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sábado, 26 de janeiro de 2019

Viagem sem fim


Quando planejei a viagem eu sabia que o trecho Barcelona-Milão seria o mais puxado. O Google Maps indicava uma viagem de 9h55. Pela minha experiência no Brasil e Estados Unidos, contando as paradas e o trânsito, calculei que levaria umas 12 ou, no máximo, 14 horas. Ledo engano.
Saímos do hotel de Barcelona e ao colocar como destino Milão no GPS da Garmin o sistema bugou. Apenas indicava uma linha reta que passava por ruas e avenidas, cortando a cidade ao meio. Fodeu, pensei. A essa altura da viagem eu ainda não sabia que o GPS do celular funcionava off-line. E eu não contratei o plano de internet móvel no Brasil para usar no exterior porque era o olho da cara. Também não segui o conselho de alguns blogs de viagem de comprar um chip na Europa, pois achei desnecessário, pois havia baixado os mapas europeus no GPS. Diante disso, o que fazer? Viajar a moda antiga, ora pois, seguindo as plaquinhas. Primeira missão: sair de Barcelona. Resolvi tentar ir ao máximo para o lado onde o trajeto em linha reta do GPS indicava. Fui fazendo isso e seguindo as plaquinhas até chegar – depois de mais ou menos uma hora, em que fui xingado em inglês e espanhol por motoristas catalães – numa estrada tipo freeway. E agora? – a Cris indagou. Boa pergunta, respondi. Parei para abastecer e pedi informações no posto:
- Como faço para chegar na França?
- Aonde o senhor vai? – perguntou em espanhol a gordinha de cabelos loiros até o ombro e com rosto inchado.
Caralho, se eu disser Milão ela vai achar que sou louco. Mas se eu disser Paris ou outra cidade, ela pode me mandar para o lugar errado. Foda-se, falei a verdade:
- Milão.
- Na Itália?
- Sim.
Ela suspirou, como se dissesse, “cada louco que me aparece...”.
- Bom, então você vai ter que ir em direção a Montpellier...
Estava me sentindo nos anos 1990 quando viajava com a família com mapa da revista 4 Rodas e várias perdidas pelo caminho... A alemoinha espanhola pegou um pedaço de papel e se pôs a desenhar. Indicou as duas saídas que eu tinha que entrar mais para frente nas bifurcações.
- Depois disso, basta ir reto.
- Ok, muitíssimo obrigado!
Entrei no carro feliz da vida:
- Problema resolvido – e mostrei o papelzinho com o mapa engenhosamente desenhado pela gordinha.
Assim, depois de mais ou menos duas horas, conseguimos sair de Barcelona. Milão, here we go!
Achei que agora ia ser como na viagem de Madrid a Barcelona: bastaria seguir em linha reta, em uma estrada semi-deserta, olhando a paisagem, até chegar a Milão. O que seria duas horinhas a mais? Nada.
Seguimos o desenho da aleoma do posto até que o trânsito começou a ficar lento. Parecia um engarrafamento de metrópole. O troço ia a passo de tartaruga até que, mais ou menos mais duas horas depois, chegamos na cidade fronteiriça que fica do lado francês. Sem brincadeira, parece Ciudad del Leste. Saquei que as coisas lá devem ser mais baratas, pois havia uma porrada de galerinha indo da Espanha para lá. E as ruelas pequenas, o engarrafamento, o trânsito bagunçado, em nada fazia pensar na França. Muito comércio e lojas cheias. O Paraguai francês.
Bueno, agora vai! – pensei.
Andamos mais um pouco e.... trânsito parado. Coletes amarelos por todos os lados. Eles vieram até nós. Ninguém falava inglês, nem espanhol, tampouco português. Metade por mímica e outra metade por dedução, eles entenderam que éramos brasileiros.
- Bolsonaro no! – eu esclareci, pois poderiam achar que eu era um dos milhões de brasileiros que se revelaram de extrema direita (que é o que eles estavam combatendo). Tiramos fotos, felizes. Viva o protesto! Viva a França!
Seguimos viagem. Chegamos a Montpellier. Lembrava que passaríamos por Nice, então, as plaquinhas indicando Nice era o novo objetivo a ser alcançado.
- Não estamos perdidos? – perguntava volta e meia a Cris, preocupada.
- Nada. Tudo sob controle. Olha ali a plaquinha: Nice. Eu lembro que Nice fica no caminho...
Tudo ia perfeitamente bem até que chegamos a uma pequena cidade francesa chamada Arles. Nunca mais vou esquecer esse nome. E nunca mais vou querer passar por essa cidade, que descubro agora que tem 52 mil habitantes. Arles. Também descubro apenas agora que Van Gogh morreu em Arles. Madre que me pariu! Eu vi o filme sobre a morte de Van Gogh... Coincidências da vida. Até hoje não há um consenso se ele se matou ou se foi morto por um tiro acidental. Momento dica: procura o filme aí na Netflix, é uma animação muito boa que conta a vida dele.
Estávamos seguindo nosso caminho quando chegamos num engarrafamento gigantesco. Aproveitamos parar para jantar – sim, a essa hora já era noite. Lá, consegui conectar wi-fi e coloquei o trajeto até Milão a partir de onde estávamos (me liguei nesse momento que bastava não mexer no celular que o mapinha funcionava off-line). Voltamos para a fila do congestionamento. Andamos como lesmas até o centro dessa cidade. Passamos o centro e fomos para onde, teoricamente, seria a saída de Arles. Ninguém se mexia a partir dali. Passaram-se, sei lá, meia hora e fui perguntar ao policial. Era um italiano que falava um inglês primário, mas que foi possível arrancar a seguinte informação: pode demorar uma hora, cinco horas, dez horas ou um dia. Caralho, eu não quero ficar preso em Arles!!! Eu odeio essa maldita cidade!!
Fizemos a volta e começamos a andar por todas as ruelas em busca de uma saída. Lá pelas tantas, vi uma ruazinha que dava em uma estrada deserta. Entrei e dei de cara com uma barra de concreto gigantesca trancando a pista.
- Eu vou tirar – disse, tomado de ira.
- Está louco? Como vai tirar? – perguntou a Cris.
- Vou! – e desci do carro com sangue nos olhos. Fiz força para erguer o concreto e... nada, nem se mexeu. Seria preciso um guindaste para fazer aquela coisa sair do lugar. Filhos da puta. Voltei para o carro.
- E agora? – perguntou a Cris com os olhos arregalados.
- Agora vamos ter que achar outra saída.
Voltamos para o congestionamento. Lá pelas tantas um carro fez uma volta meio maluca pelo acostamento. Resolvi seguir ele. Chegamos à outra saída, mas para chegar até a autoestrada era preciso andar uns 500 metros na contramão. Fiquei ali de butuca esperando parar o movimento. Quando parou, ZAS!, cantei pneu e saí na autoestrada. ESTAMOS LIVRES!!! Senti-me os carinha que fugiram do presídio de Passo Fundo, dia desses. Teve um que, pelas imagens da câmera de segurança, perdeu o chinelo no meio da rua e não olhou para trás. Era eu nessa viagem. Se viesse a polícia atrás de mim, eu aceleraria, mas não voltarei para Arles nem amarrado! No total, foram mais ou menos umas cinco horas preso nessa amaldiçoada cidade. E ainda estávamos longe de Milão!
Foda-se, não quis nem saber. Vou direto para Milão. Só vamos parar para cagar e mijar, mas vou chegar em Milão contra tudo e contra todos! Assim passamos pelas plaquinhas de Nice e começaram a aparecer plaquinhas italianas. Acho que nunca fiquei tão feliz ao chegar a um país como quando cruzamos a fronteira. Estava tudo deserto e era madrugada. Passamos por dezenas de túneis gigantes, que se estendiam às vezes por quilômetros. De repente, começaram a aparecer as plaquinhas indicando Milão.
Mesmo de madrugada, dava para ver as cidadezinhas que são construídas nos penhascos italianos. As luzinhas tornavam a vista bela. De dia, penso eu, deve ser mais bonito ainda. Andamos, andamos e andamos até que, às seis horas da manhã do dia seguinte, finalmente, eu estacionava o carro na frente do hotel. Seis horas da manhã. Saímos às 10h da manhã de um dia e chegamos às 6h da manhã do outro. 20 horas na estrada. 20 horas dirigindo. Meu novo recorde pessoal. Graças a saída de Barcelona. Graças ao Paraguai francês. Graças a Arles. Chegamos e dormimos com os anjos, pois quando acordasse, Milão nos esperava.

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