Guerra e Paz – Parte 4
TERMINEI!!!! Já ficando meio maluco
de vez, terminei hoje de ler as 1.491 páginas de Guerra e Paz, de Leon Tolstói,
publicado pela L&PM em quatro edições. A sensação de cansaço se deve às
últimas 45 páginas, que na verdade são como um posfácio de Tolsoi onde ele fica
divagando – meio que tomado de nóia – sobre conceito de liberdade. Mas, afora
isso, a quarta parte de Guerra e Paz é igualmente espetacular.
Destacaria duas vertentes sobre essa
quarta parte. Primeiro, o contexto histórico e social. Claro que essa história
é contada pelas trajetórias dos personagens (com suas falas e ações), mas vou tentar
explicar isso em um contexto mais amplo e geral. Tolstói mata no romance uma
das minhas principais dúvidas que eu tinha quando peguei a obra para ler: como
o exército francês, tão mais forte, tão numeroso, tão favorito, consegue decair
a ponto de ter que fugir de Moscou e da Rússia? Eis a mágica das páginas de
Tolstói. Ele escreve passando a impressão de que esse final – que num olhar
durante os acontecimentos parecia impossível – era perfeitamente imaginável. É
como um time virar o primeiro tempo sem jogar nada, tomando 3 a 0 diante da sua
torcida, ir para o vestiário vaiado e na volta virar o jogo para 4 a 3. Bueno,
vamos aos fatos.
O exército francês, que foi para a
Rússia com mais de 600 mil homens (na época a França tinha 44 milhões de
habitantes) invade Moscou, conforme contado na parte 3, resumida no post
anterior. Bueno, estão lá, os franceses todos, de boas numa Moscou abandonada,
curtindo o outono, saqueando a cidade, carregando as carruagens com joias e
comendo tudo o que encontravam pela frente. Então, como explica Tolstói, ao
invés de Napoleão (ele ironiza a fama de gênio militar contando esse “causo”)
se preparar para o inverno, organizando o exército com mantimentos, comida e
roupa, ficou lá, um mês coçando, comendo e saqueando. É mais ou menos a
história da cigarra e da formiga – no caso, a formiga são os russos e a cigarra
é o exército de Napoleão. Pois bem. Aos poucos, os russos que fugiram e estavam
nas proximidades começaram a formar milícias e, com uma tática de guerrilha,
começam a atacar os franceses. A comida vai acabando, os franceses percebem que
os russos não voltarão a Moscou enquanto eles lá estiverem (e, com isso, eles
mesmos teriam que plantar, produzir roupas e se organizar enquanto sociedade) e
ninguém respeita os decretos de Napoleão. Por exemplo, ele manda os
comerciantes russos voltarem ao trabalho, prometendo que os militares franceses
não vão mais saquear nada, que tudo ficará bem e que só haverá paz e amor no
novo império napoleônico. Resultado: ninguém volta ao trabalho e os militares
seguem saqueando. Enfim, o caos toma conta e (eis de novo a história da formiga
e da cigarra) o inverno chega!
Os franceses começam a se retirar,
mas não conhecem muito bem o terreno. Assim, as colunas francesas vão sendo
atacadas tanto pelo exército oficial da Rússia, quanto pelos grupos
guerrilheiros. Sintetizando, quem estava massacrando passa a ser massacrado. E
mais: os russos nem precisam fazer nada, porque os batalhões franceses vão minguando
com as mortes causadas por fome e frio. Podia aparecer dez russos montados a
cavalos que um grupo de mil franceses se rendia, pois eles pensavam que sendo
prisioneiros pelo menos receberiam comida. No entanto, o exército russo não estava
muito melhor: a perseguição é de um exército esfarrapado contra um exército
morto de frio e de fome. E, mesmo os russos acabam tendo muitas baixas causadas
pelo clima adverso e a falta de mantimentos. Portanto, a gente tem uma raposa
velha e renga perseguindo um coelho virado em coro e osso. E tudo isso a
temperaturas abaixo de 0°C no início do século XIX. Essa perseguição vai até os
franceses conseguirem deixar o país. Esse é o resumo do resumo do fracasso
francês e do fim do sonho e Napoleão de conquistar o mundo (sonho imitado mais
de 100 anos depois por Hitler e que também termina na Rússia).
Pois bem, obviamente Tolstói fala
sobre muitos e muitos outros pontos dessas questões, mas vou parar por aqui no
que diz respeito à contextualização histórica. Vamos, agora, aos personagens.
Pedro, que no final da parte 3 havia
sido preso ao defender uma mulher que teve o colar roubado por um soldado
francês, segue preso. Na prisão, ele reflete muito, inclusive conclui que a
falta de liberdade na prisão é mais ou menos a mesma – moralmente falando – que
a que ele sentia no casamento dele com Helena. Na prisão, ele se destaca, pois
é um dos poucos da alta sociedade russa a estarem presos (a maioria são
camponeses, comerciantes ou soltados). Ele presencia e descreve a execução de
vários prisioneiros russos. Resumindo, quando os franceses resolvem deixar
Moscou, levam consigo os prisioneiros. Óbvio que, se não tinha comida nem para
o exército, quem dirá para os presos. Assim, aqueles que não conseguem mais
andar, vão sendo fuzilados pelo caminho. Ponto. Agora vamos para histórias
paralelas, que vão se cruzar com essa.
Enquanto isso, o príncipe André,
ferido na parte 3, é levado junto com os Rostov, o que faz com que ele se
aproxime novamente de Natacha. Os dois voltam a se apaixonar (a essa altura
Anatole já morreu), porém, não há esperança para André escapar. A princesa
Maria, irmã de André, vai para onde estão os Rostov e acaba ficando amiga de
Natacha. Logo, o príncipe André morre, deixando o filho Nikolucha para Maria
cuidar. Natacha entra em depressão e se considera a pessoa mais infeliz e
desgraçada do mundo. Porém, vem a notícia da morte de Pétia, seu irmão mais novo,
e aí quem cai em desespero são os pais deles: o conde Rostov e a condessa. O
conde vive mais um ano e também morre. Pedro reaparece e, resumindo mais ainda,
findada a guerra, acaba se apaixonando por Natacha, que corresponde aos seus
sentimentos. Assim, eles se casam e têm filhos (na última parte Tolstói dá um
pulo de sete anos na história). É engrada a descrição do casamento dos dois:
Natacha é aquela esposa típica, possessiva, ciumenta e que descuida com a
aparência, mas morre de ciúmes e medo de que o marido vá trocá-la por outra.
Pedro segue sendo o mesmo personagem desengonçado e submisso de sempre, apesar
de ter ideias revolucionárias.
Já Nicolou Rostov, após perder o
irmão caçula, acaba recebendo uma carta de Sônia, sua prima pobre, dizendo que
ele não precisa mais manter a palavra de casar com ela. A carta, porém, só foi
escrita devido a pressão feita pela condessa, mãe de Nicolau e tia de Sônia.
Assim, Nicolau opta por se casar com Maria e, tal casamento, acaba livrando a
família inteira da falência (mas isso só após a morte do conde Rostov).
Agora, uma síntese-spoiler: o
romance termina com a descrição da vida dessas duas famílias: Pedro, Natacha e
os filhos morando nas propriedades de Pedro, que segue sendo um conde rico, e
Nicolau casado com a princesa Maria, morando no palacete do velho príncipe
Nicolau, pai de Maria, o rabugento que já tinha morrido antes.
E os demais? Pois vamos lá. Como
disse, o príncipe André morreu na guerra, bem como Pétia. Helena Kuraguini
morreu de doença. O pai dela, o príncipe Vassili, segue vivo até o final, mas
praticamente não se fala mais nele, bem como no seu filho mais velho, Hipólito
(que, aliás, praticamente não aparece em todo o romance). Anatole, o filho mais
novo, também morreu na guerra. Já os personagens Ana Mikailovna e o filho,
Bóris, que no início aparecem bastante, são abandonados. Simplesmente ficaram
esquecidos lá pelas tantas e não se tem mais notícia deles, o que leva a crer
que, no real mundo imaginário do autor seguiram suas vidas até a velhice. Por fim,
a condessa Rostov, mãe de Nicolau e Natacha e do falecido Pétia vive até o fim
do romance, mas fica visível a presença do mal de Alzheimer nela (mesmo que
Tolstói não use esse nome). É curioso, porque mostra que, na época, ninguém
tinha paciência alguma com quem sofresse dessa doença: ela é tratada como se
fosse apenas uma velha esquecida que lembrava apenas das coisas de antigamente.
Assim, finalizo esse meu resumão de
Guerra e Paz. Óbvio que muitíssimas coisas ficaram e fora, por isso digo,
vagabundo leitorinho enxerido: saia do computador/celular e vá ler o livro na
íntegra! Hasta la vista!
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