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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Última oração

Pensei em escrever sobre o homem pelado do museu em São Paulo. Pensei em criticar a partidarização da polêmica. O nu com a mão no bolso virou o peladão da esquerda. E virou nu com a mão no bolso(naro). Na parte de trás. Sim, porque por mais que tenham errado em deixar crianças assistirem ao espetáculo artístico, o oportunismo do pessoal de direita é de dar ânsia. Mas não consegui escrever sobre isso. Depois pensei em escrever sobre aquele assunto que faz com que muitos me considerem um chato incorrigível: futebol. Estou preocupado com o Grêmio que não está jogando bem há algum tempo e tem dois jogos importantes no final de outubro e início de novembro. Pensei em escrever que estou quase conseguindo uma vaga em uma excursão para ir assistir ao jogo do Grêmio contra o Barcelona de Guayaquil no dia primeiro de novembro. Mas tudo ficou só no pensamento. Então, bati um recorde pessoal e hoje assisti a TRÊS episódios de Californication. Quis escrever mais um pouco sobre a série, dando sequência ao texto de baixo, porém, a ideia logo virou fumaça e se foi. Depois a morte de Wianey Carlet chegou a ocupar a minha mente. Veio na memória um episódio pitoresco que aconteceu na Cidade Baixa em Porto Alegre. Eu fazia estágio na Rádio Gaúcha e caminhava por lá certa noite com meu amigo Cristiano. Quando virei para o lado, vi meu brother com os olhos arregalados. Perguntei o que tinha acontecido, e ele: “Cara, o Wianey te cumprimentou!”. E eu, que não vi nada, perguntei: “quando?”. E ele: “ali, agora. Ele passou por nós, te cumprimentou e tu nem bola”. “Porra, não vi! Mas é que vejo ele todos os dias lá na rádio...”. E agora, o velho Wianey se foi. Apesar de merecer uma justa homenagem, acabei deixando passar essa triste data do jornalismo esportivo gaúcho.
Comecei a ler “Paris é uma festa”, do Hemingway. Eis aí um bom tema! Visitei a casa do Ernest lá em Key West, na Flórida. E ainda poderia relacionar esse livro com “Na pior em Londres e Paris”, do Orwell, e relacioná-los com o segundo volume de “Um lugar na janela”, da Martha Medeiros, que li recentemente. Renderia um bom artigo, inclusive. Mas também essa ideia foi passageira. Depois, fui brincar com o hamster chinês aqui de casa, e ele me mordeu. Eu fico assustando ele, que fica fazendo um barulho estranho, tipo “criiiiiwwwwwuuuuooooo”, erguendo as patinhas e mostrando os dentes. E eu fico ali, incomodando o coitado. Ia escrever sobre ele, mas fiquei no “ia”. O mesmo vale em relação à cadela filhote que anda bagunçando a casa. Cada dia com ela renderia um texto. Renderia. Não está rendendo. Um “Marley e eu”, versão brasuca. Também poderia escrever sobre histórias do passado, outros acontecimentos do presente e planos para o futuro. Poderia. Mas não posso. E por que não posso? Simples, falta inspiração. E apenas sinto inspiração para escrever sobre você. Tento fazer com que você suma dos meus pensamentos, com que você não tenha nenhuma influência sobre mim, sobre o que penso, sobre o que sinto, sobre o que me faz inspirar, mas tudo em vão. É apenas você que me faz sentar aqui e escrever. Não consigo me concentrar em nenhum desses outros assuntos tendo a sua sombra na minha mente e a sua presença no meu coração. Sei que se você tivesse aqui, diria: “esquece! Apaga tudo da sua mente e volta a produzir sobre tudo isso”. Eu poderia dizer “ok, vou fazer isso”, mas estaria mentindo. É improvável. É impossível. Eu sei, você tomou vacinas e tem anticorpos. Mas eu não. Me diz onde você se vacinou? Eu quero ir lá, para voltar a me inspirar em outras coisas, que não em você: quero me revoltar como todo mundo contra o pelado diante das crianças. Ou contra os revoltados que se revoltaram contra o pelado do museu. Ou com o meu velho Grêmio, que antigamente me arrancava frios na barriga e insônia em dia de jogo decisivo, e agora, no máximo, me faz suspirar ao perder um pênalti e a soltar um grito discreto ao marcar um gol. Quero voltar a ter inspiração para homenagear os que se foram e merecem todas as homenagens, quero escrever artigos fodásticos sobre livros fascinantes e quero escrever crônicas leves sobre meus pets e sobre bobagens que penso e vejo todos os dias. Mas a minha inspiração está comprometida. Talvez esteja só doente. Talvez eu precise de só mais uma oração para salvar meu coração. Uma última oração, como diria aquela banda de Curitiba.
Já tentei te esquecer, não pensar em ti, não escrever sobre você, não te procurar, fingir que não quero descobrir o que você pensa, o que você faz, o que você quer, mas acho que minha carga de anticorpos está zerada. Você matou todos eles. E agora, estou precisando de uma vacina. De uma viagem. De uma oração. Ora por mim? Nem que seja pra te esquecer? Pode ser? Afinal, talvez a tua última oração, salve meu coração.

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