Nessa
semana, viajei de Los Angeles, na Califórnia, diretamente para Araçá, no
litoral norte do Rio Grande do Sul. Fiz a viagem sem pegar carro, trem, avião
ou ônibus. Simplesmente desembarquei em uma noite qualquer do livro “O caminho
de Los Angeles”, de John Fante, para “O melhor lugar do mundo é aqui mesmo em
Araçá”, do gaúcho Sérgio Stangler. Fante cria em seu romance um personagem
completamente maluco, megalomaníaco e egocêntrico. Já no livro de Stangler, a
megalomania está apenas no título. Mas, como conversei com o Sérgio nessa
semana, um pouco de megalomania e egocentrismo às vezes faz bem. Aliás, vez ou
outra concluo que falta um pouco disso nos nossos autores contemporâneos: por
isso é tão difícil achar novos Bukowsks, Thompsons, Kerouacks, Nietzches,
Kants, etc. Humildade é bom, mas às vezes também é válido deixa-la um pouco de
lado para colocar os colhões para fora, esfregando-os na cara do leitor. E, por
isso, começo falando justamente sobre o livro de John Fante.
“O
caminho de Los Angeles” não é um livro para fracos. Escrito nos anos 1930,
quando Fante tinha pouco mais de 20 anos, ele é agressivo, preconceituoso e
megalomaníaco. Porém, o tom cômico e caricatural do personagem nos faz rir vez
ou outra, afinal. Arturo Bandini, o personagem principal, julga-se um gênio, o melhor
escritor do mundo e um artista em construção que vive em Los Angeles nos anos
1930, trabalhando em subempregos (o principal é numa fábrica de peixes) para
sustentar a irmã (que quer ser freira – e que é ferrenhamente zombada por ele)
e a mãe (igualmente vítima do egocentrismo e do cinismo cruel do filho). O
machismo dele em relação as duas é evidente. Em determinada cena, por exemplo,
a mãe de Bandini pede uma explicação sobre uma frase complicada, ao que ele a
olha de soslaio e sentencia: “você não entenderia, não passa de uma mulher”. No
entanto, com o passar das páginas, você vai vendo que há algo de muito
quixotesco em Bandini. Em outra cena, quando ele está massacrando caranguejos
no praia com uma espingarda, ele diz ser o führer dos caranguejos. Uma frase
dessas é quase impensável de ser dita hoje, porém, em 1930, antes da Segunda
Guerra, demonstra como os americanos já sabiam desde cedo sobre o nazismo e o
seu autoritarismo sanguinário. Porém, mais para o final do romance, quando ele
resolve assustar um comerciante, Bandini mente que é um agente comunista a
mando dos russos. A verdade é que o personagem é completamente megalomaníaco e
cômico.
Ele se apaixona pelas mulheres de anúncios de revista e se esconde no
guarda roupas da mãe com uma vela para “namorar” elas às escondidas. Ele ama
profundamente cada uma delas, e a descrição desse amor é ao mesmo tempo intensa
e bizarra – para não dizer doentia. Enfim, são várias cenas completamente inimagináveis
nos dias de hoje que diversas vezes fazem você se pegar rindo da falta de noção
do personagem. Aviso, porém, que há várias cenas com posturas racistas e
machistas de Bandini, mas que, de certa forma, só tornam o personagem mais
ridículo e fracassado (ok, não tanto quanto o nosso desprezível presidente,
pois Bandini pelo menos tinha bagagem intelectual com 20 anos, coisa que o
nosso mandatário tupiniquim não tem estando praticamente com os dois pés na
cova...). Em síntese, é um livro para ser lido como entretenimento, pois não é
nada “utilitarista”.
Aliás,
esse foi um dos pontos que conversei com o Sérgio Stangler, autor dos livros citados
nessa coluna em outros momentos: “Viajando, viajando” e “A penúltima fronteira”.
Poucas pessoas pegam livros para ler simplesmente por prazer. Digo isso sem
nenhuma base científica, mas às vezes tenho a impressão de que as pessoas só
querem ler/assistir coisas que tenha alguma utilidade prática e imediata para
as suas vidas. Daí o sucesso, por exemplo, de livros de autoajuda e manuais do
tipo “como ficar rico em um mês”. Às vezes também lemos romances históricos ou
que retratam um momento importante da humanidade. Eu, particularmente, adoro
esses livros. Mas também gosto daqueles que te dão prazer apenas por conter
boas histórias e, principalmente, nos fazer rir. Por isso não abro mão de Woody
Allen ou Shakespeare, por mais escrotos que eles possam ter sido em suas vidas
pessoais. É a leitura e a literatura como entretenimento e passatempo (um
passatempo que, no fim das contas, acaba sempre nos sendo útil no longo prazo,
mesmo que inconscientemente).
Assim,
chego agora a Araçá. O livro “O melhor lugar do mundo é aqui mesmo em Araçá” é
uma coletânea de crônicas de Stangler. Na verdade, são sete crônicas
deliciosíssimas de ler divididas em 39 páginas. É uma leitura rápida e
prazerosa. Eu li as três primeiras ontem de noite, balançando-me na rede que
fica na frente da casa de meus pais, em Xangri-lá, e terminei hoje de tarde,
sentado em uma cadeira de abrir de frente para o mar tomando latão de Heineken.
Quando disse que iria escrever sobre o livro, o Sérgio sugeriu um título: “As
crônicas que o Bukowski escreveria se fosse brocha”. É um puta título. Aliás,
tanto ele, quanto o velho Buk são ótimos com títulos (coisa para a qual eu sou
péssimo). Bukowski dizia que deu o título de um de seus livros de “O capitão
saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio” apenas porque achou
que era um bom título para ser visto na vitrine de alguma livraria qualquer,
pois as histórias dessa obra não se relacionam em nada com capitães ou
marinheiros. E o Sérgio criou capítulos como esse: “Um estudo
poético-científico baseado na observação dos pilares da antiga guarita de
salva-vidas de Araçá”. Mas, se os títulos são bons, os textos são melhores
ainda. Tem aquele tom típico de conversa fiada da crônica, porém, são textos
que te prendem, pois parece que o autor está conversando contigo a cada linha,
sempre com uma adequada dose de bom-humor.
Eu
me identifiquei com diversas das reflexões apresentadas por Sérgio Stangler.
Ele conta desde como encontrou uma casa no final de uma rua deserta em Araçá (praia
de Capão da Canoa-RS) para transformá-la praticamente em um país independente
do Brasil, mais ou menos como fez o personagem de “Um exército de um homem só”,
do Moacyr Scliar. Quando você cruza o portão da casa, você realmente se sente
como se estivesse entrando em outro país. A vantagem desse país é que o visto é
carimbado pelo próprio Stangler e, se você for bem-vindo, tem comida boa e
cerveja gelada. Lendo o livro depois de duas visitas a Araçá (uma feita no ano
passado e outra nesse ano), eu ainda fiquei sabendo da história dos
cachorrinhos que lá vivem, adotados por Stangler e pela esposa.
Um deles,
inclusive, é o mais rápido do Velho Leste (cão da foto). Os nomes dos caninos também são
sugestivos: a cadelinha Praia e o cusco Molusco. A Praia faz um barulho
estranho para respirar que me deixou preocupado algumas vezes, fazendo com que
volta e meia eu perguntasse para o Sérgio: “esse barulho é normal?”, mas é um
ronco típico da raça (que agora eu não lembro e estou com preguiça de procurar
no livro, pois o sono está batendo). Ah, e sugiro que a leitura seja feita – se
possível – na praia, de frente para o mar, pois o oceano e as dunas são alguns dos
temas principais dos textos. O Sérgio conta, por exemplo, que gosta de acordar
cedo e caminhar na praia ainda deserta, catando conchas. Já eu, também adoro
caminhar sozinho à beira mar – às vezes caminho por duas ou três horas – mas ainda
estou na fase noturna, ou seja, durmo e acordo tarde. Funciono mais de noite e
penso que nunca vou mudar. Hoje, por exemplo, acordei “cedo” para ver a final
da Copinha (argh!) e agora, meia noite e quarenta e sete, estou caindo de sono.
Em dois ou três dias volto ao normal: dormir às duas ou três da madrugada para
acordar às onze horas ou meio-dia. Gosto de ler, pensar, imaginar, sonhar
acordado, respirar, escrever, trabalhar, conversar, etc, à noite. Ou, pelo
menos, depois das 18h. De manhã – quando estou acordado – não funciono.
Enfim,
há inúmeros tópicos interessantes que o Sérgio Stangler traz para o leitor e
cada um deles mereceria inúmeras reflexões. É um livro prazeroso e que faz
pensar, e isso é o que pode haver de melhor em um livro. No entanto, como
disse, estou com sono.
Não sei como você, imaginário leitor, pode adquirir o
livro, mas presumo que pode falar diretamente com o Sérgio (só procurar ele no
Facebook – foi de lá que roubei as fotos para o post). Certamente, depois que
terminar esse texto, vou lembrar vários outros pontos que pensei em escrever e
que esqueci, assim como depois que gravamos uma hora de entrevista para ir ao
ar no meu programa sobre literatura na Federal FM, de Pelotas, assim que
cheguei em casa, recordei de diversos tópicos que eu queria ter abordado e que
acabaram se perdendo na conversa e nos copos de cerveja. Sim, meus alunos, eu
não fiz o que aconselho para vocês: anotar pelo menos alguns tópicos principais
numa folhinha para não acontecer isso na hora de gravar uma entrevista... Mas
foi bom igual e, fuck!, eu estou oficialmente de férias. Em breve, a entrevista
(gonzo?) estará no ar.
Hasta!
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