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sábado, 11 de abril de 2020

Escritor de boteco


Estou lendo o segundo volume da trilogia autobiográfica de Henry Miller. Há uns dois anos li Sexus, hoje estou no Plexus e, talvez um dia, leia o Nexus, pois cada um desses volumes tem cerca de 700 páginas. No Sexus ele aborda mais questões de relacionamento, casamento, amantes, etc. No Nexus, pelo menos até a página 200, ele está focando na insanidade que era na década de 1920 (e sempre foi e continua sendo) querer “ganhar a vida” como escritor. Ou seja, ele luta para viver de literatura, sem se entregar a outros afazeres. Lendo sobre esse dilema do velho Henry – que, aliás, já estudei mais a fundo nas minhas pesquisas sobre Erico Verissimo e Hunter Thompson e outros jornalistas-escritores de diversos tempos – fiquei me questionando: posso me considerar um escritor? Tendo dois livros (acadêmicos) publicados e escrevendo frequentemente para jornais, sites e revistas, cheguei à conclusão de que sou um escritor de boteco. Explico-me.
Assim como há milhões de músicos de boteco espalhados pelo mundo, eu sou um escritor de boteco, que tem um público super restrito. Aliás, um público formado majoritariamente por parentes e amigos (minha mãe, meu primo Marcos e meu amigo Sérgio Stangler – que, aliás, me leem – ou dizem que leem - pela minha insistência em mandar os links dos meus textos).
Da mesma forma que os músicos, eu amo a arte (no caso, a literatura), produzo a arte, mas não consigo viver da arte. Logo, tenho minha profissão remunerada que não inclui produzir literatura (antes, jornalista; agora, professor). E se num boteco, depois da décima cerveja, você me perguntar: “mas se pudesse, você gostaria de viver exclusivamente de literatura?”. Eu certamente tomaria o próximo copo de cerveja em um gole e responderia: “É claro!”. Não me interpretem mal, eu adoro ser professor (amo do fundo do coração todos os meus alunos e ex-alunos) e, confesso, gostava demais (DEMAIS MESMO!) de trabalhar em redação. No entanto, se eu pudesse ter todo o tempo do mundo para criar romances e escrever o que quisesse e, principalmente, viajando livremente pelo mundo sem prazo para voltar para capturar histórias que me inspirasse, eu escolheria viver disso. No entanto, profissionalmente, a literatura é para mim, aos 38 anos de idade, o mesmo que é para o músico que trabalha num escritório durante o dia de segunda a sexta e na noite de sexta e sábado sobe ao palco muito mais por diversão e prazer pessoal do que para ganhar qualquer trocado.
Aliás, as semelhanças entre o músico e o escritor de boteco não param por aí. A luta pelo reconhecimento também é semelhante. O músico pode até se tornar semi-profissional gravando em estúdio, lançando um ou outro álbum, mas ele acaba não conseguindo largar a sua profissão rentável para viver da arte. E isso não quer dizer que ele seja menos bom do que os profissionais (conheço muitos músicos de boteco que tem muito mais talento do que vários sucessos nacionais). O mesmo acontece com o escritor.
Tive relativa facilidade para encontrar editoras para publicar meus dois livros acadêmicos, justamente porque sou pesquisador e professor da área – e tenho muito orgulho deles. Porém, há alguns meses conclui meu primeiro romance – um legítimo romance de boteco, uma espécie de tributo a Bukowski, Thompson, Henry Miller e Pedro Juan Gutierrez. No entanto, ao entrar em contato com duas grandes editoras brasileiras, elas sequer toparam olhar o material. Mas não desisto. Confio no meu taco. Sei que o que escrevi é muito melhor do que a maioria dos livros sem cor de figurões que publicam por causa do nome e sobrenome. Não vou parar de escrever por isso. Vou continuar sendo um escritor de boteco para a sorte, ou desespero, da minha mãe, do Marcos e do Sérgio (que, aliás, é o único para quem enviei os originais do meu primoroso romance). Enquanto houver leitores e botecos, seguirei escrevendo e sonhando.

2 Comentários:

  • Creio que esses sonhos paralelos a tantas coisas é o que nos mantém caminhando.

    Por Blogger Joel Felipe Guindani, às 12 de abril de 2020 às 05:40  

  • Duda, invejo a tua biblioteca, pois aqui em casa já tô lendo até bula de remédio, hehehe. É difícil mesmo furar a blindagem das grandes editoras, já diagramei 2 livros de contos de dois caras feras de Salvador e até hj os livros estão no computador. Esse país é uma lástima. Mas não desista!

    Por Blogger Paulo Munhoz, às 12 de abril de 2020 às 07:11  

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