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domingo, 22 de outubro de 2017

O insaciável desejo do inalcançável

A felicidade plena é inalcançável. Sempre queremos o que não temos. O marido e a esposa perfeita moram ao lado. Não precisa ser o famosíssimo Lacan nem o renomado professor de Comunicação e romancista Felipe Pena para nos darmos conta facilmente desses fatos. Aliás, estou terminando de ler “O marido perfeito mora ao lado”, de Pena. Um bom livro. A minha única crítica é que, apesar do título ser um dos mais criativos que já vi, não tem nada a ver com a história. Ou melhor, tem um pouco a ver. Mas não muito. Entertanto, não é sobre isso que quero falar. É sobre aquilo que temos (ou não temos) e que queremos ter.
Sempre sonhamos com algo que queremos muito: o brinquedo novo, a nota 10 na disciplina tal, o diploma, o emprego perfeito, o alto salário, a namorada/namorado perfeito/a, o carro do ano, a casa na praia, a viagem para Paris, Londres ou Nova York, a Smart TV de última geração, o videogame perfeito, o celular recém lançado... Enfim, você pode dizer que essa é a premissa lacaniana do desejo, mas foda-se Lacan, deixa eu teorizar a porra toda um pouco também... Já li um pouco de Lacan e do meu brother Felipe Pena, mas também tenho direito a ser metido a teórico das coisas sem pé nem cabeça que regem a humanidade...
Então, meu foco aqui é falar sobre aquilo que queremos e não temos (ou temos, mas depois que temos, queremos mais ou outras coisas) nos relacionamentos (de uma noite ou uma vida) e no futebol. Vejam bem, meu bem, assim como adaptando a teoria lacaniana para a contemporaneidade podemos dizer que, assim que nos mudamos para uma casa ou apartamento maior e melhor já começamos a sonhar com um ainda melhor, assim como quando trocamos de carro, depois de um tempo, começamos a almejar um carro mais novo, mais moderno e melhor, também podemos (e geralmente é o que é feito) desejar novamente o que não temos no que diz respeito a relacionamentos e ao esporte (ou que já tivemos e não temos mais). Confuso, não? Também reli essa última frase umas cinco vezes e não consegui pensar em algo melhor. Foda-se, quando estiver são eu releio e, se tiver paciência, posso mudar (o que acho que não será o caso). Então, comecemos pelo futebol. O time do sujeito ganha o estadual. O torcedor almeja agora o nacional. Ganha o nacional. Comemora, mas em pouco temo, sonha com a Libertadores. Depois o mundial. Pode até ganhar, como Grêmio, São Paulo, Inter, Corinthians.. mas, assim que volta a não ganhar, ele esquece a festa que foi feita por ter ganho um dia e quer ser campeão de novo. Ele não se contenta em apenas lembrar como foi bom ter sido O CAMPEÃO dez anos atrás. Ele quer mais. Ele quer pelo menos uma copinha do Brasil ou um brasileiro. Porque sempre queremos mais. Nos relacionamentos é mais ou menos o mesmo.
Lutamos pra conquistar alguém, fazemos mágica, abrimos nosso coração e, não por falta de sinceridade ou de pureza do sentimento, mas quando conquistamos, depois de um tempo, queremos conquistar de novo. E esse de novo ou será outra pessoa ou, então, perdemos a pessoa que conquistamos e, ao perde-la, passamos a deseja-la novamente. Esse é o clássico do sujeito ou sujeita que errou, perdeu o ou a amada e, só então, passa a correr atrás dela/dele. Poderia ser feito um puta artigo relacionando a teoria de Lacan com Californication, que é todo regido a partir do fato de que a sujeita cansa das putarias de Hank Moody e, depois que ele a perde, ele dá a vida para ganha-la de volta. Mas, se ele a ganhasse de volta (não sei se ganha, estou vendo a última temporada) provavelmente ele buscaria outras novamente, pois não conseguimos nos acomodar. Temos que sempre querer mais. Claro, as energias podem ser voltadas para N coisas: de repente alguém que tomou no cu até não poder mais resolve mudar o foco e gastar todas as suas energias a ajudar quem precisa, a fazer trabalho social e voluntário, ou pode concentrar toda a sua ambição no jogo (como torcedor ou apostador). E a vida tem que ser assim. O músico que lança um álbum que estoura pra caralho vai sempre querer que o próximo seja o melhor da história. O jogador que ganha o título de melhor do mundo, vai querer ganhar esse título todos os anos, mas a cada ano vai querer que aquele seja o melhor de todos. O escritor famoso (se é que isso ainda existe) que lança um livro que se torna best-seller e é ovacionado pela crítica vai querer lançar um ainda melhor na sequência. E, numa escala cotidiana, fazemos isso a todo tempo: queremos que o próximo amor seja O AMOR da nossa vida. Que aquela festa seja A FESTA inesquecível. Que aquela viagem seja uma PUTA VIAGEM. Que aquele emprego seja O MELHOR DE TODOS e que nunca mais vamos querer trocá-lo por outro. E assim vai...
E como lidar com tudo isso? Vá saber... Se eu soubesse, postaria a solução pra essa porra toda... Acho que ter consciência de toda essa nossa necessidade é um primeiro passo para algo... Enfim, para algo que eu também não sei o que é, mas que um dia, quem sabe, saberemos... Hasta!

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Ninguém nos tira o tri - nem os colorados

Já comentei aqui e em outros lugares que eu já fui um gremista muito fanático. Um dos maiores elogios que ouvia nos tempos de colégio é “você é mais chato do que o Paulo Santana”, quando começava a falar de Grêmio e discutir com os colorados sobre futebol.
Porém, o tempo passa, veio a universidade, eu não tinha tantos colegas fanáticos por futebol, a fase do Grêmio que papava tudo de 1995-1997 passou um pouco, as mulheres, as festas e a bebida começaram a aparecer na minha vida, bem como a literatura, Charles Bukowski, Henry Miller, Jack Kerouac e muitos outros e, consequentemente, o Grêmio, que ocupava praticamente 90% do meu interesse até o final do Ensino Médio, passou a ficar um pouco de lado. Não que eu não assistisse a praticamente todos os jogos, ou que quando morei em Porto Alegre não adotei o Olímpico como minha segunda casa, ou que praticamente não chorei de emoção ao ver o Maxi Lopes fazer o gol da virada de 2 a 1 contra o Inter no Gre-nal número 1000, que assisti das arquibancadas do velho casarão ou que não sai na neve em Nova York para assistir no Smithfield (o bar dos gremistas) ao tricolor tomar 4 a 0 do Coritiba no Couto Pereira... Mas, aquela expectativa, aquela ansiedade, aquela insônia, aquele acordar pensando naquilo e dormir pensando naquilo envolvendo um jogo do Grêmio ficou muito tempo adormecido.
No ano passado, até voltei a ter um pouco dessa ansiedade nos jogos da semifinal e final da Copa do Brasil. Mas, com os resultados dos jogos de ida, fora de casa, contra Cruzeiro e Atlético-MG, praticamente resolvendo a parada, acabei ficando mais relax para os jogos decisivos, na Arena. Portanto, penso que agora, passados 20 anos do título da Copa do Brasil conquistado dramaticamente contra o Flamengo em 1997, no Maracanã, volto a sofrer de ansiedade, nervosismo e insônia por conta de um jogo do Grêmio. Não consigo lembrar se fiquei tão nervoso antes do jogo contra o Náutico, na Batalha dos Aflitos, ou na final contra o Boca, em 2007 (que no caso, também teve um corta-prazer depois da derrota na Bombonera), mas o fato é que, agora, em 2017, para o jogo da próxima quarta contra o Barcelona, estou incrivelmente ansioso.
Na última noite sonhei que estava no Equador. Foi muito real. Estava eu, meia dúzia de alunos e meu pai. Havia dois colorados no grupo (Renan e Ramon). Já os demais, vestiam camisa do Grêmio. A caminho do estádio, tínhamos que passar a pé pelo meio da torcida do Inter (não faço ideia que porra estavam fazendo lá, mas enfim), que cantava freneticamente em meio a bandeirões e muita fumaça de cigarro. Gelei. Tiramos as camisas e escondemos nas calças/bermudas para passar pelo meio. Um dos colorados, o Renan, disse: “calma, que eu sei essas músicas” e começou a cantar. Passamos pelo bolo de colorados e chegamos ao estádio de Guayaqiuil, que estava absolutamente lotado.
Entramos cantando músicas da Geral do Grêmio (o Renan e o Ramon, os dois colorados do grupo, cantavam também) e de lá assistimos ao jogo, que acabou 0 a 0. Na saída do estádio, lembro da angústia de encontrar meu pai e fiquei com medo de que ele ficasse perdido no Equador. Depois que o encontramos, voltando para o Brasil de ônibus, fiquei completamente eufórico diante da possibilidade de voltar para uma final da Libertadores. Faltava apenas um jogo. E então, eu acordei.
Ainda faltam cinco noites para a partida. Espero nessa noite sonhar com a classificação e, depois, com o título. E espero que tudo se torne realidade. Diria que, dessa vez, estamos mais próximo do título da Libertadores desde 1995. Alguns dirão que teve 2007, mas no referido ano, desde o primeiro gol do Boca Juniors, não conseguimos chegar nem um pouco perto da taça. Nesse ano será diferente. O time é melhor. Tem Luanel Messi. Tem Geromito. Tem Cãoneman. Tem Rei Arthur. E tem Reinato Gaúcho. Nesse ano, ninguém nos tira o tri! Espero que, pelo menos, não nos meus sonhos.

domingo, 15 de outubro de 2017

The end

O avião iria partir. Eu olhava pela janela e tentava imaginar como seriam os próximos meses. Os próximos anos. Tudo completamente novo. Estaria completamente sozinho, pois havia perdido tudo o que havia “conquistado” desde que nascera até aquele momento. Perdido? Talvez eu simplesmente tivesse colocado fora. Apesar de que, colocar fora é uma expressão muito pesada. Digamos que simplesmente deixei tudo de lado. Foram algumas perdas muito pesadas para seguir em frente. Pelo menos para continuar no mesmo lugar, respirando o mesmo ar. Então, resolvi colocar tudo o que eu havia vivido até ali num saco e largado em um canto para tentar construir algo novo nos anos que ainda restavam para habitar esse mundo.
Lembrei-me de nossos momentos felizes. Dos beijos do início de relacionamento. Das brigas. Do sexo selvagem. Das puladas de cerca – dos dois lados. Dos filhos. Dos cachorros que tivemos. Das nossas famílias, que se odiavam, como se fossemos Romeu e Julieta. Depois, lembrei-me de nossos outros momentos felizes (com a segunda mulher da minha vida, que considerava como se fosse a primeira). Porém, vieram mais brigas e mais sexo selvagem e mais puladas de cerca – dos dois lados, novamente. E então, veio a terceira e a quarta mulher da minha vida e, sempre que uma nova chegava, eu sempre julgava que fosse a primeira, no ranking dos sentimentos. E todas foram importantes. Todos os filhos de cada um dos relacionamentos, também. Oito, no total. Oito filhos em nove relacionamentos sérios. Mais as brincadeiras. Mas não me julguem mal, foi brincadeira para os dois lados. Afinal, mulher também pode curtir, também pode simplesmente querer aproveitar o momento sem querer nada sério. Foi então que, o filho da puta lá de cima resolveu me foder. Eu já estava fodido financeiramente falando – oito pensões não é algo fácil de se manter. Não bastasse, o carinha resolveu ir levando o pessoal daqui: pais, irmãos, tios, primos, amigos, etc. Até que resolveu apelar. Eu não tinha como revidar. A cada perda, eu o xingava, mandava para a puta que o pariu. No entanto, quando começou a tirar meus filhos, não suportei. No primeiro, quase morri. No segundo, tentei ir junto: primeiro, coquetel de remédios. Como não funcionou, apelei para o corte de pulsos. Também não deu. Quando o terceiro partiu, usei todas as drogas possíveis e imagináveis em uma única noite com a expectativa de não acordar no dia seguinte. Não deu certo. O filho da puta quer que eu fique. Não sei por quê.
Foram quarenta anos bem vividos. Quarenta anos se apaixonando todos os dias. Bebendo, se divertindo, sonhando, acreditando que a vida era bela. Depois, 10 anos de sofrimento. Perdas contínuas. Uma pior do que a outra. No total, cinquenta. Cinquenta anos, nove mulheres, oito filhos, três mortos e cinco vivos. Foi demais pra mim. Ou eu me atirava duma ponte, ou metia uma bala na cabeça ou pegava esse avião. Resolvi embarcar. Juntei todas as mulheres e filhos e disse: ou eu vou para o Japão ou para o inferno. Coloquei uma arma na minha cabeça e disse para que votassem. Ganhou o Japão por unanimidade. Não falo japonês, mas lá vou eu. Tentar nascer de novo. Tentar me apaixonar de novo. Tentar recomeçar. Não vou levar notebook, celular ou o caralho a quatro. Minha antiga vida acabou. Não quero notícias de ninguém e também não quero que saibam que fim levei. Egoísmo? Não sei. Sempre fui egoísta. Na verdade, nunca me considerava um egoísta até que Ele começou. Eu estava na minha, curtindo, me apaixonando, fazendo sexo gostoso, criando minhas crias, brincando com meus cachorros, até que ele começou a apelar: levou um, depois outro, e mais outro, e mais outro. Não aguentei. Não entendi nada. Não achei justo. Simplesmente me revoltei. E não quero que ninguém sinta o mesmo sofrimento por mim. Por isso, simplesmente parti. Para o outro lado do mundo. Não quero voltar. Vou lá, ser faxineiro, cuidador de idosos, o caralho, não importa. Se der sorte, me envolvo com a filha menor de idade de um político e me condenam à prisão perpétua. Quero viver outra vida. Porque essa, já acabou. Foi bom enquanto durou.

sábado, 7 de outubro de 2017

O ladrão de grama

Durante os 12 meses em que fiquei nos Estados Unidos, foram inúmeras as paisagens que vi e que me tiraram o fôlego. Em Nova York, teve a ponte do Brooklyn, a vista de cima do Empire State e do Rockfeler Center, o Central Park, os passeios de barco pelo rio Hudson vendo a ilha de Manhattan de longe, a Estátua da Liberdade, o World Trade Center One, as luzes da Time Square, a neve, etc. Em Chicago, os pubs frequentados por Al Capote, o Cloud Gate, o Navy Pier, o Lago Michigan. Na Califórnia e em Miami, nem se fala: Key West, Florida Keys, Hollywood Beach, Santa Monica, Ocean Beach, Malibu, Miami Beach, San Diego e muito mais. Sem contar com o urbanismo turístico de Las Vegas e o clima mix de cidade grande com tranquilidade bagunçada de Denver, Louisville ou Pittsburgh. Teve as montanhas de Aspen. Teve toda a estrada de ida e volta de costa a costa, de Nova York até San Diego de busão e de San Diego até Nova York de carro. Teve a chegada no JFK de avião, baixando por meio de arranha céus cinematográficos, teve a visita a Hemingway House e o por do sol em Fort Zachary Taylor Park, um parque ao lado da US Naval Reservation, em Key West. Teve alguns tragos homéricos em Pacific Beach, San Diego, com umas parcerias do caralho, que nunca vou me esquecer e que espero reencontrar. Enfim, teve de tudo um pouco, e curti intensamente pra caralho cada um desses momentos.
A questão é que, sempre chama a atenção a frieza dos nativos diante das paisagens que vimos. O sujeito de San Diego que não curte praia, o cara de Nova York que odeia cidade grande, o maluco de Miami que queria estar embaixo da neve, o magrão de Chicago que sonha em fugir para o sul. Isso permitiria parafrasear o romance de Felipe Pena: “O marido perfeito mora ao lado”, livro que comprei no último Intercom, mas que ainda não li, e que em seu título sintetiza a ideia do “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Porém, não é esse o sentido que quero dar para essas reflexões, mas sim, o de que nos acostumamos com tudo o que nos cerca e acabamos nos esquecendo das belezas que deixamos de ver, e que, no entanto, sempre alguém de fora pode ver e dar mais valor. O mesmo vale para uma companhia, para a beleza de um olhar, para o gosto de um beijo (principalmente dos que não vem da boca), de uma gozada que transcendeu o prazer físico, ou mesmo de uma paisagem que fica próxima de nossa casa. E essa paisagem pode estar na natureza, pode estar nos olhos e no rosto de alguém, no pôr do sol em um rio próximo de casa, na infantilidade de dois cachorros filhotes brincando, no sorriso da moça que nem sonha que você a deseja mais que tudo em segredo... Sempre enxergamos a beleza da grama do vizinho, da mulher do vizinho, do marido do vizinho, do cachorro do vizinho, mas poucas vezes olhamos para as belezas do que estão perto de nós. Com o tempo, sabemos diferenciar se o que está perto de nós é belo ou não (não apenas esteticamente falando, mas principalmente, espiritualmente) e também percebemos que muito do que imaginávamos ser belo, na verdade é horrendo. E, assim, passamos a saber separar o joio do trigo, o problema é dar valor aos raros cristais que aparecem misturados ao joio e ao trigo. Tão difícil quanto reconhecê-los, é mantê-los ao nosso alcance. Pois, de joio e de trigo nossas vidas estão cheias. E, quando encontramos um cristal, queremos vê-lo todos os dias. Como pude fazer com as belezas de Manhattan e de San Diego. Pelo menos, for a while. É isso que pude fazer com seu olhar, seu corpo e seu sorriso. Também for a while. Pois o vizinho da direita viu que minha grama era mais verde que a dele, e a roubou de mim. E agora? Negócio vai ser roubar a grama do vizinho da esquerda... E se aparecer um outro ladrão de gramas, já sei o que fazer: eu vou te subornar com meu amor. ;)

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Com quem contar...

Dias desses escrevi sobre a série que estou assistindo: Californication. Hoje vi um episódio com o qual me identifiquei muito. Primeiro um resumão, para depois vir os detalhes: o sujeito se fodeu o dia inteiro e, ao final, alegra-se por ver um sorriso meigo no rosto da sua filha. Essa é a sina dos pais que amam seus filhos. E eis, nesse episódio, um pouco da justificativa (que provavelmente eu não soube e explicar tão claramente no texto anterior) do motivo pela qual acabei gostando tanto dessa série.
Agora vamos aos pontos específicos.
No recém assistido episódio, Hank Moody, o escritor protagonista da história, toma um fora da mulher amada, conhece o casal de lésbicas que criou o rapaz mais velho que namora com a filha dele, é seduzido por uma atriz do filme para o qual ele escreveu o roteiro, que tenta lhe pagar um boquete mas que, na hora H, é flagrada pelo co-diretor do filme que é apaixonado por ela e que, então, exige a sua demissão ao diretor, que, por sua vez, ama o seu trabalho. A decisão toda fica para o protagonista, um rapper-ator que, ao ficar sabendo da história, ameaça jogá-lo da sacada de um prédio e lhe da um soco no saco e, depois de um drama com promessas de futuras confianças mútuas, diz que está tudo bem. Mas, ao pensar que tudo se acalmou, Hank descobre que a merda toda está só começando, pois é demitido pelo diretor que, de quebra, contrata o seu genro para substitui-lo como roteirista. E, para fechar a tragédia grega hollywoodiana de Hank, o seu agente e melhor amigo resolve ser o agente do genro ladrão de emprego... Um resumo da ópera: o sujeito (Hank) vê o seu grande amor, casado com um lunático e bêbado, dar-lhe um pé na bunda, enquanto ele cai numa emboscada com uma atriz barata que acaba fazendo com que ele, não só perca o emprego, mas também seja substituído pelo genro (um sujeito que ele simplesmente odeia). E, de quebra, é traído pelo seu agente e melhor amigo, que o troca pelo fedelho que vai para a cama com a filha dele (Hank). Completamente fodido e de saco roxo (pelo soco que levou do rapper) ele encontra a filha (que até então estava de mal com ele), mas que agora está sorridente por pensar que ele deixou o emprego para que o seu namorado tivesse um. Meigo, não? Sim. Claro que essa é a apoteose do pai boêmio que ferra com tudo, passa pelo diabo, mas que, apesar das merdas feitas, vê a filha de boas pensando que ele agiu de forma intencional e coerente. Esse é o resumo da ópera, que pode ter duas interpretações.
A primeira diz que o sujeito só se fode, toma no cu até não poder mais, come o pão que o diabo amaçou e o caralho a quatro apenas para ver o sorriso da filha. Já a segunda diz que, enquanto os colegas de trabalho, “amigos” e “melhores amigos” aparentemente estavam preocupados com o cara, no fim das contas, quando a coisa aperta, o sujeito acaba levando bordoada de todos os lados e termina encontrando aconchego e consolo apenas no calor do abraço de quem de fato ama ele: no caso, a filha. Ou seja, enquanto você está de boas, por cima, todo mundo é teu amigo, te ajuda, dá o maior dos suportes mas, é só você passar por uma sequência de merdas que, quem acaba te abraçando, é quem te AMA de verdade. No caso de Hank, a filha.
Bom, como disse, essa é apenas a quinta temporada. Ainda tenho mais três para assistir. No entanto, os dramas e as relações envolvendo família-amigos-mulheres-filha-e-o-caralho-a-quatro fazem com que eu realmente me identifique com essa série. Se você leu esse texto e quiser saber um pouco mais sobre o que estou falando, fica a dica: assista a Californication. Ou, tenha uma filha. Acho que é mais fácil assistir à série... See ya!

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Não explicando o inexplicável

Quando estive nos Estados Unidos visitei o marco zero, onde estavam as torres gêmeas dos ataques de 11 de setembro. Visitei a rua em que teve o ataque na maratona de Boston. Visitei ainda o Arlington Cemitery, em Washington, onde estão os túmulos da família Kennedy, e o cemitério de Louisville, onde estão familiares de Hunter Thompson. Passei também pela casa da família Clutter, em Holcomb, no Kansas, chacinada por dois assaltantes, crime esse que se tornou o principal clássico do jornalismo literário nas centenas de páginas escritas por Truman Capote. Em todos esses casos, por estar passando por essas cidades, acabei “peregrinando” atrás de mortos, tentando viajar no tempo e imaginar como aquele lugar era quando ocorreu a tragédia ou como viviam as pessoas que lá estavam enterradas. No entanto, agora aconteceu o oposto: uma tragédia acontece num dos lugares por onde passei na minha estadia nos States.
O Mandalay Bay é um dos últimos hotéis cassinos da Las Vegas Strip, de quem passa New York, New York, vindo das capelas de casamento. Um sujeito aposentado, aparentemente um americano patriota, com mais de 60 anos e 42 armas num quarto de hotel comete o maior ataque com arma de fogo nos Estados Unidos. É o apocalipse do sonho americano. É a gota da água para se regulamentar as armas nos Estados Unidos. E é mais um lugar que, infelizmente, torna-se ponto turístico pela triste relação entre armas e tragédias nos States.
E por que eu, que estava estudando nos Estados Unidos e conhecendo o país, visitei todos esses lugares, como muitos, a partir de agora, vão incluir na sua rota turística uma passada pela frente do Mandalay Bay e pelo local onde estavam as pessoas atingidas pelo atirador? Será por causa da repercussão que todas essas tragédias tiveram na mídia? Será por uma atração inexplicável (mas totalmente compreensível) e curiosa sobre a morte? Ou será que tantas pessoas visitam esses lugares exatamente da mesma forma que visitam museus, estádios olímpicos, casas de governo, casas noturnas, etc? O que eu tenho a dizer sobre isso? Sinceramente, não sei. Enquanto estava nos Estados Unidos, na fila para entrar no espaço do Marco Zero, ou enquanto estava peregrinando junto com outros turistas atrás dos túmulos da família Kennedy eu pensei muito sobre essa questão. O fato é que, para não ser hipócrita, não é possível criticar o “turismo” desse tipo, senão se estaria dizendo algo como “esses turistas são horríveis... eu não sou como eles”, ao passo que as pessoas que estavam ao meu lado poderiam pensar o mesmo em relação a mim e aos demais...
Creio que cada um tem seus motivos. Confesso que quando penso nessas pessoas todas, de certa maneira elas entram em nosso interior, se não espiritualmente falando, pelo menos psicologicamente. Tentamos imaginar como aquele local estava no dia do acontecimento e isso nos gera uma experiência totalmente diferente de ver aquele local pela TV ou através de qualquer outra mídia. Ou ainda nos questionamos como eram vivas aquelas pessoas que agora estão embaixo da terra. Criticar os Estados Unidos por “promover” esse tipo de turismo, inclusive vendendo souvenirs do Arlington Cemitery e do Marco Zero? Não creio que é algo exclusivo dos americanos. Boa parte do turismo europeu está em lugares onde aconteceram grandes tragédias, principalmente na Alemanha, principal palco da Segunda Guerra Mundial. No oriente, a mesma coisa. Acho que é algo muito mais relacionado ao ser humano do que a uma nacionalidade: não sabemos quase nada sobre a morte, por isso esse é um tema que atrai. E, por atrair, entra para o rol das estratégias do turismo, afinal, explorar os sentimentos e as emoções é uma das maneiras mais eficazes de atrair pessoas: não é a toa que esses são elementos muito enfatizados por quem trabalha com o público infantil, o público que tem aflorado todos os tipos de sentimentos com maior facilidade.
O diferencial do caso de Las Vegas é que ninguém consegue achar uma explicação: a mulher do sujeito, o irmão, o FBI, o Trump, psicólogos, médicos, o Estados Islâmico, os familiares das vítimas, jornalistas, políticos, etc. Creio que não há uma explicação. O ser humano é assim, inexplicável. A minha hipótese é que esse sujeito iria se suicidar de qualquer forma (pois obviamente ele sabia que terminaria morto após fazer o que fez) e resolveu levar um monte de gente com ele, desenvolvendo toda a estratégia que acabou sendo posta em prática. O motivo? Não faço ideia, e acho que apenas ele – ou nem ele – saberia dizer. Outras hipóteses devem surgir: era filho de assaltante, pode ter algum trauma de infância, pode ter alguma ligação obscura com o EI, ou pode ser que odiava música country, ou ainda, por ser um viciado em jogos, no final da vida se revoltou contra aquela cultura e resolveu se vingar... Tudo isso são hipóteses, mas ninguém nunca terá certeza de nada – nem sobre a vida, nem sobre a morte, nem sobre si mesmo e, muito menos, sobre os ouros. A única certeza que tenho é essa: ele poderia ser o maior maluco da história dos Estados Unidos, mas, se ele não tivesse a lei do seu lado para comprar um arsenal de guerra e levar a um quarto de hotel, isso muito provavelmente não teria acontecido – ou não com as proporções que teve.
Finalizando, no caso Vegas todos os ingredientes da tragédia anunciada estão concentrados: mais um americano maluco que tem acesso a armas indiscriminadamente (e aparentemente normal) atirando de um quarto de hotel numa concentração de turistas fãs de música country em um campo aberto. Uma narrativa da morte-comercial-turística que nem o mais criativo e psicopata roteirista hollywoodiano poderia escrever e que, infelizmente, acabou sendo escrito por um sujeito da vida “real”.