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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

PS

Mudaram o sistema de postagem do site, e não sei como faz pra editar as fotos. Enfim, quando descobrir, dou uma "diagramada" melhor...

Lembranças e saudades

O texto abaixo (do post anterior) escrevi na última quinta-feira e foi publicado no Jornal das Missões de sábado. Infelizmente a minha tia Eva Silvello faleceu na madrugada do domingo, às 00h15, vítima de câncer.
Como minha irmã Carolina postou no Face, muitos podem não entender porque essa perda foi tão dura para nós dois e para meu irmão Fábio. O que eu senti, creio que meus irmãos também sentiram: a dor de perder alguém que foi para nós como uma segunda mãe.
Poderia escrever um livro só falando sobre a tia. Desde que nasci a casa da tia Eva foi a minha segunda casa. Aliás, ela era dinda do meu irmão mais velho, o Fábio. Eu me criei chamando-a de dinda, pois na minha cabeça de criança, se ela era dinda do Fábio também era minha, ora pois. Inclusive, meu irmão às vezes se irritava e dizia, com a maldade típica das crianças, que ela era dinda só dele, e não minha. Com pena de mim, a tia sempre me dava presentes quando ia comprar alguma coisa para o Fábio, o afilhado oficial. E isso foi até depois de velho, pois ela sempre dava presente para o Fábio, mas nunca esquecia de mim e de minha irmã.
Da minha infância, tenho inúmeras lembranças marcantes. Na casa da tia tinha uma banheira, que para nós era gigante. Então, mesmo que a gente passasse lá só para dar uma “oi”, acabávamos tomando banho na banheira. A mãe tentava nos impedir, mas a tia, como irmã mais velha, não deixava e fazia as nossas vontades. Também lembro que eu brincava de escorregador no corrimão que levava do segundo piso da casa para o primeiro, e brincava com a máquina de escrever velha que ela tinha. Eu batia nas teclas da máquina com fúria, só para fazer barulho mesmo, imaginando que as pessoas estivessem pensando “nossa, quem é que está digitando tão rápido” e, realmente, a tia, só para me agradar, aparecia na porta e dizia “nossa, que está digitando tão rápido!”. Tudo isso meus pais também tentavam impedir, mas a tia fazia todas as nossas regalias. “Deixa que eles aproveitem, Nara”, dizia.
Agora lembrando essas cenas, acabo me recordando de muitas outras. Por exemplo: sempre que a gente ia lá, levava um maço de folhas de ofício em branco para desenhar em casa. Em outra época, a cada visita nossa, cada um escolhia um gibi dos meus primos (que eram bem mais velhos que nós – sic) para levar para casa. Ou seja, assim eu adquiri preciosidades, como a turma da Mônica dos anos 1970. Ah, e ainda tinha o Forte Apache e outros brinquedos mais. Outra vez, mexendo nas coisas velhas dos nossos primos (a gente realmente se sentia em casa) achamos umas Playboys. Eu devia ter uns 6 anos e meu irmão uns 9. Levamos aquele monte de mulher pelada para casa e forramos a parede do nosso quarto (naquela época dividíamos quarto) de tetas, barrigas e coxas nuas. Tinha uma moça da qual lembro até hoje: devido ao seio volumoso, eu a chamava de Mimosa. Não sei como terminou aquilo, mas estranhamente, provavelmente defendidos pela tia, conseguimos convencer o pai e a mãe a nos dar tal liberdade...
E sem contar nas uvas, que, aliás, ainda estão lá. Não tinha como ir embora da casa da tia sem comer as uvas direto do parreiral que a tia tinha no pátio dos fundos. Outra lembrança marcante era quando meu irmão e eu ficávamos alguns dias lá durante as férias do colégio. Depois, mais velho, morei lá com meus tios durante dois anos da faculdade. Não tenho nem como agradecer por tudo, pois se não fosse minha tia não teria como estudar e trabalhar em Ijuí, pois eu ganhava 300 reais e lá na tia eu não pagava aluguel nem comida. Muito pelo contrário, várias vezes a tia vinha e me dava dez reais (ou mais) para um lanche. E não adiantava recusar, que ela largava em cima da mesa e saía, dizendo: “deixa de ser bobo. Os meus guris também estudaram fora, sei como é”.
Foi também nesse período em que morei lá que tive mais noção do que representou a perda do meu primo, Gilberto (além da mulher e do filho – neto da tia), no acidente referido no post anterior. Como disse, a tragédia foi em 1995, e eu morei lá mais ou menos de 2002 até 2004, e lembro como se fosse hoje de uma ou outra noite em que eu, que dormia no quarto de baixo, ouvia a tia chorando no quarto lá em cima. Agora que tenho filha sei bem o que represente um amor de pai ou de mãe, e uma perda dessas com certeza é insuperável, ainda mais pela forma como a tragédia aconteceu.
Além de tudo isso, teve um outro tempo em que eu não morei lá, mais recentemente, uns três ou quatro anos atrás, mas ia lá almoçar todos os dias. Ou seja, morava no Jornal da Manhã, mas comia almoçava lá na tia.
São muitas lembranças e muitas histórias que vou carregar pra sempre comigo. Nos dois anos em que morei na casa da tia, lembro que a gente conversava bastante, e ela me contava histórias de sua infância e adolescência e dos meus avós (meu avô materno eu não cheguei a conhecer, pois ele já tinha falecido quando nasci, e minha avó materna morreu quando eu tinha menos de 10 anos). Ela também sempre comentava que amava muito os três filhos, e que se o que aconteceu com meu primo Gilberto tivesse ocorrido com qualquer um dos outros dois (o Sandro e o Sérgio) o sofrimento teria sido exatamente o mesmo. Além disso, ela amava muito os outros dois netos, o João Pedro e a Maria Augusta.
Sem dúvidas, no período em que morei eu aprendi muito com ela. Aliás, a tia tinha a mesma paixão que eu tenho até hoje: a dos livros. A estante era forrada de clássicos: Balzac, Kant, Nietzsche, Nabocov, Doistoiévski, Gabriel Garcia Marquez, etc. E lembro como se fosse hoje que ela dizia: “eu lia muito, não sei pra quê. O Balzac, por exemplo, li todos”. E, acreditem, era uma prateleira cheia com a coleção completa de Balzac.
Essa é minha tia Eva, que com certeza partiu para encontrar o filho perdido e nos deixou aqui muitas saudades e gratidão por tudo que ela fez, não só por mim, mas por todos: irmãos, filhos, sobrinhos, primos, amigos, etc.
Por isso, mais uma vez repito: obrigado por tudo, tia Eva.

Vida e morte

Escrever essa coluna está sendo bem mais difícil do que parece. Esse começo de 2013 está mais do que confuso para mim. Por um lado, estou prestes a realizar um sonho. Fui aceito no doutorado da New York University como aluno estrangeiro através de programa oferecido pela Capes, do Ministério da Educação do governo brasileiro. Ou seja, vou para a tão sonhada capital do mundo, com tudo pago, para ficar de meio ano até um ano em uma das universidades mais importantes e concorridas do mundo. E mais: para estudar o que eu gosto. Eu deveria estar dando pulos de felicidade, entretanto, não é esse meu sentimento.
Primeiro, houve toda a tragédia da boate Kiss. Creio que poucas vezes na vida chorei diante da TV, mas essa foi uma delas. Assistir ao depoimento de pais, irmãos, namorados, namoradas e amigos na tela fez com que as lágrimas saltassem de meus olhos. E tudo piorou na medida em que ficava sabendo das vítimas de Santo Ângelo e Ijuí, duas cidades em que morei durante muitos anos, e principalmente ao ver que Matheus Rebolho, irmão do meu amigo e ex-colega de cursinho pré-vestibular Clóvis Rebolho, estava entre as vítimas. Creio que, como todos, fiquei depressivo, e ainda continuo nesse estado. Porém, acho que nada pode se comparar a dor de todos os pais e irmãos das vítimas.
Quanto às conseqüências, da minha parte, só posso rezar todas as noites por todas as vítimas da tragédia e familiares. Como jornalista, creio que toda a categoria deveria exigir justiça e desvestir a carapuça da complacência, pois todos sabem que isso poderia ter acontecido em qualquer outra boate, pois 90% das casas noturnas do Estado (incluindo as de Santo Ângelo) não têm condições de receber um grande público. Frequentei durante anos (pelo menos uns 15) a noite santo-angelense e não lembro de UMA casa noturna em que houvesse uma porta para a entrada e outra para a saída. E também não lembro de UMA em que houvesse saída de emergência bem sinalizada. Portanto, não me venham com essa de que ESTÁ TUDO PERFEITO NA CIDADE MARAVILHOSA.
Exaltei-me, mas me irrita o fato de A CARA DE PAU e a corrida cega pelo lucro ficar ACIMA da vida das pessoas. Tenho uma filha e sei do que estou falando.
Bem, mas para além da boate Kiss, encontro-me em outra situação de problemas de saúde na família que me fazem parar para pensar na finitude dessa vida. Trata-se da minha tia, e segunda mãe, Eva Silvello, que até escrever esse texto estava em estado grave em Ijuí devido a um câncer. Durante boa parte da minha passagem pela universidade ela me hospedou em sua casa, além de muitas outras histórias de gratidão que devo a ela ao longo desses meus 31 anos. Nessas horas não encontramos palavras para explicar o inexplicável, pois, apesar da morte, a vida, para alguns, continua. Minha tia passou pelo que muitos pais da tragédia da boate Kiss estão passando: perdeu um filho, Gilberto Silvello, então com 33 anos, em um acidente de carro causado por um motorista embriagado. Além dele, morreram a mulher, o filho de três anos e dois sobrinhos que estavam no carro. Meu primo, Gilberto, e a mulher, Lígia, eram médicos e estavam voltando de um passeio familiar simples feito à Fonte Ijuí no dia 1° de janeiro de 1995, quando um bêbado #+%&^~@# jogou o carro em cima deles. Todos morreram.
Ao mesmo tempo em que sofro com a perda de uma pessoa tão importante na minha vida, penso que, por outro lado, ela vai encontrar o filho perdido. Como pai, sei o que isso representa.
E o futebol? Sinceramente, é o que menos importa.
O espaço acabou e não encontro palavras para encerrar esse texto, portanto, termino por aqui.

*Texto publicado no JMissões do último sábado.