquias, para depois contar a novidade para a Micheli. Inclusive, lembrou que certa vez ela havia lhe sugerido para que pedisse emprego ao tio Malaquias. Entretanto, como sempre gostava de contrariar as sugestões da namorada, acabou descartando logo essa hipótese. Pois agora ele aproveitaria a brecha deixada pela namorada para montar o seu próprio negócio às escondidas. Depois de resolvido esse impasse, iria pessoalmente até o prédio da Zero Hora para comprar o espaço necessário para a publicação do anúncio. Não tinha muito dinheiro, mas sabia que tinha para esse investimento, afinal, ganharia muito mais após os primeiros serviços prestados.
*************
Durante a manhã passou maquinando cada passo de seu novo trabalho. Não faria programas, isso era certo. O serviço incluiria de tudo: beijos durante o evento na frente dos outros, dança, abraço, piadas, conversas, risos, tudo, menos sexo. E todos os gastos com o encontro, como o transporte, a comida e a bebida seriam arcados pelas clientes. R$200 mais os gastos do encontro, que não incluem sexo. Afinal, para ele, a traição só é consumada através do sexo. Sob esse ponto de vista, nunca havia traído Micheli em 5 anos de namoro. Ele amava Micheli e estava fazendo tudo isso por ela. Certa vez, comentara com o tio Malaquias: “Tio, por mim eu seria mendigo. Poderia morar na praça, dormir em cima de jornais, pedir esmola o dia inteiro. Não me importaria. Mas quero ser feliz com a Micheli. Quero torná-la a mulher mais feliz do mundo, e faço o que for preciso para isso!”. Tio Malaquias, casado há 35 anos com a tia Jussara, soltou então uma sonora e divertida gargalhada, e por fim disse: “Não diga asneiras, guri! Pense em você, senão ela vai te dar um belo par de chifres e um bom pé na bunda. Mulher gosta de homem que pensa e age por si mesmo”. No fundo, Ferdinando sabia que o tio tinha razão, e sabia que faria isso independentemente da existência de Micheli em sua vida ou não.
Depois de pensar nisso tudo e de almoçar, Ferdinando foi até o bar do tio Malaquias. Explicou-lhe todo o seu plano, enquanto o velho ouvia atentamente, coçando o cavanhaque com ar curioso. Ferdinando alternava o seu olhar do cavanhaque para a careca, que reluzia sob a luz do teto do bar. Quando terminou de contar o plano, o velho disse:
- Olha guri, eu sempre te achei esperto o bastante para ser o miserável, financeiramente falando, que és. Por isso, apesar da idéia ser surpreendente, não me espanto de ouvir isso de ti. E é justamente por isso que vou te ajudar. Pode mandar a Micheli falar comigo que farei exatamente o que você me disse. E caso ela apareça aqui num dos dias combinados, eu digo que te mandei fazer algum serviço.
Ferdinando não acreditava no que ouvia. Teve vontade e beijar a careca do tio e passar a mão na sua abundante pança. Agradeceu o tio infinitamente, não se contendo de felicidade. E aproveitando essa alegria e entusiasmo, tratou de ir falar imediatamente com Micheli.
****************
- Jura amor? – perguntava ela, não se contendo de alegria, enquanto ouvia a novidade da boca de Ferdinando.
- Sim! O tio me contratou! Só tem um problema, minha rainha. Terei que trabalhar de quinta-feira a domingo. É o único horário que o tio tinha para mim.
Micheli ficou murcha por um segundo, mas logo se reanimou:
- Ah, mas é só por um tempo, né meu amor!? Logo as coisas se ajeitam e a gente vai poder casar!
Os dois se abraçaram ternamente, e ela lhe deu um longo e demorado beijo, e quando a noite chegou, ambos não dormiram antes das cinco horas da manhã, comemorando calientemente o novo emprego de Ferdinando.
No dia seguinte, depois que Micheli deixou a pensão de Ferdinando para ir para a aula, ele tratou de pegar o primeiro ônibus que passasse pela Ipiranga, em frente à Zero Hora. Desceu no jornal e fez todo o acerto necessário. Disse para Micheli que teria que ficar em Porto Alegre já naquele final de semana para trabalhar. Então, na quinta-feira ela seguiu sozinha para Canoas. No final da tarde de sábado, Ferdinando já estava parado no sinal em frente ao prédio de ZH para comprar a edição de domingo, quando o jornaleiro chegou.
- Me dá uma! – berrou ao avistar o rapaz vestido de amarelo com uma pilha de jornais.
Correu até a parada de ônibus, e enquanto esperava a condução, achou os classificados. Perdeu dois ônibus até encontrar o seu anúncio. Lá estava:
“HÉRCULES – marido de aluguel: acompanhante para eventos, 26 anos, moreno claro, para mulheres de 20 a 40 anos. Se você quiser alguém para lhe fazer agradável companhia em casamentos, festas de aniversário, missas, formaturas, ou para um simples passeio ou viagem curta, ligue para....”
O coração quase saiu pela boca de Ferdinando. Olhou para o celular, para ver se já havia alguma ligação, mas não. Ainda era cedo. As suas potenciais clientes ainda nem tinham recebido o jornal em casa. Hércules. Gostou de seu pseudônimo. Másculo, heróico, criativo, divertido. Um bom acompanhante para as solteiras desse Brasil afora.
Voltou para a pensão e dirigiu-se euforicamente para o seu quarto. Quem seria a primeira cliente a ligar? Será que seria uma jovem de 20 e poucos anos ou uma mulher madura de quase 40 a procura de uma companhia agradável? Para onde o levaria? Para um aniversário? Uma formatura? Ou para um velório, mesmo sem constar no anúncio? Ferdinando riu da hipótese. Estava feliz. Tudo era motivo para risos...
No entanto, a noite de sábado terminou, a madrugada de domingo começou, e seu telefone não tocava. Na manhã seguinte, acordou tarde, quase ao meio-dia. Após o almoço, meio sem saber no que pensar, ouviu o telefone tocar.
- Alô – atendeu precipitadamente, sem ver no visor que número era.
- Oi meu amor! Como foi no primeiro dia de trabalho?
A mente de Ferdinando virou uma confusão. Demorou um pouco para cair a ficha de que aquela voz era a de Micheli e que o trabalho era referente ao bar do tio Malaquias. Após alguns segundos de hesitação, ele conseguiu formular uma frase que fizesse algum sentido:
- Fo-fo-foi bom. Gostei. Só estou um tanto cansado, nem sei o que pensar direito.
- Ora, meu amor. Então descansa, estou muito feliz de você estar trabalhando. E o tio falou quando vai te pagar?
- Pa-pa-gar? Ah, sim, pagar. Então... Não, nós combinamos de ver como eu iria me sair nessa semana... mas ele vai pagar esses dias que estou trabalhando sim...
- Hmmmm. Estou torcendo por ti meu amor. Boa sorte...
E depois de conversarem sobre outros assuntos, ela finalmente desligou. Na noite de domingo para segunda, Ferdinando não dormiu. Pegou no sono às 5 da madrugada. Por que ninguém ligava? Será que havia passado erradamente a sua mensagem? Chegou a cogitar que ninguém havia lhe procurado porque o anúncio saiu na edição de domingo, ou seja, as clientes o procurariam somente para o próximo final de semana. Passou a segunda-feira pensando no assunto. Na terça, já cogitava voltar a procurar outros empregos, porém, na quarta-feira seu telefone tocou, e dessa vez não se tratava da Micheli...
- Alô – disse Ferdinando.
- Alô. Hércules?
- Er.. sim. Hércules às suas ordens... – disse meio sem pensar, tentando desvendar a idade da interlocutora.
- Então, eu vi seu anúncio no jornal, e gostaria de saber quanto você cobra.
- Para que tipo de serviço você deseja? – ao ouvir a própria voz fazendo a pergunta, chegou a não se reconhecer. De onde tirara tanta confiança?
- Eu tenho uma festa para ir hoje à noite... com umas primas minhas de fora.. e queria dizer para elas que estou namorando... então pensei em te contratar...
“Maldição! Hoje de noite... justo hoje que a Micheli ficou de posar aqui na pensão para ir amanhã para Canoas...”
- Hoje?
- Sim.
- Er... Que horas são?
- Três da tarde...
Ainda dava tempo de cancelar com a Micheli. Mas e se a diaba aparecesse no bar para vê-lo trabalhar? E agora, meu pai?
- Hmmmmm. Então, é que eu atendo de quinta a domingo... Mas posso ver se desmarco o compromisso que tenho para hoje. Posso te retornar mais tarde?
- Sim, mas quanto você cobra?
- Duzentos reais.
- Quanto!?!??
- Duzentos...
- Nossa. Acho que vamos deixar para a próxima. Bom, nos falamos. Tchau.
E desligou o telefone. Diabos. Duzentos... Por que não falou cem? Merda. Perdeu a primeira cliente. Mas o negócio funciona! Alguém haveria de ligar até o final de semana! E então, ele seria o marido perfeito! Porém, duas semanas se passaram e nada. Já estava procurando emprego novamente e pensando em uma desculpa para dar para a Micheli, quando numa quinta-feira seu celular tocou e novamente não se tratava da namorada...
- Alô.
- Alô. Quem está falando? – perguntou uma voz feminina.
E agora? Quem fala? Hércules ou Ferdinando. Não teve muito tempo para pensar e respondeu:
- Hércules.
- Ah... oi. Meu nome é Paula. Vi seu anúncio no jornal... Como funciona?
- Então, para que serviço você precisa?
- Eu tenho uma festa de casamento no sábado, de uma amiga minha, e todos pensam que estou namorando... enfim, você deve estar acostumado com isso... queria ver quanto você cobra e se tem alguma foto sua na internet para eu dar uma olhada?
Até hoje Ferdinando, ou Hércules, não sabe de onde foi tão ágil ao ponto de responder de bate pronto:
- Você fala daonde?
- Do Bonfim.
- Posso ir até aí daqui uma hora, você me vê, e combinamos o preço.
- Hmmmm. Ok – respondeu ela.
Em uma hora, Ferdinando chegava ao endereço indicado, muito bem arrumado e usando o perfume novo que havia ganhado de Micheli na semana anterior.
- Oi! – exclamou Paula ao abrir a porta de seu apartamento.
- Olá! – respondeu Hércules, com um sorriso estampado no rosto, provavelmente por ver que a cliente tinha a sua idade e era mais linda que as mais ardentes loiras que habitavam os seus mais loucos sonhos nas noites de saudades de Micheli.
- Pode entrar.... Então. Eu quis te ver antes, pois, como você vê, não sou nenhuma senhora idosa ou gorda encalhada...
- Estou vendo...
- Por isso também queria ter certeza de que você é... digamos... do meu nível.
Ferdinando, que a essas alturas havia encarnado uma espécie de Don Juan, ficou impassível esperando o resto do diálogo. O sorriso de Paula lhe soou como uma aprovação.
- Então – continuou ela – eu tenho essa festa no sábado. Faz pouco que terminei com meu ex-noivo, e não sei porquê cargas da água espalhei para todo mundo que estava namorando... acho que é porque meu ex-noivo vai estar nessa festa, e não quis ir sozinha... pois ele.. ele... está namorando outra...
- Entendo...
- Mas, como você me parece ser bem simpático, além de ser bem bonitinho, gostaria de saber o seu preço?
“Avejesusmariajosé! Uma mulher dessas, loira, bronzeada, de olhos azuis, simpática, sedutora, gostosa, e tudo mais de bom, perguntando o meu preço?”, pensou Ferdinando, que tratou de se recompor do golpe para voltar a ser o Hércules. O que responder agora? Ferdinando até pagaria para sair com aquela mulher! Nunca se sentira assim, desde que começara a namorar Micheli. Caso falasse “duzentos”, poderia espantá-la. No entanto, numa olhada rápida, viu que se tratava de uma bela mulher que tinha uma vida financeiramente bem resolvida. Móveis novos, TV de plasma, sacada, peças amplas, tudo em ordem, tudo novo. Arriscou...
- Bem... Como no sábado sempre há uma procura maior pelos meus serviços... vou te cobrar cem reais – respondeu, enquanto seus olhos estavam vidrados nela, numa expectativa digna de uma cobrança de pênalti do seu Grêmio em um Gre-Nal.
Após um breve silêncio, onde Paula refletiu um pouco, ouviu com louvor um “ok, estamos combinados”.
- Er – disse Hércules antes de partir – só tem uma coisinha... Além do valor da companhia, a cliente também arca com todas as despesas e o transporte.
Paula olhou um tanto surpreendida, mas após sorrir, disse:
- Ok, não se preocupe... meu Hércules! Até sábado!
Ferdinando saiu daquele apartamento meio zonzo. Ficar interessado de verdade pela cliente não estava nos seus planos. Mas Paula... era um anjo vindo do inferno! Tinha um sorriso e um olhar angelical, seu corpo o convidava para o pecado, sua voz era como o canto de uma sereia... Tentou pensar em Micheli, mas a namorada não chegava nem aos pés da cliente. Maldição! Chegou na pensão, e ficou trancafiado em seu quarto até o sábado. Quando chegou perto da hora marcada, tomou um bom e demorado banho, secou cada centímetro de seu corpo cuidadosamente, passou o mesmo perfume do primeiro encontro e vestiu o seu melhor terno. Passou gel no cabelo e sorriu em frente ao espelho. Uma grande noite estava por vir...
Chegou na casa de Paula no horário marcado. Ao vê-la, quase caiu para trás. Nunca imaginou que passaria por aquilo em sua vida. Deusa. Deusadeusadeusadeusadeusa. Murmurou entre os dentes, em tom inaudível.
- Oi! – disse ela.
- Olá! – respondeu.
- Nossa. Você está lindo. Acho que vou conseguir fazer um ciuminho naquele traste.
- Certamente! Vamos?
E os dois saíram de braços dados, rumo ao carro de Paula, que mais parecia uma espaçonave recém pousada de outro planeta.
Ferdinando não sabia se estava vivo ou se tinha morrido e tinha ido para o céu. Estava indo para uma festa de casamento, bem vestido, em um carrão e acompanhado por uma loira digna de pousar nas páginas das revistas que ele olhava com seus amigos pelos cantos nos tempos de colégio. Era o ápice de sua vida.
Chegaram na festa e ocuparam logo uma mesa. Hércules foi apresentado para a turma, e ouviu todos os tipos de elogios possíveis das amigas patricinhas de Paula.
- Onde achou esse homem tinha mais? – perguntou uma.
Já outra, perguntou o que ele fazia da vida. Como se fosse um experiente acompanhante, respondeu sem gaguejar:
- Sou empresário. Na verdade, meus negócios são em outros estados. Trabalho no setor imobiliário...
E todas o olhavam com respeito e admiração. E Paula via o seu amado de aluguel como se olhasse para um príncipe.
A festa ia transcorrendo normalmente. Após a janta, começou um mini-baile. Até que, lá pelas tantas, Paula finalmente viu o ex chegar. Descarado! Além de chegar atrasado ainda entra de mãozinha com aquela bruaca. No entanto, Ferdinando não via nada, estava hipnotizado pela beleza de Paula. “Meu Deus, eu quero me casar com essa mulher”, pensava ele.
Paula não se continha de raiva. Não sabia o que fazer. Chegou a pensar em ir até lá, pegar aquela piranha pelos cabelos e dar umas boas bofetadas naquele cachorro! Onde já se viu, trocar ela, com todo aquele corpo, de família rica, por uma qualquerzinha como aquela tipa? Desaforo. No entanto, em meio àquela confusão mental, olhou para Hércules, que a olhava com eterna paixão. Sorriu. Ele também sorriu. Ela perguntou:
- O que foi?
- Nada. Só estou olhando como você é linda.
- Você vai cobrar por elogio também?
- Não. Para falar a verdade, se for para ficar para sempre com você, não cobro absolutamente nada.
Aquilo comoveu Paula, que ao ver que o ex a observava, se aproximou de Hércules e lhe deu um longo e apaixonado beijo. O coração de ambos quase se encontraram em suas bocas, de tanto que saltavam. Ao terminar, Paula disse inconscientemente:
- Uau!
- Uau – concordou ele.
- Nem acredito. Acho que até já esqueci aquele traste. Você acredita que ele me trocou por aquela tipa lá? – perguntou Paula, apontando em direção ao ex.
Ao virar o rosto, Ferdinando não acreditou no que viu. Micheli estava no meio do salão, sendo devorada pela boca do ex de Paula. E desde então, Ferdinando nunca mais foi Ferdinando. Seu nome agora é Hércules, marido profissional de aluguel, e pistoleiro nas horas vagas.

3 Comentários:

Postar um comentário

<< Home