Guerra e Paz – Parte 3
Não consegui cumprir a meta de ler o terceiro volume em dez dias. Explico-me: vieram as eleições americanas e tudo parou. Fiquei de terça até sábado sem ler uma mísera página. Além dos compromissos profissionais e dos desafios do Fifa 21, acompanhei a virada histórica de Biden contra o representante do Demo na Terra. Assisti a tudo como se fosse uma final de Copa do Mundo. E, assim, atrasei a leitura e fui terminar esse terceiro volume apenas ontem.
Se no volume dois a guerra tinha
ficado de lado, ela voltou com tudo no terceiro volume. Não sei precisar
exatamente os motivos, mas creio que esse foi o melhor trecho do Guerra e Paz
que li até agora. De início, Tolstói começa explicando a banalidade do início
da guerra. Em síntese, Napoleão estava entrando cada vez mais na Rússia, mas de
boas, como se estivesse passeando acompanhado do seu exército, quando um
funcionário do império russo pediu os documentos dele. Pra quê! O imperador
megalomaníaco tomou isso como ofensa pessoal e, somando-se a outros motivos
fúteis, ele declarou guerra ao seu até então amigo, o imperador russo Alexandre.
A partir de então, tudo muda. E são tantos os pontos para reflexão, que
certamente a maioria deles vão ficar de fora por lapso de memória desse que vos
escreve.
Primeiro, diante desse cenário e da
expectativa de uma nova guerra há uma divisão na sociedade russa. E isso
justifica a tática de Napoleão para tomar a Rússia: dividir para conquistar.
Ele apresenta como objetivo invadir a Rússia e criar uma Europa única, mantida
sob a sua espada. Na cabeça ele, essa era uma boa ação: no império europeu ele
seria o imperador, faria justiça com as próprias mãos, todos seriam felizes e
não haveria injustiças nem tristezas. O curioso é que hoje a gente ainda se
surpreende quando vemos pobres e trabalhadores defendendo políticos dos
magnatas e dos ricaços, como o patético Bolsonaro no Brasil ou o demoníaco
Trump, nos Estados Unidos. A gente não consegue entender como imigrantes adoram
um político que odeia imigrantes! Como negros apoiam um político racista! Como
mulheres defendem com todas as forças um presidente machista! E assim por
diante... Mas, lendo Guerra e Paz, percebo que isso sempre existiu, pois fica
evidente que havia uma divisão na sociedade russa entre os pró-Rússia e os
pró-Bonaparte. Ou seja, mesmo com Napoleão invadindo a Rússia, matando e
devastando o que encontrasse pelo caminho, havia aquele grupo (geralmente da
elite, diga-se de passagem) que achava que era melhor para a Rússia ficar sob o
comando de Napoleão. Assim, havia dualidade e polaridade política na Rússia das
guerras napoleônicas de 1812.
Um personagem que ilustra isso é o príncipe
Vassili. Ele, como bom capacho, circula pelos dois ambientes. Então, quando ele
está num jantar chique pró Napoleão, ele fala como se fosse um bonapartista.
Porém, quando ele está em um ciclo pró Rússia, ele age como se odiasse o
imperador francês. Mas, nessas descrições, Tolstói apresenta cenas que parecem
acontecer no Brasil ou nos Estados Unidos de 2020. É como se o personagem
circulasse entre sociedades trumpistas e pró-Biden, ou bolsonaristas e
petistas. Muito bizarro.
Natascha, como uma jovem
adolescente, sai da depressão de ter perdido o noivo e o amante em uma tacada e
começa a se empolgar com toda a movimentação da guerra como se fosse uma
brincadeira. Pétia, o irmão caçula dos Rostov, implora tanto aos pais que o
deixem ir para a guerra (ele está com 16 anos) que o conde e a condessa Rostov
acabam cedendo, mas tomando o cuidado para que ele fosse para um regimento mais
seguro. André Bolkonski, o príncipe abandonado por Natascha, vai para a guerra,
bem como Anatole, o amante frustrado. Pedro Bezukov fica em Moscou acompanhando
tudo, mas ele vai ao campo de batalha em uma cena muito cômica, apenas por
curiosidade. Ou seja, os exércitos estão se matando e ele está zanzando por
ali, como um turista... É muito engraçado, mas Tolstói usa muito bem essa cena
humorística para descrever o terror da guerra. Assim, ele consegue algo raro:
ao mesmo tempo em que diverte, ele também deixa o leitor impressionado com
cenas realistas das atrocidades que o homem é capaz de cometer. Como escreveu
Tolstói: “A finalidade da guerra o homicídio; suas armas são a espionagem, a
traição, a ruína dos habitantes, o saque e o roubo organizados para a manutenção
do exército, a fraude e a mentira mascaradas como astúcias de guerra” (p.954).
Outra semelhança com a
contemporaneidade: o desencontro de informações. Boatos correm como se fossem fake news de whatts app. Uns dizem que os franceses querem invadir Moscou,
outros não acreditam. Uns dizem que os franceses estão sendo expulsos pelo
glorioso exército russo, outros alegam o contrário, e assim por diante. O troço
todo vai indo, há toda uma descrição das posturas dos comandantes dos dois
exércitos, há cenas memoráveis envolvendo Napoleão, mas o ponto alto é a
batalha de Borodino, um povoado próximo a Moscou. As tropas de Napoleão marcham
em direção a Moscou e param próximo a essa cidade, que está tomada pelo
exército russo, que promete defender a capital até a morte. Os dias se passam
com angústia e há uma grande expectativa no ar. Os dois exércitos estão
confiantes, mas ao mesmo tempo não tem certeza da vitória. Eis a complexidade
da batalha. O confronto começa (e é nesse que Pedro está zanzando entre os
soldados, apenas observando, como se fosse um turista) e logo se percebe que o
exército francês é mais forte. Porém, o exército russo é mais determinado. Os
dois exércitos se massacram. No entanto, Napoleão poderia ter ganho essa
batalha se sacrificasse a sua velha guarda, porém, ele sabia que seria
eternamente criticado por seus apoiadores se fizesse isso. Pelo que entendi,
houve um empate. Os franceses não avançaram, mas os russos ficaram em
frangalhos. Assim, os franceses mesmo sem ter oficialmente ganho essa batalha
apenas esperaram os russos saírem dali para avançar sobre Moscou. Claro que o
exército francês também estava destroçado e havia tido milhares e milhares de
baixas.
Enfim, em resumo, o terceiro volume
dessa edição da L&PM termina justamente com o incêndio e a prisão de Pedro,
que acaba avançando em um soldado francês ao vê-lo roubar o colar de uma
moradora qualquer (a essa altura, os militares franceses estavam literalmente
saqueando a cidade). No entanto, antes disso, Pedro salvou a vida de um alto
oficial francês, que seria atingido por um tiro disparado por um maluco bêbado,
e esse disse dever a vida a Pedro, o que me leva a imaginar que, possivelmente,
esse militar francês vá salvar a vida de Pedro no volume quatro. São
suposições. Natascha e André estão juntos no mesmo acampamento e, novamente, há
uma dúvida se André vai sobreviver ou não e se ele e Natascha vão casar caso
ele se recupere. Anatole está sumido, ferido, mas também há a expectativa de
que tenha morrido. Helena, a essa altura, já pediu o divórcio a Pedro para se
casar com outro. Ah, e o pai do príncipe André já faleceu e Nicolau Rostov está
sumido da narrativa desde que salvou Maria, irmã de André, e eles meio que se
apaixonaram (apesar de Nicolau ter prometido a Sônia, a sua prima pobre,
casar-se com ela depois da guerra). Há outras e outras tramas, mas essas são as
que me ocorrem agora. O interessante é que você pensa nessas histórias todas
como se fossem de pessoas que você conhecesse. Parece que alguém está me
perguntando: “e o príncipe André, tem ouvido falar dele?”, e eu estivesse
respondendo, “ah, sim, ele foi para a guerra mas está gravemente ferido, de
novo, aquele descuidado. Agora está lá, jogado numa nas palhas de uma estalagem,
gemendo feito um condenado, tendo delírios de febre, enquanto Natascha está
cuidando dele, sonhando com o seu perdão e querendo um novo noivado...”. “E a
Helena?”, pergunta-me o imaginário interlocutor. “Ah Helena? Você não vai
acreditar! Arranjou dois amantes e pediu divórcio ao Pedro. Decidiu se casar
primeiro com o mais velho, pois logo que ele morrer ela já pensa em casar com o
mais novo, assim ela leva o dote dos dois!!! Certamente o pai dela, o príncipe
Vassili, deve estar extremamente orgulhoso, apesar que o velho esta sofrendo
pelo desaparecimento do seu filho mais novo, o Anatole., e....”.
Enfim, enfim, vamos ao quarto e último volume! Como dizem os russos de Tolstói: vamos a isto! Vamos a isto! Vamos a isto!
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