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terça-feira, 3 de outubro de 2017

Não explicando o inexplicável

Quando estive nos Estados Unidos visitei o marco zero, onde estavam as torres gêmeas dos ataques de 11 de setembro. Visitei a rua em que teve o ataque na maratona de Boston. Visitei ainda o Arlington Cemitery, em Washington, onde estão os túmulos da família Kennedy, e o cemitério de Louisville, onde estão familiares de Hunter Thompson. Passei também pela casa da família Clutter, em Holcomb, no Kansas, chacinada por dois assaltantes, crime esse que se tornou o principal clássico do jornalismo literário nas centenas de páginas escritas por Truman Capote. Em todos esses casos, por estar passando por essas cidades, acabei “peregrinando” atrás de mortos, tentando viajar no tempo e imaginar como aquele lugar era quando ocorreu a tragédia ou como viviam as pessoas que lá estavam enterradas. No entanto, agora aconteceu o oposto: uma tragédia acontece num dos lugares por onde passei na minha estadia nos States.
O Mandalay Bay é um dos últimos hotéis cassinos da Las Vegas Strip, de quem passa New York, New York, vindo das capelas de casamento. Um sujeito aposentado, aparentemente um americano patriota, com mais de 60 anos e 42 armas num quarto de hotel comete o maior ataque com arma de fogo nos Estados Unidos. É o apocalipse do sonho americano. É a gota da água para se regulamentar as armas nos Estados Unidos. E é mais um lugar que, infelizmente, torna-se ponto turístico pela triste relação entre armas e tragédias nos States.
E por que eu, que estava estudando nos Estados Unidos e conhecendo o país, visitei todos esses lugares, como muitos, a partir de agora, vão incluir na sua rota turística uma passada pela frente do Mandalay Bay e pelo local onde estavam as pessoas atingidas pelo atirador? Será por causa da repercussão que todas essas tragédias tiveram na mídia? Será por uma atração inexplicável (mas totalmente compreensível) e curiosa sobre a morte? Ou será que tantas pessoas visitam esses lugares exatamente da mesma forma que visitam museus, estádios olímpicos, casas de governo, casas noturnas, etc? O que eu tenho a dizer sobre isso? Sinceramente, não sei. Enquanto estava nos Estados Unidos, na fila para entrar no espaço do Marco Zero, ou enquanto estava peregrinando junto com outros turistas atrás dos túmulos da família Kennedy eu pensei muito sobre essa questão. O fato é que, para não ser hipócrita, não é possível criticar o “turismo” desse tipo, senão se estaria dizendo algo como “esses turistas são horríveis... eu não sou como eles”, ao passo que as pessoas que estavam ao meu lado poderiam pensar o mesmo em relação a mim e aos demais...
Creio que cada um tem seus motivos. Confesso que quando penso nessas pessoas todas, de certa maneira elas entram em nosso interior, se não espiritualmente falando, pelo menos psicologicamente. Tentamos imaginar como aquele local estava no dia do acontecimento e isso nos gera uma experiência totalmente diferente de ver aquele local pela TV ou através de qualquer outra mídia. Ou ainda nos questionamos como eram vivas aquelas pessoas que agora estão embaixo da terra. Criticar os Estados Unidos por “promover” esse tipo de turismo, inclusive vendendo souvenirs do Arlington Cemitery e do Marco Zero? Não creio que é algo exclusivo dos americanos. Boa parte do turismo europeu está em lugares onde aconteceram grandes tragédias, principalmente na Alemanha, principal palco da Segunda Guerra Mundial. No oriente, a mesma coisa. Acho que é algo muito mais relacionado ao ser humano do que a uma nacionalidade: não sabemos quase nada sobre a morte, por isso esse é um tema que atrai. E, por atrair, entra para o rol das estratégias do turismo, afinal, explorar os sentimentos e as emoções é uma das maneiras mais eficazes de atrair pessoas: não é a toa que esses são elementos muito enfatizados por quem trabalha com o público infantil, o público que tem aflorado todos os tipos de sentimentos com maior facilidade.
O diferencial do caso de Las Vegas é que ninguém consegue achar uma explicação: a mulher do sujeito, o irmão, o FBI, o Trump, psicólogos, médicos, o Estados Islâmico, os familiares das vítimas, jornalistas, políticos, etc. Creio que não há uma explicação. O ser humano é assim, inexplicável. A minha hipótese é que esse sujeito iria se suicidar de qualquer forma (pois obviamente ele sabia que terminaria morto após fazer o que fez) e resolveu levar um monte de gente com ele, desenvolvendo toda a estratégia que acabou sendo posta em prática. O motivo? Não faço ideia, e acho que apenas ele – ou nem ele – saberia dizer. Outras hipóteses devem surgir: era filho de assaltante, pode ter algum trauma de infância, pode ter alguma ligação obscura com o EI, ou pode ser que odiava música country, ou ainda, por ser um viciado em jogos, no final da vida se revoltou contra aquela cultura e resolveu se vingar... Tudo isso são hipóteses, mas ninguém nunca terá certeza de nada – nem sobre a vida, nem sobre a morte, nem sobre si mesmo e, muito menos, sobre os ouros. A única certeza que tenho é essa: ele poderia ser o maior maluco da história dos Estados Unidos, mas, se ele não tivesse a lei do seu lado para comprar um arsenal de guerra e levar a um quarto de hotel, isso muito provavelmente não teria acontecido – ou não com as proporções que teve.
Finalizando, no caso Vegas todos os ingredientes da tragédia anunciada estão concentrados: mais um americano maluco que tem acesso a armas indiscriminadamente (e aparentemente normal) atirando de um quarto de hotel numa concentração de turistas fãs de música country em um campo aberto. Uma narrativa da morte-comercial-turística que nem o mais criativo e psicopata roteirista hollywoodiano poderia escrever e que, infelizmente, acabou sendo escrito por um sujeito da vida “real”.

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