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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Las trincheras de la esperenza


O que você pensa sobre o Afeganistão? Fico me questionando agora sobre todas as coisas que já pensei sobre o Afeganistão e o Oriente Médio em geral ao longo da minha vida. Já fui um idiota. Quer dizer, ainda sou em alguns aspectos, mas já fui muito mais idiota. Um idiota quase que completo. Enfim, um idiota quase tão idiota quanto figuras como Bolsonaro ou Ratinho (e seus respectivos fãs e eleitores fanáticos). Mas evoluí. Passei dessa fase. Estudei e deixei a ignorância de lado. Já tive aqueles pensamentos típicos de extremistas (de direita e de esquerda, pois há, também, MUITOS idiotas de esquerda) que só olham para o próprio umbigo, do tipo: deixe que se matem. Ou ainda: já que eles querem matar por religião e estão atacando o ocidente, os Estados Unidos poderia jogar uma bomba e acabar com tudo de uma vez. Especialmente depois da onda de informações confusas que nos chegaram na época do atentado às torres do World Trade Center. E, naquela época, eu com meus 20 anos, praticamente não lia e me informava pelos clichês da grande mídia. Enfim, como disse, eu era um grande idiota que fui salvo pelos livros. Concluo, ainda, que a idiotice é uma tendência humana. Provavelmente, se você é um idiota, você não se identifica como tal. Mas se você ler, estudar e se colocar no lugar do outro, você vai, gradativamente, deixando de ser um idiota. E, depois de cruzar essa ponte da ignorância à luz, você vai olhar para trás e pensar: eu era um idiota. E dos grandes! Ponto.
Escrevo isso, fazendo uma pausa nas narrativas da viagem a Europa, porque acabei de ler o livro “Las trincheras de la esperenza”, de Antonio Pampliega. Comprei esse livro numa livraria em Burgos, na estante de narrativa de viagens. Eram várias possibilidades e escolhi a dedo essa. Pampliega é um jornalista madrilhenho que cobre, principalmente, os conflitos no Oriente Médio. Já foi sequestrado e preso durante 10 meses pela Al Qaeda (dessa experiência há um outro livro dele, “En la oscuridad”, que ainda vou comprar). Já a obra que acabei de ler é recém saída do forno: foi escrito e publicado em 2018. Atuais mas atemporais, afinal, como um bom livro-reportagem, faz uma puta contextualização histórica e humanizada do Afeganistão. E, lendo esse livro (que infelizmente não tem em português), concluo, mais uma vez, que já fui um idiota quase que completo.
Na narrativa humanizada de Pampliega (foto)
, ele relata diversas histórias de afegãos, de variadas etnias, que foram ou são atendidos pelo centro ortopédico da Cruz Vermelha. O personagem principal, no entanto, é o italiano Alberto Cairo, um fisioterapeuta que trabalha na Cruz Vermelha do Afeganistão há 28 anos. São histórias, acima de tudo, humanas. Eu, por exemplo, já cheguei a pensar “ah, os caras lá nem devem sofrer tanto por perder parentes e amigos, pois estão acostumados com isso”. Lendo o livro você percebe que, sim, eles sentem exatamente a mesma tristeza que nós, ocidentais, sentiríamos – afinal, somos todos igualmente humanos. E basta imaginar as histórias deles acontecendo com a gente: um grupo de extremistas invadindo sua casa e matando toda a sua família na sua frente e deixando você como sobrevivente para contar para os outros (exatamente da mesma forma que foi descrito pelos bolsonaristas que ameaçaram Jean Wyllys nos textos dos mails). Você ou seu filho ou filha de 3 anos pisando em minas, perdendo as pernas. Você levando tiro de metralhadora e ficando paraplégico ou tetraplégico em um país em que os deficientes são vistos como algo a ser escondido. Você, sendo mulher, ficado proibida de sair às ruas, de ir à escola, de ir ao supermercado, e trabalhar, tendo como único objetivo de vida casar com alguém que pague à sua família uma alta quantia de Euros. Você sendo proibido de rir na rua pelos talibãs. Você tendo a sua mão cortada por pensarem que você roubou algo (ou que você roubou mesmo, para não morrer de forme). Enfim, são muitas e muitas histórias que acabam com o misticismo de “ah, eles concordam que seja assim”. Não, eles acham tudo isso tão absurdo quanto nós. Pelo menos uma grande parte da população que é governada pelo medo, pela ameaça, pelo fanatismo e, principalmente, pela vontade dos poderosos de manter as coisas como estão. Uma população majoritariamente analfabeta, justamente para evitar qualquer tipo de levante. Uma população massacrada por uma guerra que está ininterrupta há 40 anos (sem contar as anteriores).
Vou fazer um esqueminha para tentar fazer você entender essa complexidade, pelo menos como eu entendi ao ler o livro. O Afeganistão entrou em guerra contra os soviéticos em um conflito que oficialmente durou 10 anos: de 1979 e 1989. Para vocês terem uma ideia, ainda há centenas ou milhares de minas desse período que ainda estraçalham corpos afegãos, pois as mina de guerra não tem prazo de validade. Pode durar séculos e, se alguém pisar, POW! Por isso, o Afeganistão é um país com um número impressionante de mutilados. São milhares ou milhões de pessoas sem uma das pernas ou sem as duas.
Quando essa guerra acabou, com os soviéticos deixando o país (no filme do Rambo 3, de 1988, o Rambo luta contra os soviéticos ao lado dos afegãos... Estranha ironia, pensando no Bin Laden...), começou a guerra civil pela disputa pelo poder, que estava nas mãos de um grupo que eu não lembro o nome. Enfim, a partir de então os talibãs passaram a lutar contra os muyahidines para tomar o poder. Os talibãs que defendem um estado islâmico, com a religião sendo lei. Foi uma guerra sangrenta, com vários grupos matando uns aos outros – especialmente civis. E, Alberto Cairo, com a Cruz Vermelha, viveu todos esses confrontos. A guerra durou até 1994 quando os talibãs tomaram o poder. E, então, o bicho seguiu pegando pesado.
Com os talibãs no poder as mulheres não podiam sair de casa. Os condenados por serem acusados de ter feito qualquer coisa contra a religião muçulmana eram executados em estádios de futebol durante o intervalo dos jogos ou em praça pública. Aliás, o presidente derrubado e outros integrantes do governo foram assassinados e arrastados mortos até uma praça pública, onde os seus corpos ficaram expostos para a população entender como seria o governo dali pra frente. A lei do olho por olho, dente por dente entrou em vigor (como a exaltada pelos bolsonaristas brasileiros). E as punições eram ali, na rua, na hora. Porém, a fome e a miséria atingiram picos estratosféricos. O sujeito, mesmo sabendo de tudo isso, arriscava roubar comida para não morrer de fome. E era espancado e morto na hora. Criança que chorasse na rua era morta pelos talibãs. Homens que não estivessem com a medida certa da barba, eram presos, torturados e, geralmente, executados, independente de idade. Enfim, chegou-se a proibir as pessoa de darem risada em público. Esse é o resumo sutil do que era o governo talibã.
Aí veio 2001. Com Bin Laden reivindicando o ataque às torres gêmeas, os Estados Unidos derrubaram os talibãs. Algo louvável e comemorado pelos afegãos, apesar das milhares de mortes da guerra. Porém, em pouco tempo, todos perceberam que nada mudaria. A “democracia” imposta pelos ocidentais fez com que os senhores da guerra, os antigos governantes, ocupassem os postos de presidente, vice, deputados, ministros, etc. Mais do mesmo. Lá como cá. O maior exemplo é a situação da mulher no país. Elas seguiram sendo um objeto descartável, que não tem voz nem vez. Um bicho de estimação que só serve para limpar a casa, cuidar dos filhos e fazer sexo. Não é a toa que os números de mulheres suicidas no Afeganistão são um dos mais altos do mundo: muitas tiram, ou tentam tirar, a própria vida. Elas não se conformam. Mas não tem força nem apoio de nada e de ninguém.
Em resumo, os ocidentais tiraram os talibãs do poder em 2001. Eles fugiram para as montanhas, mas sempre estão presentes, cometendo atentados suicidas, atirando bombas, escondendo minas, etc. A retirada das tropas internacionais faz com que eles ganhem cada vez mais força e, a tendência, infelizmente para os afegãos, é de eles voltarem ao poder em breve, pois ainda hoje, se você digitar no Google notícias sobre isso, vai ver que as tropas ocidentais no país estão gradativamente diminuindo (afinal, quem liga para o Afeganistão? A comunidade internacional só volta os olhos para eles quando há algum atentado... E aí, pra variar, é tarde). Sem o mundo dar a mínima para eles, o campo fica livre para os talibãs voltarem ao poder.
E, sobre os atentados, os ataques suicidas, o que dizer? Geralmente os ocidentais não entendem muito sobre isso (já estou falando como se estivesse passado por lá, mas é essa a sensação que você tem ao ler o livro). Como já comentei aqui no livro sobre o Iran, os talibãs também apostam no analfabetismo da população e, também, nas pequenas cidades, onde as culturas milenares valem mais do que qualquer tecnologia (por exemplo, lá eles acham que a vacinação contra a poliomielite é uma tentativa do ocidente de dominá-los e vai contra a religião islâmica). Então, você pega essa população, que não tem em grande parte nem energia elétrica (muito menos internet. Teve entrevistado que não sabia onde ficava a Espanha, por exemplo) e diz que ela está na situação de miséria porque Alá quer assim ou porque essa pessoa está pagando por algum pecado (que pode ser até ter tido pensamentos ruins e/ou infiéis). E você convence que, para essa pessoa se salvar e ir para o paraíso ela tem que matar infiéis. Simples assim. Dá arma para essas pessoas e, assim que ela ver um ocidental ou alguém de outra etnia que não a dela, vai mata-lo.
E, se precisar, vai se matar junto também. Fácil de entender, não? Essas pessoas, sem ter qualquer contato com o mundo exterior e sem ter qualquer aparato cognitivo para questionar uma narrativa dessas, acredita, obviamente. E, assim elas detonam bombas e mais bombas sem nenhum peso na consciência, pois estão servindo a Alá. Claro que não é o país inteiro, mas há muito e muito disso tudo. Há questões mais complexas, como: quem financia as armas? Como há armas americanas lá? Etc, etc. O resumo do resumo é o seguinte: tudo pelo dinheiro. A população se arma e se mata, enquanto os governantes e os empresários (o Afeganistão é o maior produtor de ópio do mundo – usado para fazer a heroína) ficam cada vez mais ricos. Estão cagando. Como o mundo inteiro está. Exatamente da mesma forma que funciona no ocidente. Igualzinho ao que acontece com as tragédias brasileiras que se repetem e que seguem eternamente impunes. Pela minha perspectiva de muitos anos atrás, aliás, um estrangeiro que olhasse para o Brasil diria: “eles merecem, já passaram por isso outras vezes e seguem fazendo errado. E a população, que não faz nada?”. Por isso, prefiro ir sempre contra as sentenças simplistas. O buraco, sempre, é mais embaixo. Sempre é mais humano do que a falta de humanidade que a deusa cadela do dinheiro fez com que milhões e milhões de seres humanos vendessem a sua capacidade de amar o próximo por alguns reais, dólares ou euros. E sabem o que é mais irônico nisso tudo? É que é tudo em nome da religião.
Os senhores das guerras e da política fazem as guerras e a política pelo dinheiro e o povo se mata pela religião e por ideologias. E assim o sangue segue rolando. Sangue religioso. Sangue talibã. Sangue de bolsonaristas com perfil talibã. Sangue de extremistas religiosos. Sangue de pessoas de esquerda. Sangue de pessoas de direita. La puta humanidade!
Bom, ainda teria outras mil coisas a escrever sobre outros mil pontos do livro, mas vou me limitar agora à indicar a leitura desse livro na íntegra mesmo...  Hasta!

domingo, 27 de janeiro de 2019

Le Pistolon!


Duas curtas ainda sobre a viagem de Barcelona a Milão.
Na primeira vez em que tive que abastecer na França, a bomba de gasolina ficava relativamente distante do lugar onde tinha que efetuar o pagamento. Como não sabia como as coisas funcionavam por lá, fui até o balcão de atendimento e perguntei a um senhor calvo, magro, com nariz fino e bigodinho legitimamente francês:
- Como faço para abastecer? – perguntei em inglês.
Ele torceu o nariz e disse.
- No English.
- Spanish?
- No. Frensh.
Falei pausadamente em inglês, gesticulando, se eu tinha que pagar antes de abastecer ou eu abastecia e depois pagava.
- Pay now – ele conseguiu dizer.
Paguei, não lembro exatamente, mas algo em torno de 20 euros. Saí do escritoriozinho do posto e caminhei até onde estava o carro. Era um posto pequeno, apenas com duas bombas. Cheguei lá e me dei conta de que não sabia que gasolina eu tinha que servir, pois estava tudo em francês. Fiquei olhando a porra da bomba por algum tempo. Voltei lá no francês.
- Qual daquelas lá é gasolina para carro? – e citei as quatro possibilidades. Dessa vez ele entendeu e disse, com cara de Garfield:
- B-95.
Voltei ao carro. Peguei o pistolão e encaixei no tanque do carro. Tentei apertar uma vez e nada. Duas e nada. Três e nada. Quando vê, começou a sair a voz do francês por uma caixinha de som ao lado da bomba, que eu entendi da seguinte forma (não sei se faz sentido, pois não falo francês):
- Le pistolon! Le pistolon!! #$@~%&**!@@#!*¨$#*(*@ pistolon!!!!!
Eu comecei a rir. Só entendia pistolon.
- Eu tô apertando a porra do pistolão! – Gritei de volta em claro e bom português.
- LE PISTOLON!!!! LE PISTOLON!!!! – Ele insistia enquanto provavelmente me xingava em francês.
- Porra! Não sai nada, caralho! – eu berrei em resposta.
- #$@~%&**!@@#!*¨$#*(*@! LEEEEE PISTOLOOOOONNNNNNNNN!!!!!
Até que eu tive a brilhante ideia de apertar a porra do gatilho do pistolão e segurar por, sei lá, uns 10 segundos. De repente, começou a sair gasolina. Que côsa. Na Espanha e nos Estados Unidos não precisava segurar tanto tempo... Enfim, consegui me livrar do pistolon.
Outro episódio semelhante foi numa das inúmeras paradas para pagar pedágio. Os protestantes tomaram os postos da maioria deles (e, believe me, são muuuuitos!!!), mas alguns ainda estavam funcionando, mais perto da fronteira com a Itália. Aliás, economizei sei lá, uns 50 euros graças aos protestantes que liberaram quase todos os pedágios. Pensando bem, valeu a pena as cinco horas em Arles em troca desses 50 euros... Enfim, paramos num desses pedágios e eu não achava onde enfiar a porra do dinheiro ou o cartão. Olhava e olhava e olhava e nada. Para a nossa sorte, a estrada estava praticamente vazia. Eu estava variando entre cartão e dinheiro, mas naquela joça não havia alternativas. Apertei a campainha. Um cara atendeu em francês.
- Do you speak English? – perguntei.
Ele respondeu em francês. Silêncio. Apertei de novo. Agora uma mulher, também falando em francês.
- Do you speak English? – insisti.
Resposta em francês. Veio um terceiro carinha falando um inglês pior que o do Joel Santana. Eu só perguntava:
- Where should I put the fucking money?
- Box. In the box – ele respondeu (ou pelo menos foi o que entendi).
Eu olhava para todos os lados e não via caixa nenhuma. E ele ficava repetindo “the box, the box”. Perdi a paciência:
- And where's the fucking box ???
O idiota só repetia:
- THE BOX! THE BOX!
Juro por Nosso senhor que não havia caixa onde botar a merda do dinheiro. Ficamos nessa por uns cinco minutos até que ambos perdemos a paciência e ele abriu a catraca. Passei sem pagar, mesmo sem a ajuda dos protestantes. É, a França é um país complexo.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Viagem sem fim


Quando planejei a viagem eu sabia que o trecho Barcelona-Milão seria o mais puxado. O Google Maps indicava uma viagem de 9h55. Pela minha experiência no Brasil e Estados Unidos, contando as paradas e o trânsito, calculei que levaria umas 12 ou, no máximo, 14 horas. Ledo engano.
Saímos do hotel de Barcelona e ao colocar como destino Milão no GPS da Garmin o sistema bugou. Apenas indicava uma linha reta que passava por ruas e avenidas, cortando a cidade ao meio. Fodeu, pensei. A essa altura da viagem eu ainda não sabia que o GPS do celular funcionava off-line. E eu não contratei o plano de internet móvel no Brasil para usar no exterior porque era o olho da cara. Também não segui o conselho de alguns blogs de viagem de comprar um chip na Europa, pois achei desnecessário, pois havia baixado os mapas europeus no GPS. Diante disso, o que fazer? Viajar a moda antiga, ora pois, seguindo as plaquinhas. Primeira missão: sair de Barcelona. Resolvi tentar ir ao máximo para o lado onde o trajeto em linha reta do GPS indicava. Fui fazendo isso e seguindo as plaquinhas até chegar – depois de mais ou menos uma hora, em que fui xingado em inglês e espanhol por motoristas catalães – numa estrada tipo freeway. E agora? – a Cris indagou. Boa pergunta, respondi. Parei para abastecer e pedi informações no posto:
- Como faço para chegar na França?
- Aonde o senhor vai? – perguntou em espanhol a gordinha de cabelos loiros até o ombro e com rosto inchado.
Caralho, se eu disser Milão ela vai achar que sou louco. Mas se eu disser Paris ou outra cidade, ela pode me mandar para o lugar errado. Foda-se, falei a verdade:
- Milão.
- Na Itália?
- Sim.
Ela suspirou, como se dissesse, “cada louco que me aparece...”.
- Bom, então você vai ter que ir em direção a Montpellier...
Estava me sentindo nos anos 1990 quando viajava com a família com mapa da revista 4 Rodas e várias perdidas pelo caminho... A alemoinha espanhola pegou um pedaço de papel e se pôs a desenhar. Indicou as duas saídas que eu tinha que entrar mais para frente nas bifurcações.
- Depois disso, basta ir reto.
- Ok, muitíssimo obrigado!
Entrei no carro feliz da vida:
- Problema resolvido – e mostrei o papelzinho com o mapa engenhosamente desenhado pela gordinha.
Assim, depois de mais ou menos duas horas, conseguimos sair de Barcelona. Milão, here we go!
Achei que agora ia ser como na viagem de Madrid a Barcelona: bastaria seguir em linha reta, em uma estrada semi-deserta, olhando a paisagem, até chegar a Milão. O que seria duas horinhas a mais? Nada.
Seguimos o desenho da aleoma do posto até que o trânsito começou a ficar lento. Parecia um engarrafamento de metrópole. O troço ia a passo de tartaruga até que, mais ou menos mais duas horas depois, chegamos na cidade fronteiriça que fica do lado francês. Sem brincadeira, parece Ciudad del Leste. Saquei que as coisas lá devem ser mais baratas, pois havia uma porrada de galerinha indo da Espanha para lá. E as ruelas pequenas, o engarrafamento, o trânsito bagunçado, em nada fazia pensar na França. Muito comércio e lojas cheias. O Paraguai francês.
Bueno, agora vai! – pensei.
Andamos mais um pouco e.... trânsito parado. Coletes amarelos por todos os lados. Eles vieram até nós. Ninguém falava inglês, nem espanhol, tampouco português. Metade por mímica e outra metade por dedução, eles entenderam que éramos brasileiros.
- Bolsonaro no! – eu esclareci, pois poderiam achar que eu era um dos milhões de brasileiros que se revelaram de extrema direita (que é o que eles estavam combatendo). Tiramos fotos, felizes. Viva o protesto! Viva a França!
Seguimos viagem. Chegamos a Montpellier. Lembrava que passaríamos por Nice, então, as plaquinhas indicando Nice era o novo objetivo a ser alcançado.
- Não estamos perdidos? – perguntava volta e meia a Cris, preocupada.
- Nada. Tudo sob controle. Olha ali a plaquinha: Nice. Eu lembro que Nice fica no caminho...
Tudo ia perfeitamente bem até que chegamos a uma pequena cidade francesa chamada Arles. Nunca mais vou esquecer esse nome. E nunca mais vou querer passar por essa cidade, que descubro agora que tem 52 mil habitantes. Arles. Também descubro apenas agora que Van Gogh morreu em Arles. Madre que me pariu! Eu vi o filme sobre a morte de Van Gogh... Coincidências da vida. Até hoje não há um consenso se ele se matou ou se foi morto por um tiro acidental. Momento dica: procura o filme aí na Netflix, é uma animação muito boa que conta a vida dele.
Estávamos seguindo nosso caminho quando chegamos num engarrafamento gigantesco. Aproveitamos parar para jantar – sim, a essa hora já era noite. Lá, consegui conectar wi-fi e coloquei o trajeto até Milão a partir de onde estávamos (me liguei nesse momento que bastava não mexer no celular que o mapinha funcionava off-line). Voltamos para a fila do congestionamento. Andamos como lesmas até o centro dessa cidade. Passamos o centro e fomos para onde, teoricamente, seria a saída de Arles. Ninguém se mexia a partir dali. Passaram-se, sei lá, meia hora e fui perguntar ao policial. Era um italiano que falava um inglês primário, mas que foi possível arrancar a seguinte informação: pode demorar uma hora, cinco horas, dez horas ou um dia. Caralho, eu não quero ficar preso em Arles!!! Eu odeio essa maldita cidade!!
Fizemos a volta e começamos a andar por todas as ruelas em busca de uma saída. Lá pelas tantas, vi uma ruazinha que dava em uma estrada deserta. Entrei e dei de cara com uma barra de concreto gigantesca trancando a pista.
- Eu vou tirar – disse, tomado de ira.
- Está louco? Como vai tirar? – perguntou a Cris.
- Vou! – e desci do carro com sangue nos olhos. Fiz força para erguer o concreto e... nada, nem se mexeu. Seria preciso um guindaste para fazer aquela coisa sair do lugar. Filhos da puta. Voltei para o carro.
- E agora? – perguntou a Cris com os olhos arregalados.
- Agora vamos ter que achar outra saída.
Voltamos para o congestionamento. Lá pelas tantas um carro fez uma volta meio maluca pelo acostamento. Resolvi seguir ele. Chegamos à outra saída, mas para chegar até a autoestrada era preciso andar uns 500 metros na contramão. Fiquei ali de butuca esperando parar o movimento. Quando parou, ZAS!, cantei pneu e saí na autoestrada. ESTAMOS LIVRES!!! Senti-me os carinha que fugiram do presídio de Passo Fundo, dia desses. Teve um que, pelas imagens da câmera de segurança, perdeu o chinelo no meio da rua e não olhou para trás. Era eu nessa viagem. Se viesse a polícia atrás de mim, eu aceleraria, mas não voltarei para Arles nem amarrado! No total, foram mais ou menos umas cinco horas preso nessa amaldiçoada cidade. E ainda estávamos longe de Milão!
Foda-se, não quis nem saber. Vou direto para Milão. Só vamos parar para cagar e mijar, mas vou chegar em Milão contra tudo e contra todos! Assim passamos pelas plaquinhas de Nice e começaram a aparecer plaquinhas italianas. Acho que nunca fiquei tão feliz ao chegar a um país como quando cruzamos a fronteira. Estava tudo deserto e era madrugada. Passamos por dezenas de túneis gigantes, que se estendiam às vezes por quilômetros. De repente, começaram a aparecer as plaquinhas indicando Milão.
Mesmo de madrugada, dava para ver as cidadezinhas que são construídas nos penhascos italianos. As luzinhas tornavam a vista bela. De dia, penso eu, deve ser mais bonito ainda. Andamos, andamos e andamos até que, às seis horas da manhã do dia seguinte, finalmente, eu estacionava o carro na frente do hotel. Seis horas da manhã. Saímos às 10h da manhã de um dia e chegamos às 6h da manhã do outro. 20 horas na estrada. 20 horas dirigindo. Meu novo recorde pessoal. Graças a saída de Barcelona. Graças ao Paraguai francês. Graças a Arles. Chegamos e dormimos com os anjos, pois quando acordasse, Milão nos esperava.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Barcelona: uma mistura de ranço com bagunça


Barcelona. Barcelona boêmia. Barcelona artística. Barcelona bagunçada. Barcelona alegre, ranzinza e gritona. Meu imaginário se mistura e se choca com a realidade. No pouquíssimo tempo em que estive em Barcelona, vi mais o lado ranzinza, bagunçado e separatista-catalão do que a boemia, a arte e a alegria que eu esperava. Decepção? Não chega a tanto, pois não posso resumir a cidade a dois dias de inverno. Entretanto, confesso que a primeira impressão de Madrid foi muito melhor do que a de Barcelona. E isso que começamos o passeio pelo Camp Nou.
O GPS indicava o trajeto até o hotel, quando de repente olhei para o lado e vi: a casa de Messi, Suarez e Arthur e que já foi dos Ronaldinhos, Romário e Rivaldo. Falei para a Cris:
- Vou achar um lugar para estacionar e vamos descer.
Para a minha sorte, era perto das duas da tarde: hora da famosa siesta espanhola. E daí? Daí que havia lugares para estacionar. E o melhor: segundo um carinha que estava num armazém na frente de onde estacionei, das 14h às 16h não precisava pagar nada. Deixei o nosso mini carro parado lá e andamos até o Campo Nou. Grande, magnífico, extraordinário. Porém, como não teríamos muito tempo na cidade, só o visitei por fora e entrei na loja, não fazendo o tour, ao contrário do que mais tarde fiz em Madrid, no Santiago Bernabéu. Portanto, não posso comparar. Apenas digo que a loja do Barcelona é muito mais impactante e tem muito mais coisas do que a loja do Real Madrid em seu estádio. Acabei comprando o Campo Nou em miniatura...
Clic, clic, clic. Fotos, fotos, fotos. Voltamos para o carro.
Eu sabia que o Park Guell também ficava longe do hotel, então aproveitei para emendarmos. E, assim, seguimos pelas ruas estreitíssimas de Barcelona, passando por prédios e mais prédios que exibiam dezenas e dezenas de bandeiras da Catalunha em suas janelas. Barcelona, para quem vive lá, penso eu, não pertence a Espanha, mas sim a Catalunha. Porém, para o mundo todo, Barcelona e Madrid são sinônimos de Espanha. Não sei como seria pensar em um país catalão. Como turista que está por fora e leu minimamente sobre o tema, sou contra a separação. Aliás, eu sempre fui a favor de uma comunidade o mais internacional possível, sem fronteiras, com todo mundo tendo o direito de ir e vir pelo planeta inteiro sem burocracias e sem barreiras. Sonho utópico que nunca vai se realizar. Unir Deus, Alá, Jesus Cristo e Maomé. Impossível.
Momento dica: o caminho para chegar até o Park Guell não é fácil. Pelo menos de carro. E creio que de metrô, ônibus ou a pé também não. Fica lá nos confins de Barcelona, lá no alto não sei de onde. Longe pra dedéu. São ruelas e ruelas onde só passa um carro, então tem que ficar muito atento às preferenciais e mãos. Obviamente, cada uma só vai ou só vem. E tem mais os pedestres que ficam zanzando de um lado para o outro. Parece que têm o bicho carpinteiro no corpo, não param quietos. E há as faixas de segurança que, assim como em Frederico Westphael, e diferentemente das grandes cidades brasileiras, respeitam-nas. E os espanhóis, pelo menos os de Barcelona, são bravos. Se você não for diminuindo quando chegar perto da faixa já te olham de cara feia. Franzem a testa e fazem um movimento com o rosto que indica um “humpf!”.
Depois de penarmos para achar o Park Guell, sofri mais um pouco para achar uma vaga para estacionar. Fui até o fim da subida e havia um mini espaço. Um mini espaço perfeito para um carro mini. Se estivesse com um sedan, SUV ou coisa parecida, não teria como estacionar. Mas com o meu mini Fiat 500, coloquei-o lá, atrás de um carro e na frente da corrente que indicava que logo ali havia um penhasco. Senti-me o Mr. Benn manobrando. Mas no fim, tudo deu certo. Sempre dá. Pelo menos quando não dá errado.
Estacionamos e partimos para o Park Guell. Eu queria achar o lugar que havia visto nos blogs, com aquela arquitetura mística e histórica que me fazia lembrar a aldeia dos Smurfs. Fui seguindo as plaquinhas até que chegamos. Havia uma fila razoável para comprar ingresso. Entramos e, todo o sacrifício, valeu a pena. O lugar é fantástico. Não vou contar sobre a história dele, nem nada parecido, pois há infinitos sites e blogs que fazem isso, inclusive o site do parque...
Clic. Clic. Clic. Clic. Muitas fotos. Lembro de quando viajava sem câmera ou com as compactas que tinham filme 12 ou 24 poses. Nem pensava em fotos. Não havia redes sociais. Agora, somos escravos da rede. Porém, como fotógrafo amador apaixonado por fotografia, não poupo clics. Ajudam a rememorar tudo depois. Fazem lembrar coisas que a memória, depois de certa idade, já teria deletado do escaninho de nosso cérebro. Por exemplo: para escrever esse texto, vou olhando as fotos. Se não as tivesse, não lembraria de metade do que aconteceu. Lá em cima, além de toda a arquitetura impressionante, você tem uma vista do caralho de toda a cidade. Você enxerga, por exemplo, o templo da Sagrada Família, majestoso, com suas torres que se destacam dos prédios e casas de toda a cidade. Muitos e muitos cliques. Mais vários minutos para apreciar tudo.
Turistas por todo o lado. Espanhois, argentinos, argelinos, americanos, alemães, chineses, iraquianos, brasileiros, africanos. Muitos idiomas a céu aberto. Começa a escurecer e resolvemos partir. Agora sim, o hotel.
Volta pelas ruelas, sou xingado mais algumas vezes em espanhol por motoristas e pedestres, chego ano centrinho confuso de Barcelona, que confunde ruas e calçadas (você fica em dúvidas ao entrar naquelas ruinhas se você pode ou não estar lá até começar a ouvir os primeiros buzinaços...). Depois de zanzar, acho um estacionamento próximo ao hotel. Pegamos as malas e vamos. Há indianos por todos os lados. Penso que estou na Índia e que o Apu vai aparecer na minha frente a qualquer hora. Pergunto para dois policiais o nome da rua em que estamos. Eles respondem e dizem para cuidar com as malas, como se dissessem: “você é louco de ficar andando com malas e sacolas por essas ruas?”. Insegurança na Europa. Chegamos ao hotel. Alba, o nome. A grande atração desse hotel é o recepcionista, que imagino que também seja o proprietário. Trata-se de um velhinho caduco. Ele fala, fala e fala. E quando você tentar dizer algo, ele te repreende como se fosse o teu pai. Ou te corrige ou pede para não interrompê-lo. Cometo o erro de perguntar para ele como faço para chegar em Las Rambas, a famosa rua que liga o porto velho e a Praça da Catalunha. Eu sabia que era ali perto, mas queria apenas que ele me dissesse em que direção ir. No entanto, ele puxou um mapão de papel e falou e falou e falou. Acho que foi uma palestra de 10 minutos sobre como ir do hotel até Las Rambas. Tentei agradecer para subirmos ao quarto umas três ou quatro vezes mas ele sempre tinha algo mais a falar. E pior: em espanhol. Não entendia metade. Eu tentava falar com ele em inglês. Ele começava no english, mas daqui a pouco já estava no espanhol de novo. Era rir para não chorar. Quando finalmente nos livramos do velho, subimos, tomamos banho e fomos para Las Rambas.
Aí outra diferença que senti entre Barcelona e outras cidades. As pessoas pareciam estar de mau humor. Carrancudas. Nada de risadas. Sempre imaginei Barcelona uma cidade alegre. Os vendedores das lojinhas e feirinhas pareciam estar de mal com a vida. Claro, deviam estar de saco cheio de todo dia ver turistas que viajam pelo mundo enquanto eles têm que ficar ali, trabalhando diariamente para ganhar o pão... Enfim. Não lembro o que comemos pelo caminho até que chegamos à Praça da Catalunha. Apaixonados por Barcelona, podem se implicar comigo. Mas achei feia. Penso que porque era inverno, a grama estava seca e era noite. Parecia uma praça velha e abandonada. Comparada com a Plaza Mayor, de Madrid, era um potreirinho mau cuidado. Mesmo assim, clic, clic e clic. Subimos no Corte Inglés, pois tinha lido num blog que do último andar havia uma vista linda para a praça da Catalunha. Andamos, andamos e andamos. Cheguei até a comprar uma bolsinha para a minha máquina fotográfica. Achei o tal lugar. Nada de espetacular. Descemos. A essa altura, a Cris já estava com os bofes pra fora. Não aguentava mais andar. E eu estava elétrico.
Ainda queria ir até a Sagrada Família. Propus leva-la de volta ao hotel e seguir sozinho, mas não aceitou. Pegamos um metrô e descemos lá. Essa sim, faz jus à fama. Grandiosa e espetacular. Clic, clic, clic. Minutos de meditação e contemplação. E, para encerrar a noite, uma cerveza gelada em Plaza Real, que também ficava perto do hotel. Dessa vez não cometei o erro de perguntar para o velhinho da recepção.
Ao final da noite, resolvi abortar o passeio da manhã seguinte para dormirmos. Teríamos que sair por volta do meio dia do hotel e havia uma viagem com previsão de umas 11 horas até Milão pela frenet. Meu plano, antes de viajar, era passear esse segundo dia em Barcelona, mas viajando a gente vai mudando os planos. Pensei nas minhas pernas e nos meus pés e decidi dormirmos até mais tarde para pegarmos a estrada ainda antes do meio-dia. Sábia decisão, pois eu nem imaginava o que estava por vir...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Las Calles de Madrid

Madrid. A cidade real. A cidade do Real. Real Madrid. Madrid. Acordamos no meio da tarde e qualquer sinal de efeito do Rivotril já havia evaporado de meu cérebro. Queria sair, passear, tirar fotos, explorar as calles de Madrid. “Ayer la vi bailando por ahí, con sus amigas en una calle de Madrid”, como diz a letra de uma música que viria a conhecer na noite de ano novo, em Burgos. Antes de sairmos, apenas confirmei na recepção do hotel o que temia: nenhum sinal de minhas malas. Bueno, o jeito vai ser encarar tudo com a roupa do corpo mesmo: calça jeans, manga curta e o mesmo jaquetão que comprei num outlet em New Jersey anos antes para encarar o inverno americano.
A primeira coisa que gostei em Madrid, aliás, foi o hotel Barajas Plaza. Discreto, pequeno, mas aconchegante e com funcionários receptivos e sorridentes. Fica em uma rua super estreita no bairro de Barajas, perto de uma pracinha em formato oval. Aliás, a recepcionista nos deu um mapinha do tamanho de um cartão de visitas para chegarmos ao metrô. O plano era esse: deixar o carro na garagem por onde passássemos e usá-lo apenas na estrada, pois qualquer estacionamento custa muito mais do que os tickets do metrô. E o mapa do metrô de Madrid é um dos mais lógicos, fáceis e práticos que já vi. Sem querer bancar o convencido, mas para quem praticamente memorizou o mapa de Nova York no um ano em que morei lá, o de Madrid é fichinha. Seguimos o mapinha impresso até a estação: contorna-se a pracinha, segue reto, dobra à esquerda, à direita, chega à outra pracinha e logo na frente está o metrô. Embarcamos e descemos em Nuevos Ministerios. A lógica de Barajas até qualquer parte da cidade é essa: vai até Nuevos Ministérios, última parada, e de lá se vai para qualquer outro lugar. Ou quase. Pegamos mais um trem, que não me recordo o número, e descemos em Tribunal. Dali, estávamos praticamente na Gran Vía. Madrid! Europa! Finalmente cheguei a ti!
Ainda era dia e caminhamos um pouco pela Gran Vía até a fome bater. Critica-se muito os americanos, mas a praticidade das grandes redes de fast food somada ao preço baixo fez com que entrássemos em um Burger King. De estômago cheio, fomos descendo em direção a Plaza Mayor passando por uma espécie de calçadão lotado de lojas. E, lojas, quem conhece sabe, é com a Cris. De cara, já compramos alguns presentinhos para a nenê e para a vovó (da nenê). Para a minha sorte, não estava tão frio. Descemos até a Plaza Mayor.
Eu fotografava tudo o que via: a estátua do figurão no cavalo, o pinheiro de Natal, o urso, Puerta del Sol, o Mr. Been feioso que zanzava por ali com seu ursinho velho, os espanhóis, as espanholas, los niños e las niñas. Nada era poupado pela minha lente. Passeamos por ali, entramos e saímos de algumas lojas, voltamos para a Gran Vía, até o prédio onde está a placa com as letras luminosas Schweppes (que ainda estavam apagadas), andamos mais um pouco, paramos num Starbucks para tomar um café e, quando saímos, estava noite. A questão é que era outro visual.
Assim, aproveitei a intenção da Cris de visitar mais lojas com a minha vontade de fotografar tudo de novo, mas agora com o visual noturno e a iluminação de decoração natalina, e praticamente percorremos o mesmo caminho feito anteriormente até a Plaza Mayor. Fotografei tudo de novo, porém dessa vez com as luzinhas: o pinheiro, Puerta del Sol, o urso, as lojas, a placa do Schweppes, o Mr. Been com o ursinho velho, os espanhóis, as espanholas, los niños e las niñas. Fomos, voltamos, caminhamos mais pela Gran Vía, entramos nas lojas do Corte Inglêz, numa outra galeria sinistra que não sei o nome, fotografei, curti las calles de Madrid até que cansamos. Uma última parada para um jantar: um sanduichão com um pão francês gigante e algumas coisas sem ovo dentro. Resolvemos voltar, pois a ideia era pegar a estrada cedo na manhã seguinte.
Na chegada, uma passada num mercadinho na frente da praça de Barajas que estava aberta e lá abastecemos com suplementos para a viagem: refrigerante, salgadinho, bolachas, água mineral, etc. Não vou ser hipócrita para dizer que compramos frutas e coisas saudáveis, porque não fizemos isso... Mas enfim, poupamos uns bons euros estocando alimentos.
Chegamos ao hotel e, agora sim, a mala havia chegado. Senti-me completamente aliviado. Ali estavam as minhas botas de neves para os alpes suíços! Minha camiseta do Grêmio! Minha camiseta Xavante! Enfim, só coisas importantes que os 200 euros que me pagariam não compensariam, pois não seria possível comprar a tempo relíquias novas, afinal, onde acharia uma camiseta do tricolor gaúcho ou do Brasil de Pelotas na Europa para tirar fotos nos Alpes suíços??? Carajo! Esses espanhóis tem cada ideia... querer compensar isso com 200 euros... O cu deles.... Arrumamos as coisas que desarrumamos em pouco tempo e assim, na manhã seguinte, às seis horas pelo horário espanhol (três da madruga pelo horário de Brasília) acordamos para pegar a estrada rumo a Barcelona.
Para ser sincero, a excitação da viagem não me permite ter sono. O que surpreende a muita gente que me conhece, pois às vezes sou meio Bukowski nesse ponto: gosto de deitar para um cochilo a qualquer hora, não importa se de manhã, de tarde ou de noite. O sono vindo é o que conta. Isso faz com que muitos pensem que sou sempre sonolento... Mas, quando estou viajando, é como se me ligassem na tomada. Lembro, em 2005, num carnaval no Rio em que me disseram que o bloco Bola Preta começava às 8h. Posamos no apartamento de uma finlandesa em Botafogo, que morava com o marido e o filho, depois de chegarmos às quatro da manhã. Eu e meus três ou quatro amigos cariocas que estavam junto dormimos espalhados pelo sofá e pelo chão do apartamento. Acordei para mijar lá por 7h e tratei de fazer com que todo mundo levantasse para ir no Bola Preta. Só ouvia os cariocas falando com sotaque: “Esse gaúcho não dorme não, pow?”. Pois é, quando estou viajando, não durmo.
Carregamos o carro novamente, o fiatizinho 500, e pegamos las calles de Madrid até a autoestrada. A capital espanhola ainda dormia e praticamente não havia movimento. Foi fácil seguir o GPS e deixar a cidade (missão difícil e demorada em outras cidades, como Barcelona e Paris, na hora do rush). A estrada estava vazia e quase fiz o nosso Fiat 500 decolar. Talvez tenha levado alguma multa, não sei ainda. A máxima era de 130, mas, como não tinha praticamente mais ninguém dirigindo pelas vias sem nenhum buraco, com três ou quatro pistas, cheias de espaço, sem que eu percebesse o marcador chegava a 150, 160...
Quando via, diminuía, mas 130 parecia tão devagar naquelas estradas... Dirigindo, viajando e aprendendo, descobri uma peculiaridade da Europa: não há muitos postos de combustível pelo caminho. E eu, acostumado com o Brasil, que tem posto de combustível a cada 10 ou 15 quilômetros (ou bem menos do que isso) esperei o combustível chegar na reserva para abastecer. Passaram-se 10 minutos. 20 minutos. Meia hora e nada. Nenhuma placa, nenhum sinal, nada. Dos três risquinhos da reserva, dois já tinham ido para o espaço. Apelei para o GPS, que me indicou o posto mais próximo. Obviamente, era fora da estrada, numa cidadezinha no caminho. Quando chegamos (após pagar um pedágio que ficava na entrada da porra da cidadezinha) já não tinha mais risco nenhum no painel, que avisava: “peligro, poco combustible”. Completei e, a partir daí, assim que o painel marcasse que o tanque estava cheio pela metade eu já tratava de procurar um posto. E, geralmente ele aparecia quando o sinal entrava na reserva. Em síntese, outra dica: na Europa, pelo menos nos países por onde passei (Espanha, França, Itália e Suíça), é comum você andar 60, 70 ou até 80 quilômetros sem passar por nenhum posto de combustível de beira de estrada.
Depois de aproximadamente seis horas de viagem, chegamos a Barcelona, onde eu havia feito as reservas em um hotelzinho perto de Las Rambas, na parte sul. Era início de tarde e o GPS indicou um caminho que passava justamente na frente do Camp Nou. Assim, antes de chegarmos ao hotel, fizemos a nossa primeira visita na segunda maior cidade espanhola e capital da Cataluña.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Um sofá novo, trocar de carro, dar entrada numa casa ou viajar?

Quem é viajante não tem dúvidas em responder a essa pergunta. No seu livro Viajando, viajando, que já comentei aqui, Sérgio Stangler aborda a mesma temática. No início de 2018 recebi um dinheiro inesperado. Para ser mais preciso, um dinheiro a qual eu tinha direito, mas que demorou pra caralho para sair. E, então, saiu. Na época, a dona da casa que alugamos pediu o seu sofá de volta. Assim, surgiu a dúvida: comprar um sofá novo ou viajar? Além disso, o carro já estava com uma quilometragem alta. E havia a pressão de pessoas relativamente próximas para dar a entrada na compra de uma casa/apartamento. Apesar dos argumentos favoráveis ao sofá e dos palpites externos para a troca do carro ou a entrada em um imóvel, eu mandei tudo às favas e disse para a patroa: é a nossa chance de ir para a Europa. Não fazia ideia se algum dia apareceria uma chance como aquela. E, assim, passamos a planejar a viagem.
O fato de uma tia da Cris, a tia Ella, morar em Burgos, na Espanha, foi um facilitador. Entramos em contato com ela, que ficou super empolgada com a nossa visita. Assim, depois de muito especular, pesquisar, estudar, contatar meus pais para ver sobre a possibilidade da Larissa ficar com eles, de consultar agendamento de férias, finalmente comprei as passagens lá por março de 2018: partiríamos do Salgado Filho, em Porto Alegre, rumo a Madrid com escala em Guarulhos. Passaríamos Natal e ano novo em solo europeu e voltaríamos em voo no dia 6 de janeiro de noite. Tudo foi feito pela eficientíssima agência One Life, de Toledo-PR. Foi com ela que também mediei a minha ida para Nova York e de minha irmã, quando foi me visitar nos States e, depois, quando ela também foi para a Europa. Não é nada de roteiro turistão: eu informei as datas que queria ir e voltar, eles acharam os voos mais baratos, comparei com os da Decolar e outros sites, e valia a pena fazer o serviço com eles, que também trataram do seguro viagem e, no caso dos Estados Unidos, do visto americano. Em resumo, paguei duas passagens à vista - com o dinheiro inesperado - e as outras duas parcelei em dez vezes no cartão (porra, não tenho RBS pra pagar minhas passagens...).
E, assim, ficamos com o mesmo carro e com os sofás velhos que estavam atirados num canto da sala. E a casa, fica para outra. Está longe de ser minha prioridade comprar um imóvel. Pra mim, tendo uma barraquinha num parque público é o suficiente, desde que eu possa partir quando quiser. Liberdade não tem preço.
Passagens compradas, nos meses que se seguiram fui reservando os hotéis, para otimizar o orçamento. Otimizar. Uma ex-colega, Relações Públicas, disse que em uma entrevista de emprego sempre se deve utilizar essa palavra. Os chefes adoram. E eu otimizei meu orçamento. Cada mês pagava a hospedagem em um lugar. Uma outra reserva da grana recebida serviu para comprar euros, peguei mais a grana das férias e décimo e.... ficou tudo pronto! E, agora com a viagem findada, só posso dizer uma coisa: deu tudo 100% certo. Não faltou nem sobrou. Enquanto escrevo esses textos, como todo o viajante chato metido a besta faz, vou dando algumas dicas. Eu fiz um “caixa 2” para imprevistos, que sempre aparecem. E, financeiramente, uma das coisas que confirmei é o seguinte: se perde aqui, se ganha ali. Explico-me: paguei uma batata pra ver PSG x Nantes no Parque de Príncipe. Mas compensei jantando sanduíche comprado no mercado em Paris a dois euros. A vida é assim. Ganha-se aqui, perde-se ali. Sabendo dosar, vamos longe.
Questões financeiras resolvidas, chegou a hora de fazer o roteiro. A Cris combinou de passarmos o natal e o ano novo em Burgos, na Espanha, com a Tia Ella e a família. Concordei na hora. Sobraram duas opções: ou chegaríamos e pegaríamos a estrada para conhecer alguns destinos ou iríamos direto para Burgos, passaríamos o Natal lá e no dia 26 pegaríamos a estrada. Inicialmente achei a segunda opção melhor, mas depois, pensando bem, conclui que seria ruim chegar no dia 6, cansado de tanto viajar, e ter que pegar um avião de volta para o Brasil. Outra hora falo do meu trauma de aviões... Na dúvida, liguei para a tia Ella: e aí, tia, o que fica melhor para vocês? Ela sugeriu viajarmos primeiro e depois ficarmos lá para natal e ano novo. Perfeito. Comecei a traçar a rota. Primeira dúvida: trem, ônibus ou alugar carro? Todo mundo dizia que o melhor era pegar trem. Aí vai outra dica: siga o seu instinto e o seu interesse. E pesquise! No meu caso, eu tinha a experiência de alugar carro nos Estados Unidos. Então eu não era um novato no assunto, pois cruzei da costa Oeste à costa Leste dirigindo pelas estradas americanas, que se parecem muito com as europeias. Acabei botando tudo no papel: ok, de trem ou busão ficaria mais barato. Mas o barato sairia caro.
Estaríamos com bagagens. Seria horrível chegar de madrugada num lugar e pegar metrô para hotel. Se pegássemos taxi ou uber a economia já ia para as cucuías. Dois fatores me fizeram decidir: 1) era inverno. Chegar e partir cedo da manhã ou de madrugada seria uma tortura. De carro, seria muito mais confortável. 2) a perda de tempo. Se você vai pegar um trem ou ônibus você tem que se programar para estar tudo pronto na estação antes da hora, pois o trem não vai te esperar. Se você está de carro e se atrasar 10, 20 minutos, uma ou duas horas, pouco importa. O carro está lá. Um exemplo. Um trem que sai ao meio dia. Você vai ter que pegar um metrô até a estação carregando todas suas malas e sacolas. No inverno. Com a sua esposa pronta para jogar tudo na sua cara se alguma coisa sair errado. Muito arriscado. Você vai ter que levantar às 9h para deixar tudo pronto até às 10h para pegar o metrô para chegar pelo menos meia hora antes na estação de trem para achar o ponto de partida. Vai ter que pegar o trem. Vai ter que chegar no destino e se virar para achar o hotel. Vai perder tempo. Sua mulher vai ficar bravo com você. Vai estar frio e você vai estar cansado. De carro, você se levanta às 11h, toma um banho, da uma cagada, desce, faz o check out, põe o endereço do próximo destino no GPS e parte. Muito mais simples, fácil e confortável, não? Foi o que fiz. Óbvio, ai entra o caixa 2 dos imprevistos. Eu tinha reservado uns bons euros para pedágios, gasolina e outros gastos que pudessem surgir na estrada. E surgiram, como os 40 euros que tivemos que pagar para colarem um adesivo no carro para entrarmos na Suíça. Enfim, aí já estou adiantando a história... Voltemos àprogramação.
Peguei o mapa. Tínhamos duas possibilidades: ou chegar em Madrid e de lá irmos para Paris e fazermos a volta até Barcelona e irmos a Burgos (o que não seria muito sensato ou lógico) ou chegarmos em Madrid, partimos para Barcelona, subirmos a Milão para de lá ir para os alpes suíços, Zurique, Paris e Burgos. Como tínhamos pouco tempo, fiz essa segunda opção e deixei o passeio em Madrid para o final. Ou seja, chegaríamos em Madrid, dormiríamos uma noite e já partiríamos no dia seguinte para Barcelona. Assim, em agosto paguei o hotel em Barcelona, em setembro em Milão, em outubro na Suíça, em novembro em Paris. Resumindo: pegamos o avião com tudo pago: passagens, aluguel do carro e hospedagem. Só nos preocuparíamos com o que gastaríamos lá. Sei que o Sérgio, por exemplo, é contra planejamentos. Mas quando os recursos são escassos, eles são necessários. Se eu tivesse uma conta cheia de grana no Brasil faria tudo sem planejar. Iria para onde o vento apontasse sem me preocupar com preço de hotel ou em gastar com táxi. Mas não é meu caso. Minha conta no Brasil ficou raspadinha. No máximo, havia a opção do crédito que, graças a Deus, praticamente não usei.
Estando tudo planejado e organizado, finalmente chegou dezembro. A hora de pegar o avião. O momento de encarar o meu fantasma: o monstrengo que pesa toneladas e viaja por cima das nuvens como se fosse um beija-flor.
O avião sairia no dia 12 de dezembro. Uma semana antes começou a insônia. Coração dispara. Frio na barriga. Penso em desistir. Porra, perderia uma puta grana. A grana do sofá novo, da troca do carro, da entrada na casa. Penso que minha filha não vai. Se o avião cair, ficará órfã. Puta que pariu. Penso que meus pais e irmãos cuidariam bem dela. Penso, penso, penso. Acabo guardando para mim esses pensamentos. Vou me chapar de Rivotril e já era. Foi assim que fiz para ir para Nova York. Tomei um Rivotril antes de pegar o táxi e um quando o avião estava lá em cima. Apaguei e acordei com a aeronave descendo no JFK. Decido não tomar nada no trecho Porto Alegre – São Paulo. O avião sairia meio dia e pouco. Chegaríamos duas e pouco e pegaríamos o avião para Madrid às 17h05 pela Ibéria. Fui no seco até São Paulo. Quase esmaguei a mão da Cris. Suava frio, barriga gelava e aquela porra tremia tanto quanto eu. Mas chegamos. Quando as rodas tocam no chão, é o alívio. Aquele era o meu limite. Mais que isso, só com Rivotril. Rodamos, comemos e, quando fomos para o embarque, tomei um comprimido. Resolveu. Fiquei tranquilo, sonolento. Entramos na aeronave. O troço acelerou e zuummmmmm saiu do chão. Passou-se, sei lá, quase uma hora. No mapinha estávamos no nordeste quando, de repente, ZUMMMMMMM. O troço deu um solavanco. As pessoas gritaram “UUUOOOOOUUUUUU”. Se estivéssemos sem cinto pararíamos no teto. Na sequência, ele deu umas tremidas, como um carro que está apagando.
A Cris me olhou, apavorada. E eu só pensava “já era. É o fim. Eu sabia!!! Essa porra não é confiável, caralho!!!! Porque eu teimo comigo mesmo?!!!!”. O susto passou. Uma guria do outro lado chorava. O piloto falou em espanhol. Não entendi patavinas. Perguntei para umas cinco pessoas ao redor, todos brasileiros. Ninguém tinha entendido porra nenhuma. O que esse porra falou??? Que a merda vai cair??? Vamos ter que fazer pouso de emergência em Recife?? Caralho???? A aeromoça passou lá do outro lado. Eu, de pescoço esticado, tentando chamar a atenção dela. Quando ela olhou, comecei a abanar feito o Mr. Been. Ela veio. “O que o piloto disse???”, eu perguntei apavorado. “Ele disse que a viagem vai durar X horas e a previsão é de tempo bom em Madrid”, ela respondeu. Ufa. Por via das dúvidas, tomei mais um Rivotril. Capotei. Acordei quando estávamos cruzando o Marracos. Dali o troço passou rápido e logo pousamos em Madrid. Assim como quando cheguei em Nova York, estava chapado de Rivotril.
Fomos pegar as malas e a minha havia sumido. Fui até o balcão de malas extraviadas e disseram que se não aparecesse eu receberia 200 euros. Fiquei puto. Não houve Rivotril que me alcamasse?
- MAS NA MINHA MALA TEM MUITO MAIS DE 200 EUROS!!! EU QUERO A MINHA MALA!!!! TEM MINHAS BOTAS DE NEVE!!!!
A mulher se assustou um pouco. Pegamos o carro: um Fiat 500. Nada mal. Achamos sem maiores dificuldades o Hotel Barajas Plaza, que fica pertinho do aeroporto. Entramos no quarto e dormimos. Não sonhei com nada. Nem com o avião tremendo. Nem com a minha mala extraviada.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Aprendiz de viajante

Sempre gostei de narrativas de viagem. Não é a toa que mantenho um projeto de pesquisa que trata da temática no jornalismo. Gosto de todos os tipos de estilo: das crônicas ingênuas, das reportagens, das memórias, das poesias, dos romances, dos contos, enfim, de qualquer história em que haja deslocamento. Pode ser dentro do país, como Jack Kerouac fez, não só em On the road, mas em muitas de suas outras obras não tão conhecidas. Pode ser em uma estadia mais longa em outros países, como fez George Orwel em Na pior em Paris e Londres. Pode ser uma viagem a convite de um governo, como Erico Verissimo fez em deslocamentos aos Estados Unidos e Israel. Ou pode ser uma viagem para fazer uma grande reportagem, como fez Flavio Alcaraz Gomes em Um repórter na China. Também pode ser os livros anuais de Airton Ortiz, um jornalista viajante profissional. Ou ainda, pode ser a conversa fiada que às vezes fascina e noutras irrita pelos preconceitos e clichês, como nos textos da patricinha veterana Martha Medeiros ou do playboy de cabelos brancos David Coimbra, dois rebeésseteveéticos que já vi encarnarem a arrogância de alguns que trabalham no grupo, com a postura: foda-se o que você pensa, eu trabalho na RBS e você não. Como se alguém além da fronteira do Rio Grande do Sul soubesse o que quer dizer RBS... Sem ressentimentos, conheci o David pessoalmente e já fui xingado pela Marta por email. Independente disso, volta e meia pego alguma coisa deles para ler (acabei há pouco o primeiro volume do Um lugar na janela, da Martha, e estou em andamento com Um trem para a Suíça, do David. Geralmente procuro algo deles quando quero ler algo não muito complexo, mais para relaxar mesmo.
O fato é que os textos que vou postar aqui nos próximos dias sobre a minha primeira ida para a Europa (não sei se será a única ou não, só o futuro vai dizer) não tem nenhuma pretensão jornalística nem literária. Na verdade são mais textos para que, talvez, no futuro eu possa consultar quando estiver velho e sem memória para saber o que aconteceu no meu passado. Não posso me comparar à literatura de gênios como Orwel, Kerouac ou Verissimo e tampouco posso concorrer com a quantidade de viagens feitas por David Coimbra, Martha Medeiros, Arthur Verissimo ou qualquer outro jornalista relativamente famoso que é escalado para cobrir eventos ao redor do mundo e que vivem em aeroportos. Os meus, são textos amadores de um viajante amador. Ninguém nunca pagou as minhas viagens, portanto, para faze-las tive que passar por muita coisa, que, como já relatei aqui, vai da panfletagem no centro de Porto Alegre até jornadas em redação de rádio e jornal de interior de 12 horas para ganhar 300 reais sendo cagado na cabeça praticamente todos os dias por diretores e editores. A minha grande viagem naquele tempo era pegar o Tracisa velho e lotado no sábado de tarde para ir de Ijuí para Santo Ângelo ver meus pais e sair na balada no final de semana com o pouco que sobrava e voltar já no domingo para estar na redação na segunda-feira de manhã cedo. Aliás, para poder ter alguma grana para sair, almoçava na casa da minha tia Eva (in memorian) e de noite era o tradicional pão com mortadela e queijo no kitnet em que fazia os trabalhos da faculdade em um PC 486 usado que comprei de uma ex-colega e que não tinha mouse (aprendi todos os atalhos do Windows nessa época).
Quando sobrava alguma grana me dava ao luxo de comprar carne moída de segunda para comer com pão cacetinho. Certa vez, meu amigo e colega de rádio Célio Ferraza se surpreendeu porque eu disse, em meio ao expediente, que naquela noite teria um jogo importante do Grêmio e que na saída da rádio eu não poderia esquecer de passar no mercadinho para comprar R$1,50 de carne moída para a ocasião especial. Ele disse que, apesar de rir, sentiu pena porque geralmente as pessoas dizem que vão fazer um churrasco para ver uma partida importante... Até hoje, quando o Grêmio tem alguma decisão, ele me pergunta se já comprei a carne moída. Isso apenas para ilustrar que meus sonhos de viagens sempre foram modestos e para fazer cada viagem eu abri mão de muitas coisas e não me arrependo em nada de nenhuma delas. A primeira “grande” viagem foi em fevereiro de 2005 para o carnaval no Rio. Carnaval de pobre, da zona norte, ficando na casa de um amigo em Bonsucesso, que incluiu noite no Terreirão do Samba, ao lado da Sapucaí, mas que o ingresso custava 5 reais. Já escrevi sobre isso outras vezes... Depois, por mérito, ganhei uma bolsa para estudar um ano em Nova York (também já escrevi sobre isso). E, agora, essa outra “grande” viagem: umas férias de quase 30 dias na Europa com a minha esposa. São histórias ingênuas, naturais para quem está acostumado a viajar, idiotas para viajantes experts como os citados anteriormente e talvez interessantes para quem gosta de viajar na imaginação lendo narrativas que envolvem deslocamentos pelo globo. Aliás, desde que li Dom Quixote elegi Miguel de Cervantes o melhor escritor de todos os tempos, pois ele fez uma dupla viagem: a andança de Dom Quixote com Sancho Pança por campos inexplorados na geografia e na imaginação. E foi pela terra dele, a Espanha, que começou a nossa viagem. No entanto, antes, no próximo post, vou contar como tudo começou a ser planejado, um ano antes, lá no início de 2018...