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domingo, 29 de dezembro de 2019

O teatro de Sabbath


Para mim, férias é sinônimo de leituras. Ok, leio o ano inteiro, mas nas férias consigo pegar romances mais densos, enquanto que durante o ano me dedico a textos mais curtos, pois às vezes fico três ou quatro dias sem ler devido a outros compromissos, se é que isso pode interessar a alguém... Assim, para servir de futura consulta sobre os livros que leio, compartilho aqui, com o leitor imaginário, as minhas impressões de algumas das obras, imediatamente após a conclusão da leitura, que é quando o enredo todo ainda está fresquinho na mente.
Terminei hoje “O teatro de Sabbath”, de Philip Roth. Como fiz com outras obras, vou escrever no estilo “banca de TCC, dissertação, tese”: primeiro vou apresentar os pontos positivos, descrevendo a porra toda, depois os negativos. Até estava pensando, ao concluir a leitura, que nota eu daria para a obra? Pensei em um 7,0: aprovado, sem louvor. Mas, na comparação com obras nota 10,0 ou nota 9,0, um 7,0 ficou exagerado. Portanto, fechei em 6,0. Mas não me levem a mal, acontece que quanto mais velho, mais rígido ficamos. É um bom livro, acreditem.
A narrativa gira em torno do personagem principal, Mickey Sabbath. Há um excessivo jogo temporal, ou seja, o tempo presente é Sabbath com 64 anos, em 1994. Porém, ele toda a hora volta para as etapas anteriores da vida, com lembranças e cenas narradas para terceiros. Além disso, Roth muda a toda hora a perspectiva da narração: um parágrafo está em terceira pessoa, do nada vira a fala de Sabbath e logo mais adiante passa a ser de outro personagem – tudo sem aviso prévio.  O melhor da obra, sem dúvidas, é o estilo niilista de Sabbath, meio Bukowski, meio Nietzsche. E, claro, a história toda gira em torno de sexo. Na verdade, o personagem é um obcecado por sexo: quase tudo gira em torno do coito. “Drenka, sua imunda e maravilhosa boceta! Case comigo! Case comigo!”. Também são boas as reflexões sobre a insanidade do matrimônio, o esfriamento do erotismo entre os casais, a busca por algo caliente fora, etc. “Uma esposa pirando feito uma sirene. A segunda esposa maluca. Será que existia outro tipo de esposa?”. Sabbath, aliás, é um artista completamente decadente: um titereiro aposentado. Chegamos, então, às histórias que compõem a narrativa.
Ok, alguns podem chamar de “estilo” literário, mas eu estou ficando ranzinza: quero as coisas organizadas e fáceis de serem entendidas. Pra que complicar? Ok, já estou antecipando vários pontos negativos, portanto, vou tratar de falar logo o que presta no livro.
Primeiro, o tempo presente. No tempo presente Sabbath está em um casamento falido e fodido com Roseanna e segue um romance de 13 anos com a amante, Drenka, também casada. Em síntese, Rose é uma ex-alcoólatra que está em fase de recuperação, frequentando os Alcoólicos Anônimos há quatro anos. Ela simplesmente não liga para as saídas do marido que passa se encontrando com Drenka, que por sua vez trabalha na pousada do marido, tudo em uma cidade próxima a Nova York, onde Sabbath passou a sua infância/juventude. Essa parte da narrativa segue até Drenka anunciar que está com câncer para, logo em seguida, morrer. Sabbath, então, entra em colapso e, a partir daí, são contadas as histórias de vários personagens, dentre eles as de Roseanna e de Drenka.
Rose, por exemplo, teve uma infância problemática sendo abandonada pela mãe e morando com o pai, que mantinha um relacionamento abusivo com a filha. Em outro trecho, Roth retrata o período em que Rose é internada e inicia o tratamento nos A.A. Na verdade, ela surtou porque Sabbath, que estava dando oficinas de fantoches na universidade local, começa um caso com uma aluna e as gravações das conversas deles se torna pública (isso num tempo pré-internet) quando a garota “esquece” o gravador com todas as ligações telefônicas no banheiro da universidade. Rose, então, surta e se interna. Essa cena toda, no entanto, é uma das melhores do livro. Ao sair do hospital, ela para de beber e adota outro estilo e vida. A única coisa que permanece a mesma é a indiferença dela em relação ao marido, que segue saindo para se encontrar com Drenka a qualquer hora do dia ou da noite.
O casamento de Sabbath com Rose, aliás, é o segundo. O primeiro é com Nikki, uma jovem que se apaixona no tempo em que ele ficava se apresentando na frente da Universidade de Columbia, em Nova York, quando ambos eram jovens e tinham cerca de 20 anos. Eles se casam e, nesse período Rose vira amante de Sabbath.
O troço vai indo até que um dia Nikki, uma bela jovem meio maluca, simplesmente desaparece. Sabbath nunca mais tem notícias dela. E, para esquecer, ele se casa com a então amante Rose e o novo casal vai para uma cidadezinha nos arredores de Nova York. Sintetizando a porra toda, tem a história de Sabbath com Drenka (é contada a história dela, do marido e do filho), tem todo o rolo com Nikki (que fica meio surtada após a morte da mãe, até desaparecer de vez) e tem o casamento com Rose (que Sabbath descobre que ela é meio “surtada”, não por culpa dele – que é um traste filho da puta – mas sim por conta do passado dela com o próprio pai). E, no meio disso, tem o próprio passado de Sabbath, que levava uma vida simples e alegre até o seu irmão mais velho ir para a Segunda Guerra, onde morreu em combate, quando Sabbath tinha 13 anos. Os trechos que falam sobre a morte do irmão de Sabbath, porém, são magistrais, pois quem já viu de perto uma família ser destruída pela morte de alguém jovem sabe do que ele está falando: os pais de Sabbath simplesmente desistem da vida, entram em depressão, e ele se torna marinheiro por um tempo para fugir daquilo tudo – inutilmente, pois os fantasmas de seu passado o perseguem até o fim da vida.
Bom, já me alonguei e já dei uma pincelada do enredo, mesmo havendo outros mil detalhes e histórias paralelas que não mencionei aqui, como o fato de Drenka ser ninfomaníaca, incentivada por Sabbath, que ficava morrendo de tesão ao ouvir as histórias que ela contava.
Penso eu que, pelo que escrevi aqui, temos uma puta história: vários personagens, que se entrecruzam, cheio de drama, suspense, humor, sexo, filosofia, reflexões sobre o cotidiano comuns a uma porrada de gente. Porém, Roth (que escreveu Marca Humana, da qual gostei bem mais) abusou das digressões longas e desnecessárias. O livro tem 535 páginas (edição da Companhia de Bolso), mas poderia ter tranquilamente umas 300 ou até mesmo 250. Há um excesso de cenas longas em que não acontece porra nenhuma, sem nenhuma reflexão mais importante e sem uma ação que mude os acontecimentos dos personagens. Vou citar apenas uma, que quase me matou de tédio: o período em que Nikki quer ficar ao lado da mãe morta, adiando ao máximo o seu enterro. São longos parágrafos em que Sabbath quase morre de tédio e em que Roth quase mata o leitor com o mesmo veneno. Outro exemplo: quando Sabbath surta andando por Nova York. São dois ou três longos parágrafos com palavras aleatórias para mostrar que ele surtou. Ok, pode parecer um belo recurso literário, mas porra, com todos os livros que eu pretendo ler até o fim da vida, não quero ficar 10 minutos lendo palavras sem nenhum sentido.
Um parágrafo curto bastava para o leitor entender que ele estava surtado...
Enfim, Roth já morreu, a obra está feita e ficou do jeito que está. Sigo gostando do estilo dele, porém, esse é um livro que eu recomendaria para um público bem específico, que se identificaria com o personagem: homens de meia idade ou mais que têm ou já tiveram um (ou mais) relacionamento fodido e que, de certa forma, já desistiu de tentar encontrar um sentido na vida.
Por tudo isso que ponderei, acho que 6,0 é uma boa nota para o teatro de Sabbath. É uma opinião bem pessoal, pois não faço aqui uma pesquisa com apontamentos de técnicas narrativas e o caralho a quatro. Isso você acha de sobra nessa zona chamada internet. spolier, mas esse não é o ponto principal do final do livro. Isso mostra, a meu ver, uma fantasia dos próprios autores que acharam que estavam sendo super originais ao criar essas cenas, quando na verdade – lendo pela segunda vez esse tipo de episódio em livros com o mesmo estilo – estavam sendo bem clichês e, de certa forma, patéticos: quer algo mais comum e previsível do que um fetiche de um homem ver duas mulheres fazendo sexo? Ou será um machismo enrustido: os personagens tinham várias amantes, mas as mulheres só podem ter amantes mulheres? Por que Henry Muller e Philip Roth não botaram as mulheres dos personagens dando de quatro na cama do casal? Por que colocar elas com outras mulheres? Elas não podem curtir também um sexo bem pegado fora do casamento com alguém do sexo oposto? Digressões, digressões...
Poderia-se, por exemplo, relacionar a ideia do titereiro com a da manipulação que Sabbath acaba fazendo dos outros personagens, especialmente as mulheres - mas não só elas. Ah, e uma das cenas finais é muito semelhante ao que acontece em Sexus, do Henry Muller. Não sei se pode ser chamado de plágio, mas talvez caracterize uma obsessão de velhos escritores homens com a temática: tanto no Sexus, quanto no livro sobre Sabbath, depois dos personagens foderem com tudo e voltarem para casa, eles pegam as suas esposas com uma amante mulher na cama. Ok, é um pequeno
É, acho que estou definitivamente virando um ranzinza. Talvez um dia eu chegue ao nível da rabugentice e da cretinice de Sabbath. Mas, até lá, tenho muito o que curtir da vida e muitos outros livros para ler. Em breve, posto mais, para o meu querido leitor imaginário.
Hasta!