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quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Tudo pelo Grêmio


         
Rodolfo Alfredo e Ronaldo Fronza eram amigos de infância. E gremistas. Fanáticos. Na tarde anterior ao jogo Flamengo x Grêmio pela semifinal da Libertadores, Rodolfo ligou para Ronaldo:
- Alô Ronaldo!
- Fala meu brother!
- Seguinte: precisamos conversar.
- O quê houve? Cara, hoje tem o jogo... – tentou argumentar Ronaldo.
- Então. O Grêmio corre perigo.... – murmurou Rodolfo, com voz trêmula.
- Tu já tá bêbado?
- Não, cacete! Olha, vai lá no bar do Zé agora mesmo que te explico.
- Ok, ok. Em 15 minutos estou lá.
            Chegando ao bar, Ronaldo se deparou com olheiras escuras no rosto do amigo, garrafa de litrão já pela metade e uma carteira de cigarros recém aberta.
            - O que aconteceu, maluco? Olhei todos os sites antes de vir e não achei nada sobre o Grêmio correr perigo...
            - Senta aí – apontou Rodolfo – Tenho que te contar uma coisa... E não sei o que fazer...
            Ronaldo sentou, serviu um copo de cerveja, e ouviu.
            - Lembra da vitória contra o Athlético na Copa do Brasil 2016? Início da trajetória do Renato?
            - Claro, lembro... O que tem?
            - Então, naquele dia, mais ou menos umas três horas antes do jogo, eu estava deitado na cama e a Joana veio vestida de camisola azul, toda dengosa para o meu lado...
            - E daí, cara, ela é tua mulher.... Às vezes elas fazem isso...
            - Escuta, rapaz! É muito importante!
            Ronaldo olhava para o amigo, sem entender nada. Achava que ele tinha pirado de vez. Ou que tinha comido bolo de maconha escondido da mulher, como da vez que ele encucou que queria entrar no mar de madrugada numa noite de inverno...
            - Naquele dia fizemos um sexo legal... – falou Rodolfo, meio constrangido, pois nunca falara sobre intimidades envolvendo a esposa com ninguém...
            Os dois beberam o resto do copo de cerveja e serviram novamente, até a borda.
            - Lembra como ganhamos? – perguntou Rodolfo.
            - Ô! E como! A ressureição de Grohe!
            Brindaram.
            - Pois é. Curiosamente, algumas horas antes do jogo contra o Palmeiras, a cena se repetiu: ela vestiu a mesma camisola azul e veio ronronando na beira da cama... Lembra o que aconteceu?
            - Porra! Como esquecer do gol salvador do Cebolinha no final!? Quase enfartei!
            - Então, quando chegou o jogo contra o Cruzeiro, eu pedi para ela vestir a mesma camisola, no mesmo horário, e trepamos novamente. E o mesmo contra o Atlético-MG na final...
        
    Ronaldo começava a ficar nervoso.... Não é que aquela estava sendo mesmo uma fórmula de sucesso? Acabaram a cerveja e pediram mais uma para o garçom. Silêncio reflexivo até o sujeito voltar e servir os copos até a borda. Tomam um longo gole antes de Rodolfo prosseguir.
            - Lembra a classificação contra o Godoy Cruz? Depois Botafogo? Depois Barcelona? E a final????
            - Claro que lembro, homem!!!!
            - Então, diabos!!! Em todas elas nós transamos! E em todas a Joana estava com a camisola azul!!!! E em todas foi antes do segundo jogo!!!!
            - Caralho. Mas e na eliminação da Copa do Brasil para o Cruzeiro?
            - Aí que está!!! Nessa vez, como a Joana viajaria no segundo jogo, transamos antes do primeiro. O Grêmio venceu, achei que estava tudo certo, mas aí veio a derrota no tempo normal e a eliminação nos pênaltis. Ou seja, só funciona se for antes do segundo jogo!!!
            - Cacetada! Mas e ano passado? Contra o Flamengo na Copa do Brasil e contra o River na Libertadores???
            - Contra o Flamengo ela estava menstruada... E disse que era bobagem, que era loucura da minha cabeça... Deu no que deu...
            - E o River?
            - Foi pior. Tínhamos brigado porque eu tinha chamado a mãe dela de vaca.
            - Mas a mãe dela é uma vaca....
            - Eu sei, porra! Mas essa não é a questão. A questão é que, mesmo eu implorando, ela não quis saber. Achei que o efeito seria quebrado até o Bressan meter a mão na bola e o VAR validar o gol de mão dos argentinos...
            - E o Real Madrid?
            - Tu não Lembra? Nós viemos aqui para o bar do Zé de manhã! Eu estava tão nervoso que nem lembrei... Só depois que o Cristiano Ronaldo fez o gol, mas aí já era tarde...
            - Caralho! Então foi tudo culpa tua e da Joana!
            - Agora não importa. Antes da final do Gauchão desse ano, trepamos e ela com a camisola azul. O mesmo rolou nessa Libertadores contra o Libertad e o Palmeiras... Já contra o Athlético-PR eu não resisti às preliminares... acho que foi isso...
            - Porra, e por que tu está aqui e não está na cama com ela agora, caralho??!!
            - Ela foi viajar...
            - Viajar!!???
            Rodolfo suspirou, desolado e culpado.
            - Sim, viajar...
            - Pra onde????
            - Pra Manaus. Congresso de odontologia.
            Ronaldo olhou para o relógio, suando...
            - Puta que pariu, Rodolfo! Que vacilão!!! Você acabou de eliminar o Grêmio!!!
            - Calma... calma...
            - Calma é o caralho!!! Como você deixou ela viajar num dia como hoje, em que o Grêmio precisa de vocês????
            - Ela me persuadiu... Disse que é bobagem... Sugeriu até para eu pegar a camisola azul e bater uma punheta nela... Vai que dá...
            - Não! Não! Mil vezes não!!!! Você vai ter que fazer alguma coisa pelo Grêmio, Rodolfo!
            - O quê? Não tem nem como eu pegar um avião para Manaus agora e chegar a tempo...
            - Vai ter que comer alguém.... E ela vai ter que usar a camisola azul...
            Rodolfo arregalou os olhos. Nunca havia traído a mulher em 10 anos de casamento. Ronaldo sentiu a hesitação do amigo.
            - É pelo Grêmio!
            Inseguro, Rodolfo murmurou:
            - E-e será que vai funcionar?
            - Só nos resta tentar!!!
            - E como eu vou arranjar alguém para comer a essa hora????
            - Puta. Zona. Qualquer coisa!
            - Eu nunca paguei e nunca vou pagar para comer alguém! Tenho minha honra! – gritou Rodolfo, dando um tapa na mesa, chamando a atenção dos que estavam por perto.
            Ronaldo suspirou.
            - Caralho, você que se colocou nessa situação! É isso ou o Grêmio está eliminado – decretou Ronaldo.
            - Mas aí vão saber que é falcatrua... – ponderou Rodolfo, pensativo.
            - Quem vai saber?
            - Sei lá! Deus, Jesus, o Capeta, Alá... Quem está fazendo essa brincadeira comigo e com o Grêmio, caralho! Não temos como enganar eles pagando uma puta...
            Os dois pareciam derrotados, até que Rodolfo tomou um longo gole da terceira cerveja de litro que recém havia pousado sobre a mesa, e perguntou:
            - E a Márcia?
            Ronaldo arregalou os olhos. Um frio passou por todo o seu corpo, cruzando pela espinha dorsal, fazendo a volta pela barriga até descer nos bagos.
            - A Márcia?
            - Sim, a Márcia...
            Ronaldo tomou o copo cheio em um gole e ficou encarando o amigo.
            - É a nossa única chance... – murmurou Rodolfo.
            Ronaldo ligou para a mulher e disse que ele Rodolfo estavam indo para casa para resolver uma questão de vida ou morte.
            Meia hora depois, o trio estava reunido na sala. Ronaldo dizia para a própria mulher que era por uma boa causa: afinal, ele lhe devia uma traição da vez em que ficou com a prima da Márcia no início do namoro. Ela perdoou, mas nunca esqueceu. Essa era a chance de todo mundo ficar quites e o Grêmio sair classificado.
            - Eu não tenho coragem de fazer isso com a Joana!! – gritou, finalmente, Márcia, amiga e confidente da mulher de Rodolfo.
            Os dois amigos se olharam. Ronaldo sugeriu:
            - Caro, você sabe o que tem que fazer...
            Rodolfo suspirou, pegou o telefone e ligou para Joana. Depois de meia hora de resenha, chegaram a um consenso: ele poderia emprestar a camisola azul para a Márcia e trepar com ela se ele permitisse que ela, Joana, ficasse com o palestrante galã que estava dando em cima dela lá em Manaus desde o início do evento. Negócio fechado. Tudo pelo Grêmio.
         
   Assim, Rodolfo foi em casa e buscou a camisola azul. Ronaldo ia ficar uma hora no bar do Zé enquanto eles davam a última cartada na tentativa de salvar o Grêmio. Aquela seria uma noite inesquecível para todos. Mesmo se salvassem o Grêmio, será que eles se salvariam? Essa foi a pergunta que Márcia fez assim que viu Rodolfo entrando no quarto com uma cueca azul, preta e branca. Ele olhou para o teto, encarou-a, e respondeu calmamente:
            - Claro que nos salvamos. Dando ou não dando certo com você, vou ter que fazer esse ritual com a Joana toda a vez em que tiver um jogo de mata-mata do Grêmio, até o fim de nossos dias. Ou então, nunca mais seremos campeões. Ele se aproximou dela, tirou a cueca, e fizeram o que tinha que ser feito.

FIM