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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Lula – Biografia – Volume 1

 


            Terminei de ler o primeiro volume da biografia do ex-presidente Lula com um mix de opiniões e sentimentos. Vou tentar organizar essa miscelânea de pensamentos, primeiramente, contando muito resumidamente a divisão da narrativa. Fernando Morais, um dos maiores escritores da literatura brasileira, dedica as primeiras 160 páginas para contar sobre a prisão de Lula, em toda a sua particularidade e complexidade. Ou seja, só esse episódio já renderia um livro de mil páginas a parte, então, em determinados trechos ele contextualiza a Vaza Jato de forma mais ampla e, em outros, ele narra os momentos específicos que antecederam a prisão e o cotidiano de Lula na cadeia em Curitiba até ele conquistar a liberdade. Nas páginas seguintes, há uma longa narrativa, com destaque para atuação de Lula no sindicalismo até a criação do PT, mas que inclui a infância e adolescência do personagem e todo o drama familiar que engloba agressões pesadas de seu pai, trabalho infantil, fome, pobreza e tudo o mais. A história toda vai até a eleição de Lula como deputado, antes da campanha presidencial de 1989. Morais conta no posfácio que o volume dois vai tratar das três derrotas (uma para Collor e duas para FHC) e das duas vitórias (2002 e 2006) nas campanhas presidenciais. Aguardemos.

            Antes de falar sobre as minhas opiniões e sentimentos, gostaria de ressaltar que a biografia de Morais dá um soco no estômago nos slogans preconceituosos que foram colados na testa de Lula. Primeiro: a fama de analfabeto. Lula estudou até o quinto ano e, parou, para trabalhar. Na fábrica aonde trabalhava, fez um curso de torneiro mecânico, profissão que exerceu nos anos seguintes. Ou seja, ele não era analfabeto no sentido em que as pessoas queriam que ele fosse: o de não saber ler, nem escrever. E, segundo, ele trabalhou dos 8 aos 38 anos, ou seja, ele não foi um cara escorado no sindicalismo e que depois passou a “viver de política”. Em outras palavras, aquelas frases toscas como “Lula é analfabeto” ou “Lula nunca trabalhou” são lorotas para boi dormir. Outro ponto importante é o drama da perda do dedo, que foi um acidente de trabalho que ocorreu justamente pelo cansaço de seu colega. Lembre-se disso quando ouvir algum animal falando algo como: “O vagabundo analfabeto de nove dedos”.  

            Dito isso, vamos às considerações. Primeiro, jornalisticamente. Confesso que quando acabei de ler fiquei com aquela sensação de, pô, a história por si só já é espetacular, o Fernando Morais não precisava ter sido tão engajado politicamente na porra toda. No entanto, agora de noite, vendo os comentários em uma notícia sobre protestos pela volta às aulas presenciais em um instituto federal de Pelotas, em que pessoas alienadas e bolsonaristas acéfalos defecam nas redes sociais todo o seu ódio por professores, pesquisadores e intelectuais, eu voltei atrás e concluí: sim, Fernando Morais acertou em se engajar na narrativa desconstruindo os preconceitos que foram colados à imagem de Lula por uma elite decadente ao longo de décadas. Inclusive, há um apêndice interessante na obra em que Morais apresenta uma pesquisa sobre as horas/páginas dedicadas pelos grandes veículos da mídia brasileira para condenar Lula moralmente antes da aberração da Vaza Jato. Nada de novo, afinal, como conta Morais, o ex-presidente passou por perseguições semelhantes nos seus primeiros anos de política, inclusive, sendo preso pela ditadura militar do período.

            Terminada a leitura, ainda pesquisei no Google as reportagens sobre as condenações de Lula – tanto da época, quanto as de agora, sobre a anulação das provas de Moro. Para mim é tudo muito simples: pega-se os argumentos/provas da defesa de Lula (muitas são citadas no livro), pega-se os argumentos/provas da acusação (que, bizarramente, inclui o próprio juiz do caso, o político Moro) e se faz a relação entre os argumentos/provas. Simples. Reli as “provas” que justificariam a prisão do Lula e confesso que ri sozinho, no sofá. Claramente não há nenhuma prova clara e documental. Há indícios, sendo que muitos poderiam ser facilmente produzidos pelas autoridades/acusadores, especialmente em um país como o Brasil, onde a polícia coloca arma na mão de defunto para dizer que matou em uma “troca de tiros com a polícia” (ver Rota 66, de Caco Barcelos). E, obviamente, tudo fica mais claro quando se tem um juiz que combina com a acusação as estratégias para condenar o réu (conforme provou o Intercept Brasil, em uma das grandes reportagens mais importantes desse século) e esse mesmo juiz vira, primeiro, ministro do governo eleito graças a decisão dele, de tirar Lula das eleições de 2018, e que, para piorar, vira candidato à presidência contra o próprio réu (Lula) em 2022!!!! É surreal demais para ser verdade.

            Então, concluo dizendo que, por um lado, essa não vai ser a biografia definitiva de Lula, tendo em vista que, sim, percebe-se um comprometimento do autor com o biografado (o que jornalisticamente é ruim). Creio eu que uma biografia de Lula mais fiel à realidade pode ser escrita daqui à 40 ou 50 anos, com outro jornalista, mais isento, utilizando os dois volumes escritos por Morais como fonte, mas acrescentando episódios e informações que, mesmo quando folclóricas, foram deixadas de lado numa tentativa (ao que me parece) de não denegrir de forma alguma a imagem do biografado, que é ainda candidato à presidente. Sendo mais claro: sim, o livro de Morais peca, nesse sentido, por deixar claro – para os leitores mais atentos – que havia uma preocupação em não mencionar nada que pudesse comprometer a imagem de Lula, até porque o lançamento do livro ocorre em ano eleitoral... E, para ser mais claro ainda: sim, é uma biografia que mostra apenas um lado da moeda (não no sentido de honestidade ou corrupção, mas no sentido de que ninguém é perfeito) e, espero eu, como disse, daqui a algumas décadas algum bom jornalista, como o Morais fez com Chatô e outros, possa escrever olhando a história de Lula de fora e sob todos os ângulos e sem se preocupar se vai desagradar ele ou não. Até porque, de certa forma, sabe-se que ficou um sentimento de gratidão à Lula por parte do autor, pois ele dependeu do consentimento do ex-presidente para ter acesso à sua vida, tanto em entrevistas, quanto em testemunhos de acontecimentos importantes para a história do personagem.

            Para finalizar, colocando tudo na balança, entendo as “falhas” de Morais, pois esse foi um livro necessário no momento em que vivemos, afinal, é importante separar o joio do trigo e colocar os pingos nos is. E, para o futuro do país, temos de um lado uma possiblidade de voltarmos a ter esperança com Lula governando pelas reposições salariais, pelo acesso à comida, à educação, enfim, ao capital e aos serviços, e de outro um maluco de atirar pedra e outro que, claramente, trocou a toga pelos holofotes e que não pode ser levado a sério pelas manchas que deixou na sua bizarra atuação no próprio judiciário. Ou, se preferirem, posso resumir tudo em uma palavra e um número. Se antes eu só achava, agora tenho certeza: é Lula 2022!

Hasta!

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