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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Pátria educadora


Eu achei que não teria coragem para escrever esse texto. Ou melhor, não teria estômago. Mas, respirei fundo, e aqui estou. Depois de ponderar comigo mesmo, decidi escrever apenas para eventualmente voltar a consultar futuramente, quando a bizarrice da trilogia “Pátria educadora” se apagar da minha massa cinzenta e aparecer algum “entendido” no assunto querendo debater o tema. Para quem não sabe, é uma produção “independente” do Brasil Paralelo. O título da "obra", claro, é uma ironia ao lema do segundo mandato do governo Dilma (bom mesmo é Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, né não? Bem mais fácil de botar tudo no rabo do Nosso Senhor). São dois filmes de aproximadamente 50 minutos que culminam no “documentário” (ficcional?) de uma hora e meia.
Bom, para comentar uma série de filmes rasa e maldosa terei que ser raso e, talvez, um pouco maldoso. Também tentarei ser o mais breve possível – diferentemente do que fiz quando comentei outra produção do Brasil Paralelo, “Sobre armas e livros”. Lá vamos nós again.
O primeiro episódio tenta dar conta de milhares de anos que resultaram na formação do atual sistema educacional do mundo ocidental. Resumindo tudo, eles tentam apresentar uma ideia de que a esquerda dominou o troço todo e que as experiências mais radicais dos comunistas foram fracassos absolutos. Durante os três episódios é mencionada a “revolução cultural” de Mao Tse Tung e tenta se colar a imagem do ditador chinês às principais lideranças da esquerda brasileira contemporânea. O que eles não contam, obviamente, foi que Mao Tse Tung chegou ao poder derrubando um império sangrento que nadava em ouro enquanto a população literalmente morria de fome como mosca, aos milhões. Obviamente que o resto da história todo mundo sabe: como toda a “revolução”, depois que se toma o poder, os “revolucionários” não querem deixar o poder e se tornam uma nova ditadura, tão abominável quanto a anterior. É sempre assim, com direita e esquerda. Mas, estou desviando do assunto. Em síntese, se critica a Revolução Francesa, Maio de 1968, a China, Cuba e tudo o que possa ter qualquer relação com a esquerda. Ponto. E, lógico, lançam datas e datas, nomes e nomes, que já renderam livros e filmes aos milhares mundo afora, mas eles vão lá e tentam resumir tudo em um chavão clichê de 10 segundos para fazer o “cidadão comum” (que eles vão chamar de analfabeto funcional, ao final da trilogia) conseguir entender tudo. Ah, mas o ponto chave do primeiro episódio é mostrar que o comunismo e o fascismo são praticamente a mesma coisa, deixando tudo na mesma panela da esquerda. Olavo de Carvalho, obviamente, é uma das fontes.
No segundo episódio o alvo é Paulo Freire. Tenta-se de todas as formas se costurar a seguinte relação: Paulo Freire é fã de Mo Tse Tung e é amigo e fã de Lula e filiado ao PT. Logo, o PT é um braço da ditadura de Mao Tse Tung em que Paulo Freire é o mentor intelectual que lança ideias doutrinárias aos professores que, por sua vez, vão doutrinar os alunos (desde crianças até os universitários).  E, claro, são pegos fragmentos da realidade (de obras e falas) para criar uma imagem de um Freire monstruoso. Não vou aprofundar esse ponto, mas é possível pegar fragmentos da bíblia, por exemplo, e construir uma imagem completamente equivocada de Deus ou Jesus Cristo: um Jesus egoísta, maldoso e vingativo, por exemplo. Isso se chama edição. Com uma boa edição é possível mentir falando meias verdades (para mais informações, leia o meu segundo livro: Jornalisom Gonzo: mentiras sinceras e outras verdades). Ponto.
No terceiro episódio, o “documentário” (ficcional) é apresentado como uma grande denúncia do sistema educacional brasileiro. Lógico que eles pegam todos os podres da educação brasileira, dando ênfase aos 14 anos do governo PT, colocando todos os problemas de séculos de formação do sistema educacional na conta do Lula e da Dilma. Não se questiona, por exemplo, o enfraquecimento da educação nos anos 1990, que foi o que eu estudei e, na comparação com o que a minha filha está estudando, era mil vezes mais fraco. Ou seja, ainda estamos péssimos, mas evoluímos.
As bizarrices maiores, no entanto, ficam por conta do Olavo de Carvalho, que largou pérolas como “educação obrigatória é antidemocracia”. Na prática, o que ele defende é que se uma família quiser não colocar uma criança de 10, 12 ou 14 anos na escola para coloca-la trabalhar, ela poderia fazer isso sem problema algum. É compreensível, tendo em vista que ele praticamente criou a filha dele como um animal em um curral, sem educação e nem suprimentos básicos (procurem entrevistas que ela deu sobre o pai fanfarrão por aí na internet). Outra pérola é quando ele diz que não se tem uma obra relevante publicada por autores brasileiros em 50 anos. Lastimável. Mostra que o imbecil não conhece e não tem estudo sobre literatura brasileira. Tem outras besteiras que agora não lembro de cabeça, mas são todas do mesmo nível.
Também se pegam dados e mais dados que são apresentados parcialmente e que mostram apenas a parte que interessa aos locutores. E, obviamente, não apresenta em nenhum momento qualquer contraponto, o que torna, obviamente, um filme propagandístico da extrema direita. Por fim, quando detonam as universidades federais, aparecem dois advogados dizendo que há perseguição contra professores de direita. A perseguição, na verdade, é descrita como qualquer outra perseguição de qualquer cunho. Eu já vi um professor perseguir uma professora e os dois eram de esquerda. Então, fiquei me questionando: por que não ouviram nenhum professor de direita que se disse perseguido??? Nada. Pura superficialidade. Aliás, essa é a principal característica da trilogia. Uma trilogia intelectualmente preguiçosa e maldosa. Não se aprofunda em nenhum tema e não se ouve o outro lado. Em síntese, tenta se pegar todos os problemas da educação brasileira da história do país e coloca-la na conta do PT e do Paulo Freire. Eles são os demônios! E são comunistas, praticamente uns Mao Tse Tung brasileiros!
Bom, já escrevi demais. Haveria inúmeros pontos para serem detonados aqui, mas vou ser superficial, como eles foram. Para fechar, lanço a questão que me surgiu enquanto eu via o último episódio: e a solução para todos os problemas que foram apresentados se chama Bolsonaro e Weintraub??? Sério isso??? Querem convencer as pessoas de que Haddad, Lula, Dilma, Paulo Freire, etc, é pior do que isso (Bolsonaro e Weintraub)???? Aí, realmente, não é possível levar a sério um material desses. Certamente essa série de filmes, se fosse concorrer a algum prêmio, seria em uma hipotética categoria tragi-comédia-ficcional.
Ah, e maior cara de pau dos produtores foi apresentar um texto definindo o analfabetismo funcional (que cola perfeitamente na massa que elegeu o Bolsonaro se informando por memes, e não por livros ou canais sérios de informação) com imagens de protestos com bandeiras de entidades de esquerda. Seria cômico se não fosse trágico, pois já visualizo milhares de analfabetos funcionais que praticamente nunca leram uma obra clássica (que eles defenderam com unhas e dentes no final – para dar uma impressão de seriedade e intelectualismo) assistindo às três peças cômicas do Brasil Paralelo se posicionando e falando como se fossem especialistas no assunto... Haja estômago!

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