.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A possibilidade de uma ilha – Montanha russa literária

                 Terminei de ler hoje “A possibilidade de uma ilha”, do escritor francês Michel Houellebecq. No Brasil, trata-se de um livro raro. Publicado pela Record, está esgotado na editora e em todas as livrarias. Só é possível encontrar unidades em sites como Estante Virtual. O preço mais barato que achei foi de aproximadamente R$200. Vale a pena o investimento? Vou responder ao final do texto.


             Primeiro, trata-se de um livro montanha russa. Certamente esse é o livro que mais intercala páginas e páginas geniais com páginas e páginas horríveis. Tudo porque é possível pensar na narrativa em duas histórias. Na primeira, que é a genial, e que deveria compor com exclusividade a obra, é a história de Daniel, um sujeito comum, que vira humorista de stand up comedy na França com muito sucesso, principalmente explorando os piores instintos humanos (que é vulgarmente chamado de “humor negro”, apesar de eu preferir o termo “humor de mau gosto”). Enfim, na narrativa de Daniel1 está o lado bom do livro – até certo ponto. Ele conta sobre os seus romances, narra o seu declínio profissional, físico e psicológico, vive a famosa crise dos 40, apaixona-se, muda-se para a Espanha, termina o casamento, apaixona-se de novo por uma garota espanhola com a metade da sua idade, é abandonado por ela, e ainda tem sacadas genais sobre a sociedade, como o fato de que quem sustenta essa adoração e esse culto pela beleza e pela riqueza é, na sua maioria, os feios que nunca serão bonitos e os pobres que nunca serão ricos. Geralmente quem é rico e bonito nem pensa sobre o assunto. Assim, as pessoas passam a vida tentando serem bonitas e sonhando com uma riqueza que nunca vai vir – o que justifica boa parte da frustração humana. No entanto, não vou me alongar, pois são várias reflexões ou cenas que levam a tais pensamentos nos textos do personagem Daniel1. Esse é o lado genial da obra e que vale a pena ler.

                O que estraga o livro é o enredo principal. Daniel1 é o último da geração de humanos que é sucedida pelos “neohumanos”. No entanto, o texto já começa a ficar chato quando ele entra em uma seita chamada de “helohimismo”, que defende que a humanidade do futuro não será formada por filhos, mas sim, por clones, assim cada um terá a vida eterna, sendo clonado sucessivamente por gerações – no entanto, a clonagem só traz a semelhança física, não as lembranças da antiga vida. Assim, cada Daniel escreve um diário. O livro é composto pelos diários de Daniel 1, Daniel 24 e Daniel 25. Porém, as narrativas de Daniel 24 e Daniel 25 são pura viagem na maionese, além de serem chatas pra caralho. É uma viagem completamente sem sentido e achei absurda demais, pois eu tinha calculado que o Daniel 25 viveria aproximadamente 1.500 anos depois do Daniel 1, mas Houellebecq conta, em determinado trecho, que ele vive 2.000 anos depois. O bizarro é que o cara vive dois mil anos depois mas cita apenas autores pré-século XX, quer dizer, em 2.000 não aconteceu nada digno de nota e não surgiu mais nenhum autor histórico ou clássico? Achei essa uma falha gravíssima da narrativa. Mas isso é o de menos – o texto ficou chato pra caralho mesmo quando entra nesse tema futurista.

                Fazendo uma projeção simples, das cerca de 470 páginas da obra, penso que umas 150 se salvam (e poderiam formar um romance separado, perfeito, se Houellebecq tivesse se preocupado apenas em contar a história de Daniel1, sem querer viajar na maionese). Portanto, concluo que não vale a pena pagar duzentão para comprar esse livro, até porque é o pior dos que li do autor francês: prefiro muito mais Partículas Elementares e Plataforma, nessa ordem. O que eu sugeriria para o astuto e critico leitor é pegar emprestado (ou em alguma biblioteca) “A possibilidade de uma ilha” e ler apenas os relatos do Daniel 1, e mesmo assim pular as partes em que ele conta sobre a maldita seita, pois ele faz descrições chatas e irritantes. Finalizando, penso que não apenas é injustificável pagar duzentos barões no livro, como também não vi muito sentido no sucesso que ele fez na época do seu lançamento (2006, se não me engano) – achei que essa imaginação dele sobre o futuro foi muito tosca e muitas já foram por água abaixo em menos de 15 anos, quem dirá imaginar isso em 2.000! 


Por isso, volto a repetir: se o livro ficasse apenas na história e nas reflexões de Daniel1 sobre o cotidiano dele, os casos amorosos, as relações interpessoais, a crise dos 40 e a crítica social, esse seria um dos melhores livros que já li. Mas já que não é assim, só posso lamentar pelo tempo perdido e pelos duzentões jogados pelo ralo.

2 Comentários:

Postar um comentário

<< Home