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segunda-feira, 27 de abril de 2020

Sobre Sérgio e 1917


Assisti hoje ao filme Sérgio, na Netflix. Vou contar exatamente como foi a minha história com esse filme. Há cerca de uma semana apareceu na capa da Netflix a sugestão. Vi que o ator principal parecia o Wagner Moura. Sou fã do Wagner Moura. Cliquei e vi que era ele mesmo mas o filme era em inglês. Dei uma espiada, vi tiro e bomba, e pensei: uau, o Wagner Moura conseguiu um papel num filme besteirol americano de tiro, porrada e bomba! Good for him! Mas não vou assistir. Aliás, que nome mais sem criatividade: Sérgio! E deixei quieto.
A semana passou e dois ou três amigos no Facebook postaram comentários favoráveis sobre o filme, mas sem dizer sobre o que se tratava. Então, fui pesquisar. Ao descobrir que se tratava da vida do Sérgio Vieira de Mello imediatamente me veio na memória o ano de 2003, quando eu estava iniciando meu trabalho como jornalista na Rádio Jornal da Manhã. Eu fazia rádio escuta da rádio Gaúcha e lembro que transcrevia as notícias sobre a guerra do Iraque, bem como acompanhei, através do Notícia na Hora Certa e do Correspondente Ipiranga, a morte do diplomata brasileiro da ONU. Decidi que eu PRECISAVA ver esse vídeo.
No entanto, no sábado passado, resolvi ver primeiro outro filme que fazia um tempinho que eu queria assistir: 1917. Resumo: achei um puta filme, mas não o suficiente para levar o Oscar 2020. Gostei mais do Coringa, Parasita e até mesmo do História de um casamento. Como comentei com um amigo, é um bom filme, mas para alguém que se aproxima da quarta década de vida em que já viu uma porrada de filmes de guerra, esse não é o melhor do gênero. Ainda prefiro Até o último homem, Resgate do soldado Ryan e outros. Mas isso não quer dizer que não seja um baita filme... Como eu ouvi muita gente dizer que era O MELHOR entre os indicados, fui com uma puta expectativa e talvez isso justifique uma pontada de decepção.
Confesso ainda que, como assisto a muitos filmes produzidos com a fórmula Disney/Hollywood com a Larissa, reconheci a técnica de colocar um ritmo alucinante com infinitas cenas em que o protagonista parece que vai morrer e no último minuto escapa... Quando você saca a técnica e percebe que isso vai seguir durante todo o filme, sem grandes acontecimentos paralelos, desanima um pouco... Vi isso em Frozen II, Dois Irmãos, Rei Leão, etc. Muitas cenas inverossímeis em um curtíssimo espaço de tempo. Pois é, foi isso que aconteceu comigo no 1917... E, como já li bons livros sobre a primeira guerra, dentre os quais o épico “Nada de novo no front”, esperava um pouco mais da película...
Passado o sábado, hoje assisti ao Sérgio. E, mesmo tendo expectativas, sentencio que – na minha humilde opinião – foi melhor do que o esperado. Que homem! E que mulher a Carolina! Absolutamente sensacional e emocionante. O cara foi um dos brasileiros mais fodas de que já se teve notícias nos últimos anos e permaneceu anonimo ao grande público durante todos esses anos. Eu mesmo sabia apenas que era um diplomata brasileiro da ONU morto em um atentado na guerra do Iraque. Ponto. Essa era a minha lembrança. Era isso que o meu cérebro trazia quando ouvia o nome “Sérgio Vieira de Mello”. Agora não. Agora sei que o cara foi foda. E pesquisando vídeos e mais histórias sobre eles, constatei que o Wagner Moura fez um puta trabalho, pois o cara era exatamente aquilo que ele conseguiu captar e retratar no filme (quem conheceu ele, corrija-me se estiver errado).
E quando vi a atriz absolutamente linda que interpretou a Carolina, pensei: que exagero! Porra, quem se deu bem foi o Wagner Moura! Mas fui pesquisar sobre ela na internet e vi que não foi nenhum exagero: a Carolina da vida real também é lindíssima. Que casal! E a energia positiva deles torna a história ainda mias dramática e triste... Que contraste!
Enfim, sugiro os dois filmes. Eu gostei mais do Sérgio, apesar de não ser indicado ao Oscar... Penso que se o 1917 acabou sendo um filme praticamente obrigatório para a humanidade do mundo ocidental, Sérgio é um filme simplesmente OBRIGATÓRIO para todo o brasileiro. Mas esqueça que disse isso, pois a palavra “obrigatório” geralmente espanta as pessoas – e com razão. Portanto, releiam todo o texto novamente, cortando esse último parágrafo! Belê?
Hasta!

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Pátria educadora


Eu achei que não teria coragem para escrever esse texto. Ou melhor, não teria estômago. Mas, respirei fundo, e aqui estou. Depois de ponderar comigo mesmo, decidi escrever apenas para eventualmente voltar a consultar futuramente, quando a bizarrice da trilogia “Pátria educadora” se apagar da minha massa cinzenta e aparecer algum “entendido” no assunto querendo debater o tema. Para quem não sabe, é uma produção “independente” do Brasil Paralelo. O título da "obra", claro, é uma ironia ao lema do segundo mandato do governo Dilma (bom mesmo é Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, né não? Bem mais fácil de botar tudo no rabo do Nosso Senhor). São dois filmes de aproximadamente 50 minutos que culminam no “documentário” (ficcional?) de uma hora e meia.
Bom, para comentar uma série de filmes rasa e maldosa terei que ser raso e, talvez, um pouco maldoso. Também tentarei ser o mais breve possível – diferentemente do que fiz quando comentei outra produção do Brasil Paralelo, “Sobre armas e livros”. Lá vamos nós again.
O primeiro episódio tenta dar conta de milhares de anos que resultaram na formação do atual sistema educacional do mundo ocidental. Resumindo tudo, eles tentam apresentar uma ideia de que a esquerda dominou o troço todo e que as experiências mais radicais dos comunistas foram fracassos absolutos. Durante os três episódios é mencionada a “revolução cultural” de Mao Tse Tung e tenta se colar a imagem do ditador chinês às principais lideranças da esquerda brasileira contemporânea. O que eles não contam, obviamente, foi que Mao Tse Tung chegou ao poder derrubando um império sangrento que nadava em ouro enquanto a população literalmente morria de fome como mosca, aos milhões. Obviamente que o resto da história todo mundo sabe: como toda a “revolução”, depois que se toma o poder, os “revolucionários” não querem deixar o poder e se tornam uma nova ditadura, tão abominável quanto a anterior. É sempre assim, com direita e esquerda. Mas, estou desviando do assunto. Em síntese, se critica a Revolução Francesa, Maio de 1968, a China, Cuba e tudo o que possa ter qualquer relação com a esquerda. Ponto. E, lógico, lançam datas e datas, nomes e nomes, que já renderam livros e filmes aos milhares mundo afora, mas eles vão lá e tentam resumir tudo em um chavão clichê de 10 segundos para fazer o “cidadão comum” (que eles vão chamar de analfabeto funcional, ao final da trilogia) conseguir entender tudo. Ah, mas o ponto chave do primeiro episódio é mostrar que o comunismo e o fascismo são praticamente a mesma coisa, deixando tudo na mesma panela da esquerda. Olavo de Carvalho, obviamente, é uma das fontes.
No segundo episódio o alvo é Paulo Freire. Tenta-se de todas as formas se costurar a seguinte relação: Paulo Freire é fã de Mo Tse Tung e é amigo e fã de Lula e filiado ao PT. Logo, o PT é um braço da ditadura de Mao Tse Tung em que Paulo Freire é o mentor intelectual que lança ideias doutrinárias aos professores que, por sua vez, vão doutrinar os alunos (desde crianças até os universitários).  E, claro, são pegos fragmentos da realidade (de obras e falas) para criar uma imagem de um Freire monstruoso. Não vou aprofundar esse ponto, mas é possível pegar fragmentos da bíblia, por exemplo, e construir uma imagem completamente equivocada de Deus ou Jesus Cristo: um Jesus egoísta, maldoso e vingativo, por exemplo. Isso se chama edição. Com uma boa edição é possível mentir falando meias verdades (para mais informações, leia o meu segundo livro: Jornalisom Gonzo: mentiras sinceras e outras verdades). Ponto.
No terceiro episódio, o “documentário” (ficcional) é apresentado como uma grande denúncia do sistema educacional brasileiro. Lógico que eles pegam todos os podres da educação brasileira, dando ênfase aos 14 anos do governo PT, colocando todos os problemas de séculos de formação do sistema educacional na conta do Lula e da Dilma. Não se questiona, por exemplo, o enfraquecimento da educação nos anos 1990, que foi o que eu estudei e, na comparação com o que a minha filha está estudando, era mil vezes mais fraco. Ou seja, ainda estamos péssimos, mas evoluímos.
As bizarrices maiores, no entanto, ficam por conta do Olavo de Carvalho, que largou pérolas como “educação obrigatória é antidemocracia”. Na prática, o que ele defende é que se uma família quiser não colocar uma criança de 10, 12 ou 14 anos na escola para coloca-la trabalhar, ela poderia fazer isso sem problema algum. É compreensível, tendo em vista que ele praticamente criou a filha dele como um animal em um curral, sem educação e nem suprimentos básicos (procurem entrevistas que ela deu sobre o pai fanfarrão por aí na internet). Outra pérola é quando ele diz que não se tem uma obra relevante publicada por autores brasileiros em 50 anos. Lastimável. Mostra que o imbecil não conhece e não tem estudo sobre literatura brasileira. Tem outras besteiras que agora não lembro de cabeça, mas são todas do mesmo nível.
Também se pegam dados e mais dados que são apresentados parcialmente e que mostram apenas a parte que interessa aos locutores. E, obviamente, não apresenta em nenhum momento qualquer contraponto, o que torna, obviamente, um filme propagandístico da extrema direita. Por fim, quando detonam as universidades federais, aparecem dois advogados dizendo que há perseguição contra professores de direita. A perseguição, na verdade, é descrita como qualquer outra perseguição de qualquer cunho. Eu já vi um professor perseguir uma professora e os dois eram de esquerda. Então, fiquei me questionando: por que não ouviram nenhum professor de direita que se disse perseguido??? Nada. Pura superficialidade. Aliás, essa é a principal característica da trilogia. Uma trilogia intelectualmente preguiçosa e maldosa. Não se aprofunda em nenhum tema e não se ouve o outro lado. Em síntese, tenta se pegar todos os problemas da educação brasileira da história do país e coloca-la na conta do PT e do Paulo Freire. Eles são os demônios! E são comunistas, praticamente uns Mao Tse Tung brasileiros!
Bom, já escrevi demais. Haveria inúmeros pontos para serem detonados aqui, mas vou ser superficial, como eles foram. Para fechar, lanço a questão que me surgiu enquanto eu via o último episódio: e a solução para todos os problemas que foram apresentados se chama Bolsonaro e Weintraub??? Sério isso??? Querem convencer as pessoas de que Haddad, Lula, Dilma, Paulo Freire, etc, é pior do que isso (Bolsonaro e Weintraub)???? Aí, realmente, não é possível levar a sério um material desses. Certamente essa série de filmes, se fosse concorrer a algum prêmio, seria em uma hipotética categoria tragi-comédia-ficcional.
Ah, e maior cara de pau dos produtores foi apresentar um texto definindo o analfabetismo funcional (que cola perfeitamente na massa que elegeu o Bolsonaro se informando por memes, e não por livros ou canais sérios de informação) com imagens de protestos com bandeiras de entidades de esquerda. Seria cômico se não fosse trágico, pois já visualizo milhares de analfabetos funcionais que praticamente nunca leram uma obra clássica (que eles defenderam com unhas e dentes no final – para dar uma impressão de seriedade e intelectualismo) assistindo às três peças cômicas do Brasil Paralelo se posicionando e falando como se fossem especialistas no assunto... Haja estômago!

sábado, 11 de abril de 2020

Escritor de boteco


Estou lendo o segundo volume da trilogia autobiográfica de Henry Miller. Há uns dois anos li Sexus, hoje estou no Plexus e, talvez um dia, leia o Nexus, pois cada um desses volumes tem cerca de 700 páginas. No Sexus ele aborda mais questões de relacionamento, casamento, amantes, etc. No Nexus, pelo menos até a página 200, ele está focando na insanidade que era na década de 1920 (e sempre foi e continua sendo) querer “ganhar a vida” como escritor. Ou seja, ele luta para viver de literatura, sem se entregar a outros afazeres. Lendo sobre esse dilema do velho Henry – que, aliás, já estudei mais a fundo nas minhas pesquisas sobre Erico Verissimo e Hunter Thompson e outros jornalistas-escritores de diversos tempos – fiquei me questionando: posso me considerar um escritor? Tendo dois livros (acadêmicos) publicados e escrevendo frequentemente para jornais, sites e revistas, cheguei à conclusão de que sou um escritor de boteco. Explico-me.
Assim como há milhões de músicos de boteco espalhados pelo mundo, eu sou um escritor de boteco, que tem um público super restrito. Aliás, um público formado majoritariamente por parentes e amigos (minha mãe, meu primo Marcos e meu amigo Sérgio Stangler – que, aliás, me leem – ou dizem que leem - pela minha insistência em mandar os links dos meus textos).
Da mesma forma que os músicos, eu amo a arte (no caso, a literatura), produzo a arte, mas não consigo viver da arte. Logo, tenho minha profissão remunerada que não inclui produzir literatura (antes, jornalista; agora, professor). E se num boteco, depois da décima cerveja, você me perguntar: “mas se pudesse, você gostaria de viver exclusivamente de literatura?”. Eu certamente tomaria o próximo copo de cerveja em um gole e responderia: “É claro!”. Não me interpretem mal, eu adoro ser professor (amo do fundo do coração todos os meus alunos e ex-alunos) e, confesso, gostava demais (DEMAIS MESMO!) de trabalhar em redação. No entanto, se eu pudesse ter todo o tempo do mundo para criar romances e escrever o que quisesse e, principalmente, viajando livremente pelo mundo sem prazo para voltar para capturar histórias que me inspirasse, eu escolheria viver disso. No entanto, profissionalmente, a literatura é para mim, aos 38 anos de idade, o mesmo que é para o músico que trabalha num escritório durante o dia de segunda a sexta e na noite de sexta e sábado sobe ao palco muito mais por diversão e prazer pessoal do que para ganhar qualquer trocado.
Aliás, as semelhanças entre o músico e o escritor de boteco não param por aí. A luta pelo reconhecimento também é semelhante. O músico pode até se tornar semi-profissional gravando em estúdio, lançando um ou outro álbum, mas ele acaba não conseguindo largar a sua profissão rentável para viver da arte. E isso não quer dizer que ele seja menos bom do que os profissionais (conheço muitos músicos de boteco que tem muito mais talento do que vários sucessos nacionais). O mesmo acontece com o escritor.
Tive relativa facilidade para encontrar editoras para publicar meus dois livros acadêmicos, justamente porque sou pesquisador e professor da área – e tenho muito orgulho deles. Porém, há alguns meses conclui meu primeiro romance – um legítimo romance de boteco, uma espécie de tributo a Bukowski, Thompson, Henry Miller e Pedro Juan Gutierrez. No entanto, ao entrar em contato com duas grandes editoras brasileiras, elas sequer toparam olhar o material. Mas não desisto. Confio no meu taco. Sei que o que escrevi é muito melhor do que a maioria dos livros sem cor de figurões que publicam por causa do nome e sobrenome. Não vou parar de escrever por isso. Vou continuar sendo um escritor de boteco para a sorte, ou desespero, da minha mãe, do Marcos e do Sérgio (que, aliás, é o único para quem enviei os originais do meu primoroso romance). Enquanto houver leitores e botecos, seguirei escrevendo e sonhando.