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sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Black Bazar

Acabei de ler pela primeira vez na vida um livro de um autor da República do Congo. Não confundir com a República Democrática do Congo, o Congo grande, o antigo Zaire, ou ainda, a terra do Mazembe. A República do Congo é um país e a República Democrática do Congo é outro. A primeira é chamada de Congo pequeno e tem praia no Oceano Atlântico e a segunda é conhecida como Congo grande, e não tem praia. Os apelidos, obviamente, são devido à diferença entre ambos no tamanho geográfico. E mais: o Congo pequeno foi colonizado pelos franceses enquanto o Congo grande (terra do Mazembe) foi colonizado pelos belgas. Enfim, eu aprendi tudo isso e muito mais depois de ler o livro de Alain Mabanckou, Black Bazar, além de ficar sabendo que o pessoal do Congo pequeno odeia quando confundem o seu país com o Congo grande e vice-versa. E mais: eles odeiam do fundo do coração quando as pessoas acham que o Congo é um único país, pois eles não gostam de ser confundidos com os seus vizinhos (e rivais). Ponto.

            Tudo isso aprendi com as histórias de fundo de Black Bazar, porque esse não é um livro de história, nem um romance histórico, nem um livro-reportagem, nem nada do gênero. Trata-se de um romance ficcional escrito por Alain Mabanckou e publicado em português pela editora Malê. O enredo é o seguinte: o personagem principal vive em Paris e arranja uma mulher com quem tem uma filha. Ela o abandona para voltar para o Congo pequeno com o amante, que é seu primo. Não tem spoiler nisso, pois desde o início fica claro que essa é a trama. No entanto, nas páginas que se seguem, o personagem-narrador vai contando o que aconteceu, desde que conheceu a moça (que é francesa, descendente do Congo), até as brigas e o fato dele desconfiar que a filha não é fruto do seu relacionamento, mas sim do caso da mina com o amante, etc. É escrito quase que num formato de coletânea de crônicas, ou seja, é uma linguagem e um estilo que variam entre o cômico, o irônico e a contextualização histórica com as explicações que apresentei no primeiro parágrafo desse texto. O mérito é ter um enredo e um texto leve, para ser lido para relaxar: não tem nenhuma trama mirabolante, nem jogos temporais, nem nada que exija muito do leitor para entender o troço todo. Enfim, depois de ler O som e a fúria, de Faulkner, é como você estar tomando cachaça e passar para uma cervejinha bem light.

(Verde: Congo pequeno. Laranja: Congo grande - República Democrática do Congo, terra do Mazembe)

            É um bom livro, mas também não tem nada de espetacular. Claro que se pode fazer uma leitura sob a perspectiva de que o autor conta o cotidiano de imigrantes africanos em Paris – algo sociologicamente importante -, bem como as diferenças e até rivalidades entre os africanos de diferentes países – nigerianos, costa-marfinenses, congoleses, sul-africanos, angolanos, etc. Ah, outro ponto importante é que o personagem não chama os outros personagens pelo nome, mas sim, por apelidos. Ele próprio é o Bundólogo, devido a sua tara por bundas. Ele analisa as mulheres – e suas personalidades – conforme o formato e o movimento da bunda. Se fosse comparar com um autor brasileiro, o estilo dele me lembrou um pouco o do David Coimbra dos velhos tempos (o que falava de relacionamentos, não o atual, que quer se meter a falar de política e outros assuntos sérios e acaba exagerando nos clichês e nas bobagens).

            Pesquisando sobre o autor, descobri que ele é do Congo pequeno, da mesma cidade do personagem da obra (mas não descobri se o livro tenta ser uma autobiografia ou não) e que atualmente ele é professor de Literatura na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Para resumir, mesmo não colocando essa obra numa imaginária lista de 50 melhores livros que já li, pretendo ler outras obras dele, justamente pelo seu estilo leve, para descontrair e para refletir sobre relacionamentos (que tem os mesmos prazeres e problemas no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, no Congo, na China, no Japão, na Groelândia, no Paraguai, no México, no Polo Norte, etc). O ponto fraco da obra, para mim, são os parênteses muito extensos que ele usa para contar histórias paralelas que não tem nada a ver com o enredo principal, como por exemplo, quando ele conta sobre o assassinato de um político antigo do Congo pequeno que foi assassinado pelo presidente por ter comido a cafetina amante do chefe de Estado. Acho que ele se estendeu demais nessa história que não tinha nada a ver com o drama do protagonista. Há uma ou outra historinha nesse sentido, mas, na literatura nada se perde, tudo se aproveite (nem que seja para espantar a insônia).

            Para concluir, fazendo um parecer final do livro para o enxerido leitor, meu veredicto final é: indico.

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