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sábado, 25 de julho de 2020

David Copperfild – Parte 1


Se tem alguma coisa que vou lembrar dessa quarentena provocada pelo Covid-19, vai ser a leitura do livro “David Copperfield”, do escritor inglês Charles Dickens. Cheguei a essa obra por indicação do meu amigo e escritor Sérgio Stangler. Como sou fã de seus textos e confio plenamente em seu gosto literário, não pude deixar de correr atrás daquele que Stangler revelou ser seu livro preferido, the number one entre todos. Sei que cada um tem seus motivos pessoais para fazer essa escolha e David Copperfield sem dúvida nenhuma entrou na minha lista dos 5 mais, no entanto, ainda creio que “Dom Quixote”, de Cervantes, nunca vai perder o posto de número 1 da minha lista. Como mencionei, cada um com seus motivos.
Mas vamos à obra. A resenha que faço aqui, como as tantas outras que já postei no blog, serve apenas para consulta particular do próprio autor e, portanto, não deve ser lida por ninguém. Quem se atrever a não parar aqui e seguir adiante vai perder o nariz nos próximos dois anos.
A narrativa pode ser dividida em várias partes. Como a obra completa tem cerca de 1.200 páginas na edição da Penguin da Companhia das Letras, dividi em três partes dando conta de 400 páginas cada. No entanto, considero as primeiras 200 páginas um caso a parte, pois realmente marca um ciclo na vida do personagem: do nascimento até os 10 anos de idade, ou seja, a infância, parte da vida mais importante de uma pessoa, no meu humilde entendimento.
Para contar a vida de Copperfield, Dickens utiliza a primeira pessoa. Ou seja, é um livro de memórias do personagem fictício. O curioso é que ele publicou essa obra quando tinha exatamente a mesma idade que tenho ao escrever essas linhas: 38 anos. Não posso negar que sinto uma inveja boa do autor inglês, pois nunca seria capaz de escrever tamanha obra prima, nem com 38, nem com 58, nem com 78, nem com 108 anos. Mas, vamos lá. O resumo da infância de Copperfield é o seguinte:
Copperfield já nasce sem pai, pois ele morre ainda durante o período de gravidez da senhora Copperfield. Na noite do nascimento aparece uma tia rabugenta do pai de David, chamada Betsey. Ela é completamente maluca e mal humorada e diz que vai cuidar da nenê que vai nascer assim como se fosse sua própria filha. No entanto, ela é surpreendida pelo médico que faz o parto:
“- E ela. Como está ela? – minha tia perguntou, ríspida.
O Dr. Chillip inclinou um pouco mais a cabeça para o lado e olhou minha tia como um afável passarinho.
- A bebê – disse minha tia – Como ela está?
- Minha senhora – retomou o dr. Chillip -, achei que soubesse. É um menino” (p.29).
Então, tia Betsey vai embora para nunca mais voltar àquela casa. Não vou transcrever a obra completa aqui, então, vou dar um geralzão na sequência.
Copperfield nasce e vive seus primeiros anos com a mãe e a babá, Peggotty. Os três estão felizes da vida até que a mãe de Copperfield começa a ser cortejada por um homem chamado sr. Murdstone. David, então, é enviado para passar 15 dias na casa do Sr. Peggotty, irmão da babá, onde lá ele conhece outros personagens secundários, sendo que alguns são mencionados mais para frente. Bueno, quando David volta para casa, encontra tudo diferente, o sr. Murdstone sentado no sofá e a mãe dele agindo completamente diferente. Adivinhem? Eles casaram e agora o sr. Murdstone é o padrasto de David. A relação entre David, o sr. Murdstone e a irmã dele, chamada Jane (ah, conheço Janes tão bruacas quanto ela) é um dos pontos altos e dramáticos de toda a história. Confesso que devorei essa parte do livro com angústia, curiosidade pelo que vinha em frente e torcendo muito pelo protagonista. Tudo porque as atitudes do Sr. Murdstone e de sua irmã são facilmente identificáveis em pessoas que conheço; e a própria história de Copperfield, de certa forma, assemelha-se com a história da infância de meu pai, tios e tias, que também perderam a figura paterna muito cedo e foram “criados” por um padrasto tirano que a essa hora deve estar ardendo nos fogos do inferno ou penando pelo purgatório do além.
A relação que se estabeleceu foi a seguinte: o sr. Murdstone censurava qualquer demonstração de afeto que a mãe de Copperfield pudesse ter com o filho. Ele e Jane tomaram as rédeas da casa, decidindo sobre tudo e exigindo gratidão por parte da mãe de Copperfield por eles terem entrado na sua vida para organizar tudo. Conheço gente assim: chegam, tentam bagunçar tudo, querem mandar nas tuas coisas e ainda cobram gratidão (em síntese, o perfil do típico bolsonarista contemporâneo). No meu caso, consegui dar um chute na bunda de um casal que parecia o Sr. E a Sra. Murdstone pois eles tentaram fazer exatamente o mesmo, honrando a péssima fama caricatural de sogros e sogras. Só pensam em dinheiro e odeiam crianças. Filhos da puta. Mas, feito esse parêntese, totalmente pessoal, em determinada altura da narrativa o sr. Murdstone, irritado por Copperfield não conseguir resolver problemas matemáticos, resolve leva-lo para o quarto para dar um corretivo nele. Durante a surra, a criança morde a mão do padrasto. Como punição, ele é enviado para um colégio interno onde um tirano tão ruim quanto o Sr. Murdstone comanda tudo batendo e humilhando os alunos. Além disso, o guri faz o trajeto da cidade onde mora até a cidade onde fica a escola praticamente sem dinheiro e com a recomendação para que todos tomem cuidado, pois o moleque teria a triste e estranha mania violenta de morder as pessoas... Chegando na escola (no período de férias, como mais uma parte do castigo) é colocada uma placa escrito “cuidado, ele morde”, em suas costas.
Começando as aulas, o pequeno Copperfield faz algumas amizades, sendo que a que mais se destaca é com Steerforth, mais velho e líder entre os alunos. Aliás, o único estudante respeitado pelo diretor devido à condição financeira de sua família. Durante a estadia no internato, Coppefield faz uma viagem para casa, onde fica 30 dias sendo humilhado e perseguido pelo sr. Murdstone e a irmã, com mãe acompanhando tudo aflita mas sem fazer nada, bem como Peggotty – que é uma personagem importante na história, mas que não vou me aprofundar aqui para não me estender além da conta. Copperfield volta para a escola e, no dia de seu aniversário, é chamado pelo diretor. Ele imagina que vai receber uma cesta cheia de presentes enviados por Peggotty, no entanto, lhe é comunicada a morte de sua mãe e do bebê recém nascido, seu meio irmão. Ele é enviado de volta para casa, porém, está completamente sozinho no mundo: sem pai nem mãe. Para piorar, Peggotty é demitida e se casa com o sr. Burkis, o simpático cocheiro que lhe trouxe de volta para casa.
Durante esse período, Copperfield descreve que o sr. Murdstone e a irmã simplesmente não ligam para ele. Ou seja, não o maltratam, mas também não o ajudam. Ele fica zanzando pela cidade ou pela casa, sem nada para fazer, pois a dupla decide não lhe enviar de volta para a escola (para não gastar, algo tão típico desse tipo de gente...). Quando completa 10 anos, o padrasto decide enviar Copperfield para Londres para trabalhar na fábrica da sua empresa que produz vinho. Assim, como se fosse um adulto, ele passa a morar em um quartinho em uma pensão e a trabalhar desde cedo da manhã até as oito horas da noite. Copperfield conhece algumas pessoas e faz amizade com a família dona da casa onde o quarto é alugado, mas tendo que trabalhar como operário de fábrica para ganhar dinheiro apenas para comer umas migalhas, a situação fica insustentável e ele resolve fugir para procurar a tia Betsey. A jornada de Londres até a cidade da tia é absolutamente angustiante e triste.
Logo na saída ele é roubado e fica apenas com a roupa do corpo e algumas moedas. Após seis dias caminhando e dormindo ao relento (penhorando seu colete e outras peças de roupa para ter o que comer) ele chega à cidade. Após novo sofrimento para encontrar a casa da tia Betsey, finalmente ele chega lá, para surpresa dela. Com a mesma postura firme com que é descrita no início do livro, ela ouve toda a história do sobrinho e, após alguns dias, resolve escrever para o padrasto, que decide ir até a cidade para levar o garoto de volta e lhe dar novo corretivo para deixar de ser um garoto ruim e ingrato. Eis um detalhe interessantíssimo: a sra. Betsey é uma feminista ferrenha (apesar de não ser descrita com essa palavra). Era tão feminista, que ao ver que o bebê que havia nascido anos atrás não era uma menina, decidiu renega-lo, pois ela considerava os meninos e os homens o grande mal da humanidade. Sendo assim, há cena absolutamente genial e inesquecível em que há o confronto entre a sra. Betsey, o sr. Murdstone e a irmã Jane, que não vou descrever aqui pois deve ser lido obrigatoriamente na íntegra. Confesso que vibrei como se fosse um gol do Grêmio contra o Inter no final, quando a sra. Betsey expulsa o sr. Murdstone e fica com o garoto. Ah, outro personagem intrigante é o Sr. Dick, descrito como um sujeito com problema mental, também adotado no passado pela sra. Betsey. Ele é muito empático e divertido, sempre agindo como uma criança de 10 anos.
Aí começa uma nova vida para Copperfield, que é enviado para outra escola. Há um salto grande, entre as páginas 200 e 400, pois quando a gente menos espera Copperfield já está com 17 anos. Também há vários personagens secundários que aparecem e reaparecem ao longo da narrativa, mas que não tenho como descrever a todos. Os principais, no entanto, passam a ser a tia Bertsey, o diretor da escola, Sr. Strong, a esposa dele, o primo da esposa dele, que não me recordo o nome, a Peggotty, o irmão dela (sr. Peggotty), a pequena Emily (adotada pelo sr. Peggotty e que é o primeiro amor platônico de Copperfield) e o amigo Steerforth. Deve ter outros, mas são desses que me recordo agora.
Ao concluir os estudos, a tia Bertsey envia Coppefield para uma viagem de 30 dias para a casa da babá Peggotyy, no entanto, no caminho ele encontra Steerforth. Depois de ficar uma semana na casa dele (como mencionado, ele vinha de família rica) o amigo resolve lhe acompanhar no resto da viagem. Assim, depois de anos, ele reencontra a babá Peggotty e seu marido cocheiro, o sr. Peggotty e sua família, inclusive a pequena Emily, que agora está noiva de Ham, outro rapaz órfão adotado pelo sr. Peggotty lá no início do livro. Confuso, não? Claro, tudo parece bastante claro se você está lendo a obra de Dickens.
Essa última parte da narrativa é mais alegre e demonstra a formação de Copperfield enquanto pessoa.
É interessante porque nos faz lembrar as nossas raízes, nossos amigos de escola, os primeiros amores platônicos, os parentes e familiares que há anos não vimos e os que já partiram. É uma obra escrita para ser um clássico, com linguagem de fácil compreensão, mas com uma estética literária impressionante. E, o principal, faz com que você leia páginas e páginas e não sem se cansar, muito pelo contrário, a cada dezenas e centenas de páginas você fica curioso para saber o que está por vir na sequência. E, lendo esse livro, adquiri um novo hábito para leitura: tenho ouvido música clássica e, às vezes, tomado um vinho ou uma cerveja enquanto “ouço” Copperfield contar a sua história. Em síntese, encontrei um novo prazer na vida: ler um puta livro ouvindo música clássica e misturando tudo em meu cérebro com um pouco de álcool para dissolver e curtir esse prazer.
E era isso que tinha para falar sobre as primeiras 400 páginas de David Copperfield. Se você chegou até aqui, tome cuidado com seu nariz!

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