Reflexões da quarentena (Covid-19, 2020)
Escrevo esse texto para as futuras gerações. Para aqueles que nasceram há pouco, que ainda são bebês, e aqueles que nascerão nos próximos anos e que vão estudar e tentar entender o que foi a pandemia causada pelo vírus da Covid-19, especialmente no Brasil. Hoje, 7 de setembro de 2020, completamos aproximadamente meio ano de quarentena (em cidades como Pelotas-RS o isolamento social começou no início de março). No meu caso, as atividades na universidade passaram a ser todas remotas, ou seja, são seis meses sem sair de casa para trabalhar e seis meses sem pisar no campus. O mesmo acontece com a minha filha, que está no quarto ano. Ela teve aula apenas no início de março e, desde e então, as atividades estão sendo realizadas exclusivamente à distância. Posso contar nos dedos quantas vezes ela saiu de casa nesses seis meses e, acredite, essa contagem não ocupa os dez dedos de minhas mãos.
E
como foram esses seis meses?, me pergunta o sujeito imaginário do futuro. No
início, apesar do pânico e do medo de pegar a doença, parecia uma novidade. Foi
estranho ficar em casa praticamente o dia todo e, cada vez que saia na rua,
havia uma preocupação contínua em desviar de quem estivesse sem máscara. No
primeiro mês ainda arrisquei fazer caminhadas e corridas no caminhodromo perto
do apartamento onde morávamos, mas logo desisti, pois quase ninguém usava
máscara. Chegamos a pegar fila para entrar no supermercado, pois haviam
limitado o número de pessoas que poderiam ficar lá dentro ao mesmo tempo. No
início (dois ou três primeiros meses) o cuidado foi bem maior por parte das pessoas
e dos estabelecimentos. Em um supermercado maior, a cada cliente que passava
pelo caixa toda a estrutura era higienizada. Assim, o primeiro mês foi de muito
cuidado: evitar contato com quem quer que seja e também ficar atento a qualquer
sintoma – eu, por exemplo, sempre tive excesso de tosse seca em situações de
mudança brusca de temperatura. No início aproveitei para maratonar os filmes
que haviam ganho o último Oscar e também para assistir a filmes que há muito eu
queria ver, como O Poderoso Chefão, conforme comentei aqui no blog em postagens
da época. Eu conversava seguidamente via áudios de whattsapp com amigos e
comprei dois jogos de vídeo game novos: Red Dead Redemption 2 e Fifa 2020. O
Red Deade eu terminei semana passada o modo história. E no Fifa 20, modesta
parte, estou craque. Também li bastante, mas não vou lembrar de cabeça todos os
livros – para isso, basta consultar as minhas postagens no blog, pois
geralmente eu faço resenhas dos livros que leio nesse eespaço.
Enfim,
os primeiros dois ou três meses foram bem estranhos. Lá por maio tivemos que
tomar uma decisão difícil: mudar de apartamento. O apartamento em que morávamos
era muito pequeno e havia um problema crônico de falta de água. Ou seja, às
vezes a água acabava no sábado de noite e tínhamos que esperar até a segunda
para ligar para a imobiliária para ir um encanador resolver o problema de ar
nos canos (que impedia que a água chegasse até o nosso andar, o último do
prédio). Cansados dessa situação, resolvemos nos mudar. Teve a etapa de olhar
apartamentos e, depois, em julho, a mudança, que já é cansativa em condições
normais, mas que nessa situação de pandemia foi triplamente estressante,
principalmente porque tivemos a infelicidade de contratar uma empresa amadora
de mudança em que os funcionários teimavam em usar a máscara no queixo.
Além
de tudo isso, tem a questão das crenças universais e brasileiras. A pandemia
serviu para eu confirmar a conclusão de que o Brasil é, definitivamente, um
caso perdido. Que Bolsonaro fosse um incompetente idiota seguido por zumbis
acéfalos eu já sabia, mas nunca imaginei que mesmo com demissões de super
ministros (que até então eram idolatrados pelos bolsonaristas, como Mandetta,
da saúde, e Moro, da Justiça) e que milhares e milhares de mortes de
brasileiros que seguiram a orientação presidencial de não fazer distanciamento
social e não usar a máscara praticamente não afetaria em nada o que o cidadão
médio do Brasil pensa sobre o seu presidente. Em resumo, apesar das lambanças
políticas, da crise econômica, da ausência de auxilio governamental para a
população e para os empresários em meio a uma pandemia, das mais de 120 mil
mortes até o momento, das frases absurdas ditas por ele ao longo de toda essa
crise, enfim, da sua inação e da sua boçalidade e crueldade com declarações
dignas de Adolf Hitler, os brasileiros não mudaram de opinião. Quem odiava ele,
segue odiando, quem era neutro, segue neutro, criticando ele mas afirmando que,
contra o PT, votaria nele de novo, e quem apoia ele, segue o amando incondicionalmente
com uma dose de prazer sexual nessa adoração. Eu diria, inclusive, que, se seis
meses após o início da pandemia, com o Brasil quebrado, recordes de desemprego
e inflação, 120 mil mortes, enfim, com o Brasil aos frangalhos, se fosse ano de
eleição presidencial, os brasileiros escolheriam novamente o seu pior
presidente de todos os tempos para seguir no cargo. Enfim, é desanimador.
E, nesse macro cenário, é que estamos encarando o fim do sexto mês de confinamento e ingresso no sétimo. Eu não aguento mais ficar em casa e sofro ao ver minha filha sem poder ir para a escola e sem brincar pessoalmente com os amigos e colegas. Ontem, por exemplo, acabei levando ela no parque da cidade para encontrar com um amigo/colega dela pela primeira vez, ambos usando máscara. Sofro com isso e muito mais, mas sei que sofreria infinitamente mais se eu ou ela ou qualquer um que eu amo morresse de Covid-19 por falta de cuidados básicos, como os 120 mil que já morreram. A pandemia vai passar, o lançamento da vacina se aproxima (previsão para início de 2021), ou seja, ainda teremos mais uns quatro ou cinco meses de confinamento. Claro que o cansaço chegou: aquele medo de antes não se sente mais e as filas nos mercados e a higienização obsessiva dos estabelecimentos ficou para trás, o que de certa forma, justifica o aumento de casos.
Durante
esse meio ano, eu já fiz de tudo: maratonei filmes e séries, li muitos livros, tomei café pacaraí, gravei minhas aulas, corrigi trabalhos, participei de reuniões e bancas
remotas, fiz esteira e musculação numa mini academia improvisada no terraço, passeei
muito com a Bolinha (nossa cadela), brinquei com os gatos, dormi pra caralho,
me estressei com a síndica do novo prédio, bebi bastante, dei risada, brinquei
com a Larissa, fiz e desfiz a mudança de apartamento, pensei muito na vida,
programei mentalmente o futuro e viagens, etc, etc, etc, e, assim como a
maioria, não vejo a hora de tudo isso passar e poder sair tranquilamente na
rua. Até porque, mesmo os que não levam a pandemia a sério, e é uma parcela
gigante da população, mesmo que queiram, não tem muito o que fazer: bares e
boates não abrem (ou abrem com limitações), estádios de futebol não recebem público
e a polícia dispersa qualquer aglomeração em locais públicos. Então, eu, como
todos, espero o fim disso tudo para poder voltar a fazer coisas simples, como
levar a minha filha na escola, ir para a universidade e ver de perto a cara dos
meus alunos, ir num boteco e tomar umas dando risadas, ir ao estádio de futebol
e ver o Grêmio ou o Xavante em campo enquanto xingo o juiz, etc, etc, etc.
No
fim das contas, se algum jovem do futuro me entrevistasse, eu encerraria
dizendo que foi tudo uma merda maior do que poderia se imaginar. No início
falavam que seria de 7 a 10 mil mortes no Brasil. Passamos das 120 mil, de
todos os tipos de pessoas, ricos, pobres, famosos, anônimos, jovens, adultos e
idosos, homens e mulheres, com ou sem doenças crônicas. Sem contar as
internações em UTIs e pessoas que perderam pessoas próximas (pais, filhos,
parentes, amigos, etc). A pandemia tornou o presidente e seus seguidores ainda
mais estúpidos e radicais. Além das notícias tristes da pandemia, a gente tem
que lidar com notícias diárias de escândalos de corrupção e de perseguição a
jornalistas por parte do presidente e de seu clero (filhos, familiares, integrantes
do governo, amigos e seguidores apaixonados). E, como disse, o pior: nas ruas,
nos contatos com pessoas “do povo” a gente vê que a popularidade dele segue
intacta: bolsonaristas pobres obedecem a ordem de não ver TV e de não se
informar pela imprensa, pois ele conseguiu convencê-los de que jornalistas são
do mal e que o mundo conspira contra ele, que é um representante de Deus. É a
mesma logística dos muçulmanos fanáticos do Oriente Médio. E esses milhares de
brasileiros lunáticos obedecem cegamente ao seu mulá, que no nosso caso, é uma
mula mesmo seguida por um bando de jegues. Tudo isso, como disse, faz com que a
situação toda flerte com o insustentável sob o ponto de vista de equilíbrio
mental, espiritual e psicológico. Mas, temos que seguir em frente e, ainda bem
que há fontes de inspiração intelectual e cultural para beber nesses dias de
tempestade humanitária.
Se
algum dia eu lembrar, responderei ao entrevistador do futuro quais são essas
fontes de inspiração humanitárias. Caso contrário, basta ler as resenhas que
faço nesse espaço. Um bom final de quarentena a todos, se é que isso é
possível...
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