Estou lendo o segundo volume da
trilogia autobiográfica de Henry Miller. Há uns dois anos li Sexus, hoje estou
no Plexus e, talvez um dia, leia o Nexus, pois cada um desses volumes tem cerca
de 700 páginas. No Sexus ele aborda mais questões de relacionamento, casamento,
amantes, etc. No Nexus, pelo menos até a página 200, ele está focando na
insanidade que era na década de 1920 (e sempre foi e continua sendo) querer “ganhar
a vida” como escritor. Ou seja, ele luta para viver de literatura, sem se
entregar a outros afazeres. Lendo sobre esse dilema do velho Henry – que,
aliás, já estudei mais a fundo nas minhas pesquisas sobre Erico Verissimo e
Hunter Thompson e outros jornalistas-escritores de diversos tempos – fiquei me
questionando: posso me considerar um escritor? Tendo dois livros (acadêmicos)
publicados e escrevendo frequentemente para jornais, sites e revistas, cheguei à
conclusão de que sou um escritor de boteco. Explico-me.
Assim como há milhões de músicos de
boteco espalhados pelo mundo, eu sou um escritor de boteco, que tem um público
super restrito. Aliás, um público formado majoritariamente por parentes e
amigos (minha mãe, meu primo Marcos e meu amigo Sérgio Stangler – que, aliás,
me leem – ou dizem que leem - pela minha insistência em mandar os links dos
meus textos).
Da mesma forma que os músicos, eu
amo a arte (no caso, a literatura), produzo a arte, mas não consigo viver da
arte. Logo, tenho minha profissão remunerada que não inclui produzir literatura
(antes, jornalista; agora, professor). E se num boteco, depois da décima
cerveja, você me perguntar: “mas se pudesse, você gostaria de viver
exclusivamente de literatura?”. Eu certamente tomaria o próximo copo de cerveja
em um gole e responderia: “É claro!”. Não me interpretem mal, eu adoro ser
professor (amo do fundo do coração todos os meus alunos e ex-alunos) e,
confesso, gostava demais (DEMAIS MESMO!) de trabalhar em redação. No entanto,
se eu pudesse ter todo o tempo do mundo para criar romances e escrever o que
quisesse e, principalmente, viajando livremente pelo mundo sem prazo para
voltar para capturar histórias que me inspirasse, eu escolheria viver disso. No
entanto, profissionalmente, a literatura é para mim, aos 38 anos de idade, o
mesmo que é para o músico que trabalha num escritório durante o dia de segunda a
sexta e na noite de sexta e sábado sobe ao palco muito mais por diversão e
prazer pessoal do que para ganhar qualquer trocado.
Aliás, as semelhanças entre o
músico e o escritor de boteco não param por aí. A luta pelo reconhecimento
também é semelhante. O músico pode até se tornar semi-profissional gravando em
estúdio, lançando um ou outro álbum, mas ele acaba não conseguindo largar a sua
profissão rentável para viver da arte. E isso não quer dizer que ele seja menos
bom do que os profissionais (conheço muitos músicos de boteco que tem muito
mais talento do que vários sucessos nacionais). O mesmo acontece com o escritor.
Tive relativa facilidade para
encontrar editoras para publicar meus dois livros acadêmicos, justamente porque
sou pesquisador e professor da área – e tenho muito orgulho deles. Porém, há
alguns meses conclui meu primeiro romance – um legítimo romance de boteco, uma
espécie de tributo a Bukowski, Thompson, Henry Miller e Pedro Juan Gutierrez.
No entanto, ao entrar em contato com duas grandes editoras brasileiras, elas sequer
toparam olhar o material. Mas não desisto. Confio no meu taco. Sei que o que
escrevi é muito melhor do que a maioria dos livros sem cor de figurões que
publicam por causa do nome e sobrenome. Não vou parar de escrever por isso. Vou
continuar sendo um escritor de boteco para a sorte, ou desespero, da minha mãe,
do Marcos e do Sérgio (que, aliás, é o único para quem enviei os originais do
meu primoroso romance). Enquanto houver leitores e botecos, seguirei escrevendo
e sonhando.
2 Comentários:
Creio que esses sonhos paralelos a tantas coisas é o que nos mantém caminhando.
Por Joel Felipe Guindani, às 12 de abril de 2020 às 05:40
Duda, invejo a tua biblioteca, pois aqui em casa já tô lendo até bula de remédio, hehehe. É difícil mesmo furar a blindagem das grandes editoras, já diagramei 2 livros de contos de dois caras feras de Salvador e até hj os livros estão no computador. Esse país é uma lástima. Mas não desista!
Por Paulo Munhoz, às 12 de abril de 2020 às 07:11
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