Como a essa altura do campeonato já
faz mais de meio ano que tudo aconteceu – e, como disse, meu objetivo não é
fazer um diário, mas sim contar as principais impressões da viagem – não vou narrar
dia a dia os cerca de 10 dias em que ficamos em Burgos, hospedados na casa da
tia Ella e do tio Xema, que moram com o filho Alex e o labrador Zeus (que é bem
parecido com a nossa Zuma). Até porque agora, escrevendo em um apartamento
gelado no inverno gaúcho, as lembranças se misturam – não lembro o que fizemos
primeiro ou o que fizemos por último. Então, vou dividir a passagem por burgos
em Natal e Ano Novo, com algumas lembranças e memórias sendo colocadas em meio a
essas duas datas.
Esse foi o segundo Natal que passei
fora do Brasil: o primeiro havia sido em Nova York, em 2013. Assim como daquela
vez, foi bem familiar e caseiro: ficamos em casa, colocando as conversas em
dias, comendo bastante (sinceramente, não lembro exatamente o quê, mas recordo
que era diferente das nossas comidas e que era delicioso), bebendo cerveja e fazendo
a tradicional troca de presentes com a presença espiritual de Santa Claus, o
Papai Noel, que vive ali pra cima, no Polo Norte finlandês. Ah, e claro,
falamos com a Larissa por chamada de vídeo, que estava na casa de meus pais, em
Xangri-lá-RS, pois a saudades da minha baixinha começava a apertar – e essa a
primeira vez que passávamos o Natal longe dela e da Laura – a outra baixinha,
que já está com 18 anos.
Não lembro se foi no dia 24 mesmo,
ou no dia seguinte, que a tia nos mostrou o povoado onde eles moram: é uma
espécie de distrito em Burgos que fica – se não me engano – em torno de uns 5
quilômetros do centro. É bem tranquilo e, depois de zanzar por lá umas quatro
ou cinco vezes sozinho com o Zeus, eu já me localizava geograficamente com
certa facilidade.
Rua onde moram tio Chema, Ella, Alex e Zeus
Cris e Tia Ella passeando com Zeus
Povoado onde moram Tia Ella e Tio Xema
Era difícil se perder, porque de qualquer lugar você
enxergava a ponta da torre da igreja com o sino, e a casa da tia fica ali
pertinho. Eu colocava a minha toca, blusão, casaco e luvas e ia para o vento frio
do inverno espanhol com o Zeus, que comparado com a Zuma é o cachorro mais
obediente do mundo. A única “arte” que ele fez foi uma vez em que o soltei num
gramado aberto com a guia no pescoço e ele saiu correndo até um canto onde fez
xixi em cima da guia....
Depois, lavei-a bem em uma torneira pública, enquanto
ele ficava tentando beber a água que saía de lá, atrapalhando a minha
empreitada...
A tia e o tio também nos mostraram
todo o centro, comemos as tradicionais batatas bravas tomando chope, saímos
para comer, visitei a livraria que, se não me engano, é a mais antiga da
Europa, onde comprei dois livros: a coletânea completa de poesias de Jorge Luís
Borges e um livro de narrativa de viagem do jornalista espanhol Antonio
Pampliega sobre o Afeganistão. Também compramos presentes pra todo mundo no
Brasil, essas coisas que todo turista faz, além de algumas roupas e casacos
para inverno, fora os que ganhamos do tio e da tia... Minha preocupação passava
a ser a mala: será que caberia tudo nas duas bagagens a que tínhamos direito ao
voltar para o Brasil? Resposta nos próximos capítulos...
De noite, geralmente jogávamos
canastra: eu e o Chema contra a Cris e a tia. Geralmente ganhávamos (kkkkkkk –
não resisti de alfinetar a tia...). Aprendi várias coisas em espanhol, como o “vete
a tomar por culo”, que no início eu entendia outra coisa, que já não lembro
mais o que era, mas que fez todo mundo dar boas gargalhadas. Eu falava coisas
como “vete a tomar per colo” ou “vete a levar no colo” até memorizar a frase.
Inclusive, cheguei a anotar ela em um papel, para xingar alguém enquanto
jogávamos.
Outra coisa era o “joooooder!”, que eu ouvia eles falarem a toda
hora – principalmente durante os jogos - mas, na minha ingenuidade, não tinha
me ligado em trocar o “j” pelo “f”, e assim ficava me questionando: “que diabos
é joder??”. Até que um dia perguntei, para diversão do tio e da tia. Também
tinha uma brincadeira de “Xuxa”, “Xaxa”... que eu não lembro ao certo como
terminava e que também não recordo de onde surgiu: acho que “xaxa” quer dizer
bo.... em espanhol, não tenho certeza.
Ah, e também conheci a sede do
Juventud, o time de categorias de base que o Xema treina, juntamente com o
Alex. É um passatempo, pois o tio tem o seu emprego normal e treina o time de
jovens nos horários de folga. Ganhei até uma manta do clube, que tem as mesmas
cores do Juventude de Caxias do Sul. Assisti também aos jogos sub-12, sub-10 e
sei lá mais o quê das categorias de base dos clubes europeus que eram
transmitidos pelos canais fechados por equipes super profissionais (com
repórteres entrevistando guris de 8 ou 9 anos, comentaristas falando de tática
como se estivessem comentando jogos da Champions, narradores profissionais,
etc). Também vi nos noticiários algumas pautas que pareciam ser brasileiras:
como um caso de racismo contra um jogador na Itália e a polêmica em torno de um
policial que tinha matado um cachorro em Barcelona, alegando que atirou para
não ser mordido. Um prato cheio para um jornalista e pesquisador da área, como
eu. Obviamente, enquanto via tudo, eu ficava pensando em como seria bom fazer
um pós-doutorado por lá... Quem sabe um dia...
Bom, aconteceram muito mais coisas,
obviamente, mas as imagens de algumas fotografias que partilho aqui falam por
si sós. Ah, não posso esquecer de escrever sobre a catedral de Burgos, uma das
mais belas e impressionantes da Europa, e do presépio em miniatura – que se não
me engano é o maior da Europa ou da Espanha, ou de ambos. Também descobri que
essa obsessão por títulos de “o maior”, “o mais espetacular”, “o número 1” não
é exclusividade de brasileiros e americanos. Acho que todos os povos lutam para
ser os melhores ou maiores em algumas coisas. Hoje, por exemplo, o Brasil é o
país com o presidente mais idiota e patético do mundo – e é difícil encontrar
alguém que acompanhe política internacional que discorde disso. Mas não vou
entrar nesse assunto agora...
Ah, e Burgos também está na rota do caminho do
peregrino de Santiago de Compostela que, aliás, queria estudar mais sobre isso.
Bem como fiquei curioso para ler mais sobre Cid, que tem a estátua numa das
principais regiões da cidade e que teria sido uma espécie de bandido-herói
espanhol há mais ou menos uns mil anos atrás: ele foi o único guerreiro a
ganhar uma batalha mesmo depois de morto. Pelo que entendi do que o tio Xema me
contou, não recordo em que contexto, o exército do Cid estava perdendo uma
guerra e Cid havia sido morto. Porém, devido a fama de ser um guerreiro forte e
praticamente imbatível, colocaram-no em cima do cavalo, morto, com a lança a
postos. Ao ver Cid vindo montado a cavalo, armado, os inimigos deram no pé.
Enfim, é bastante coisa para aprender e estudar.
Tia Ella e Tio Xema
Uma das livrarias mais antigas da Espanha
Peregrino de Santiago de Compostela
Cid: Herói Nacional
Bueno, como também o tempo anda
escasso – e mesmo sem iniciarem as aulas do segundo semestre já tenho várias
outras obrigações acadêmicas, literárias, profissionais e pessoais – vou acabar
resumindo essa reta final da nossa viagem. Obviamente que situações e episódios
que aconteceram há meses, anos ou décadas sempre estão voltando e as menções e
lembranças estão frequentemente reaparecendo em nossa mente e, para mim, em
meus textos. Hasta!
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