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sexta-feira, 20 de novembro de 2020

 Guerra e Paz – Parte 4


     


       
    TERMINEI!!!! Já ficando meio maluco de vez, terminei hoje de ler as 1.491 páginas de Guerra e Paz, de Leon Tolstói, publicado pela L&PM em quatro edições. A sensação de cansaço se deve às últimas 45 páginas, que na verdade são como um posfácio de Tolsoi onde ele fica divagando – meio que tomado de nóia – sobre conceito de liberdade. Mas, afora isso, a quarta parte de Guerra e Paz é igualmente espetacular.

            Destacaria duas vertentes sobre essa quarta parte. Primeiro, o contexto histórico e social. Claro que essa história é contada pelas trajetórias dos personagens (com suas falas e ações), mas vou tentar explicar isso em um contexto mais amplo e geral. Tolstói mata no romance uma das minhas principais dúvidas que eu tinha quando peguei a obra para ler: como o exército francês, tão mais forte, tão numeroso, tão favorito, consegue decair a ponto de ter que fugir de Moscou e da Rússia? Eis a mágica das páginas de Tolstói. Ele escreve passando a impressão de que esse final – que num olhar durante os acontecimentos parecia impossível – era perfeitamente imaginável. É como um time virar o primeiro tempo sem jogar nada, tomando 3 a 0 diante da sua torcida, ir para o vestiário vaiado e na volta virar o jogo para 4 a 3. Bueno, vamos aos fatos.

            O exército francês, que foi para a Rússia com mais de 600 mil homens (na época a França tinha 44 milhões de habitantes) invade Moscou, conforme contado na parte 3, resumida no post anterior. Bueno, estão lá, os franceses todos, de boas numa Moscou abandonada, curtindo o outono, saqueando a cidade, carregando as carruagens com joias e comendo tudo o que encontravam pela frente. Então, como explica Tolstói, ao invés de Napoleão (ele ironiza a fama de gênio militar contando esse “causo”) se preparar para o inverno, organizando o exército com mantimentos, comida e roupa, ficou lá, um mês coçando, comendo e saqueando. É mais ou menos a história da cigarra e da formiga – no caso, a formiga são os russos e a cigarra é o exército de Napoleão. Pois bem. Aos poucos, os russos que fugiram e estavam nas proximidades começaram a formar milícias e, com uma tática de guerrilha, começam a atacar os franceses. A comida vai acabando, os franceses percebem que os russos não voltarão a Moscou enquanto eles lá estiverem (e, com isso, eles mesmos teriam que plantar, produzir roupas e se organizar enquanto sociedade) e ninguém respeita os decretos de Napoleão. Por exemplo, ele manda os comerciantes russos voltarem ao trabalho, prometendo que os militares franceses não vão mais saquear nada, que tudo ficará bem e que só haverá paz e amor no novo império napoleônico. Resultado: ninguém volta ao trabalho e os militares seguem saqueando. Enfim, o caos toma conta e (eis de novo a história da formiga e da cigarra) o inverno chega!

            Os franceses começam a se retirar, mas não conhecem muito bem o terreno. Assim, as colunas francesas vão sendo atacadas tanto pelo exército oficial da Rússia, quanto pelos grupos guerrilheiros. Sintetizando, quem estava massacrando passa a ser massacrado. E mais: os russos nem precisam fazer nada, porque os batalhões franceses vão minguando com as mortes causadas por fome e frio. Podia aparecer dez russos montados a cavalos que um grupo de mil franceses se rendia, pois eles pensavam que sendo prisioneiros pelo menos receberiam comida. No entanto, o exército russo não estava muito melhor: a perseguição é de um exército esfarrapado contra um exército morto de frio e de fome. E, mesmo os russos acabam tendo muitas baixas causadas pelo clima adverso e a falta de mantimentos. Portanto, a gente tem uma raposa velha e renga perseguindo um coelho virado em coro e osso. E tudo isso a temperaturas abaixo de 0°C no início do século XIX. Essa perseguição vai até os franceses conseguirem deixar o país. Esse é o resumo do resumo do fracasso francês e do fim do sonho e Napoleão de conquistar o mundo (sonho imitado mais de 100 anos depois por Hitler e que também termina na Rússia).

            Bueno. Tolstói, especialmente nesse quarto volume, mescla o romance com alguns capítulos escritos como se fossem ensaios sobre a situação da Rússia na época. Ele escreve abertamente desenhando Napoleão como um psicopata megalomaníaco do nível do Hitler e defende o marechal Kutuzov, criticado pelos russos – especialmente pelos historiadores – por não ter aniquilado completamente os franceses, prendendo ou matando Napoleão. No entanto, Tolstói explica que, para isso, ele teria que sacrificar os próprios homens. A situação foi praticamente essa: ou os russos matariam os franceses (incluindo Napoleão) mas também se matariam e ficariam sem exército, ou faziam essa perseguição no cangote dos franceses até os poucos sobreviventes do frio e da fome deixarem o país. Kutuzov optou pela segunda alternativa e foi massacrado pela opinião pública, morrendo nessa condição de “militar burro e desastrado”. O título da obra, claro, já é uma defesa de Kutuzov, afinal, com escreveu Charlie Brown no filme do Snoopy, primeiro veio a guerra e depois veio a paz. Simples assim. Se não fosse Kutuzov, teria havido mais guerra e milhares de russos teriam que ser sacrificados para aniquilar completamente o inimigo. Entenderam? Se não entenderam, leiam tudo de novo. Ou melhor: leiam o livro. Aliás, já falei que esses resumos são para consulta pessoal futura, quando eu não lembrar mais nada da narrativa...

            Pois bem, obviamente Tolstói fala sobre muitos e muitos outros pontos dessas questões, mas vou parar por aqui no que diz respeito à contextualização histórica. Vamos, agora, aos personagens.

            Pedro, que no final da parte 3 havia sido preso ao defender uma mulher que teve o colar roubado por um soldado francês, segue preso. Na prisão, ele reflete muito, inclusive conclui que a falta de liberdade na prisão é mais ou menos a mesma – moralmente falando – que a que ele sentia no casamento dele com Helena. Na prisão, ele se destaca, pois é um dos poucos da alta sociedade russa a estarem presos (a maioria são camponeses, comerciantes ou soltados). Ele presencia e descreve a execução de vários prisioneiros russos. Resumindo, quando os franceses resolvem deixar Moscou, levam consigo os prisioneiros. Óbvio que, se não tinha comida nem para o exército, quem dirá para os presos. Assim, aqueles que não conseguem mais andar, vão sendo fuzilados pelo caminho. Ponto. Agora vamos para histórias paralelas, que vão se cruzar com essa.

            Primeiro, Helena. Lá pelas tantas, Tolstói volta a falar nela, enquanto Pedro está preso, e ela acaba falecendo sem saber onde está o ex-marido. Tolstói dá a entender que pode ter sido remorso, por ela ter pedido a separação para se casar com um amante mais velho para, depois que esse morrer, casar com o outro amante, mais novo. Segundo, um batalhão formado por Dolokov, Denissov e Pétia (o guri de 16 anos, filho mais novo dos Rostov) é quem liberta os prisioneiros do acampamento de Pedro. Ironia do destino: Dolokov, quase morto por Pedro em duelo anteriormente, salva a vida dele, agora. Porém, o mais comovente dessa parte é o entusiasmo de Pétia, querendo ver ação do alto de seus 16 anos. Tolstói descreve muito bem essa empolgação juvenil diante da guerra e, foi justamente por causa dela, correndo loucamente para atacar o inimigo, que Pétia acaba levando uma bala na cabeça e morrendo, para desespero de Denissov, amigo da família Rostov. Ponto.

            Enquanto isso, o príncipe André, ferido na parte 3, é levado junto com os Rostov, o que faz com que ele se aproxime novamente de Natacha. Os dois voltam a se apaixonar (a essa altura Anatole já morreu), porém, não há esperança para André escapar. A princesa Maria, irmã de André, vai para onde estão os Rostov e acaba ficando amiga de Natacha. Logo, o príncipe André morre, deixando o filho Nikolucha para Maria cuidar. Natacha entra em depressão e se considera a pessoa mais infeliz e desgraçada do mundo. Porém, vem a notícia da morte de Pétia, seu irmão mais novo, e aí quem cai em desespero são os pais deles: o conde Rostov e a condessa. O conde vive mais um ano e também morre. Pedro reaparece e, resumindo mais ainda, findada a guerra, acaba se apaixonando por Natacha, que corresponde aos seus sentimentos. Assim, eles se casam e têm filhos (na última parte Tolstói dá um pulo de sete anos na história). É engrada a descrição do casamento dos dois: Natacha é aquela esposa típica, possessiva, ciumenta e que descuida com a aparência, mas morre de ciúmes e medo de que o marido vá trocá-la por outra. Pedro segue sendo o mesmo personagem desengonçado e submisso de sempre, apesar de ter ideias revolucionárias.

            Já Nicolou Rostov, após perder o irmão caçula, acaba recebendo uma carta de Sônia, sua prima pobre, dizendo que ele não precisa mais manter a palavra de casar com ela. A carta, porém, só foi escrita devido a pressão feita pela condessa, mãe de Nicolau e tia de Sônia. Assim, Nicolau opta por se casar com Maria e, tal casamento, acaba livrando a família inteira da falência (mas isso só após a morte do conde Rostov).

            Agora, uma síntese-spoiler: o romance termina com a descrição da vida dessas duas famílias: Pedro, Natacha e os filhos morando nas propriedades de Pedro, que segue sendo um conde rico, e Nicolau casado com a princesa Maria, morando no palacete do velho príncipe Nicolau, pai de Maria, o rabugento que já tinha morrido antes.

            E os demais? Pois vamos lá. Como disse, o príncipe André morreu na guerra, bem como Pétia. Helena Kuraguini morreu de doença. O pai dela, o príncipe Vassili, segue vivo até o final, mas praticamente não se fala mais nele, bem como no seu filho mais velho, Hipólito (que, aliás, praticamente não aparece em todo o romance). Anatole, o filho mais novo, também morreu na guerra. Já os personagens Ana Mikailovna e o filho, Bóris, que no início aparecem bastante, são abandonados. Simplesmente ficaram esquecidos lá pelas tantas e não se tem mais notícia deles, o que leva a crer que, no real mundo imaginário do autor seguiram suas vidas até a velhice. Por fim, a condessa Rostov, mãe de Nicolau e Natacha e do falecido Pétia vive até o fim do romance, mas fica visível a presença do mal de Alzheimer nela (mesmo que Tolstói não use esse nome). É curioso, porque mostra que, na época, ninguém tinha paciência alguma com quem sofresse dessa doença: ela é tratada como se fosse apenas uma velha esquecida que lembrava apenas das coisas de antigamente.

            Assim, finalizo esse meu resumão de Guerra e Paz. Óbvio que muitíssimas coisas ficaram e fora, por isso digo, vagabundo leitorinho enxerido: saia do computador/celular e vá ler o livro na íntegra! Hasta la vista!

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