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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Um feliz dia do professor a todos os alunos (atrasado)

Bem antes do dia do professor, assim que terminei de ler “O Xá dos xás”, de Ryszard Kapucinski, eu havia programado de escrever esse texto para o dia 15 de outubro. Porém, como nem tudo nessa vida ocorre como a gente planeja, no dia 15 eu estava ou sem nenhuma inspiração ou de ressaca e acabei não escrevendo porra nenhuma. Hoje, porém, não exatamente um entusiasmo tomou conta do meu ser, mas pelo menos uma mistura de lembrança do que pensava em escrever somada a outras recordações e ponderações reapareceram.
A ideia inicial do texto do dia do professor era fazer um agradecimento aos alunos, relembrando um caso específico. No primeiro semestre de 2011 eu entrei em uma sala de aula como professor pela primeira vez na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Obviamente, eu tinha uma ideia do que poderia encontrar, mas a insegurança é algo um tanto quanto incontrolável em um momento desses. Lembro que no meu primeiro dia como professor dei aula para uma turma de cerca de 50 estudantes que estavam lá, com os olhos arregalados, esperando o que eu ia dizer na disciplina de Jornalismo Impresso. Recordo que fiquei preocupado se eles achariam que tudo o que eu estava falando era óbvio demais e só me tranquilizei quando no intervalo alguns alunos vieram me pedir explicação porque não tinham entendido quase nada do que eu havia dito. Esse é o problema do sujeito que sai de um programa de pós-graduação diretamente para dar aula para uma turma que está começando a graduação. Fui aprendendo aos poucos, exatamente como sugere um dos pedagogos mais importantes do mundo, conforme retomo ao final desse texto. E, desde aquele primeiro dia, até hoje, é o que eu mais faço na universidade: aprendo com todos, principalmente, com os alunos.
Chego, então, a um exemplo prático do que estou falando. Naquele mesmo primeiro semestre de 2011, eu também ministrava a disciplina de Jornalismo Especializado. Era uma matéria optativa e havia apenas nove estudantes matriculados. Até poderia tentar lembrar o nome de todos, mas não vou arriscar, pois corro o risco de esquecer algum e sei como as pessoas se magoam facilmente. Uma das atividades que passei ao longo do semestre era ler um livro-reportagem para escrever um resumo sobre a obra.
Pois um desses resumos ficou marcado em minha memória. Ficou tão marcado no escaninho de meu cérebro que coloquei a obra resumida pelo então aluno e hoje amigo Vinícius Waltzer (na foto à direita, com os também alunos daquela turma de Jornalismo Especializado, Marcio Furtado e Antoniela Rodrigues) na minha infindável lista de livros que eu pretendo ler antes de morrer. Trava-se, justamente, de o Xá dos xás. Lembro que alguns alunos achavam que eu tinha lido todos os livros que eles estavam resenhando. Coisa do imaginário de aluno, pois, por mais que eu tenha lido, nunca vou conseguir ler todos os bons livros de jornalismo literário, pois a lista é imensa (graças ao bom senhor). E, um dos que não tinha lido até pouco tempo, era justamente o Xá dos xás. Então, há duas semanas, finalmente li a obra de Kapuscinski que é simplesmente magistral.
Abro um parêntese para escrever um breve parágrafo sobre o livro. Kapuscinski foi correspondente internacional e de guerra durante décadas. Uma dessas coberturas ocorreu justamente sobre a revolução iraniana que colocou os revolucionários no poder em 1979. A revolução consistiu, basicamente, na derrubada do último xá (rei) do Irã. Em síntese, Mohammed Reza Pahlevi governou o país durante 25 anos e massacrou a população de todas as formas possíveis, principalmente perseguindo e matando opositores de seu governo, ou qualquer outra pessoa, para governar às custas do medo da população. Além disso, enriqueceu de maneira absurda, torrou o dinheiro do país (20 bilhões de dólares anuais graças ao petróleo) comprando máquinas e equipamentos de guerra que não tinha mão de obra especializada para operá-los, brigou, perseguiu e até matou alguns aiatolás (líderes religiosos), etc. Enfim, um típico governo fascista e sanguinário, o que dá uma importância ainda maior à obra no Brasil de 2018.
Portanto, o que pretendia com esse texto que escrevo agora é justamente contar esse exemplo para dizer que nós, professores, estamos aprendendo com os alunos diariamente, em todos os sentidos: seja com suas personalidades, com seus conhecimentos, com suas críticas e sugestões, ou até mesmo com olhares e expressões. E, no caso dessa primeira turma da UFPEL, acabei fazendo várias amizades que mantenho até hoje, mesmo sem um contato tão corriqueiro e direto com os ex-alunos, devido à distância. Depois dessa, todas as outras turmas que passaram por mim me ensinaram muito, bem como, cada aluno, por mais quieto ou inquieto que possa ser, também me marcou de alguma forma. Assim, só tenho a dizer que é um privilégio ser professor, mesmo em um país que tanto desvaloriza seus educadores em todos os níveis.
Por fim, retorno à questão do professor aprender com o aluno. Quando fiz mestrado em Comunicação na PUCRS, cursei uma disciplina da pós em Pedagogia, chamada Metodologia do Ensino Superior. Lá, estavam mestrandos e doutorandos de todas as áreas: Medicina, Direito, Engenharia, Jornalismo, Serviço Social, Enfermagem, Administração, etc. O norte da disciplina foi, justamente, Paulo Freire. Um dos livros que li, e que me marcou muito, foi especificamente Pedagogia da Autonomia, que reflete justamente sobre esse ponto: de que o ensino não é uma via de mão única, ou seja, a transmissão de conhecimento não é exclusivamente do professor para o aluno. Mas sim, de mão dupla: o professor está ensinando e aprendendo com seus alunos. Bem como, o respeito também deve ser multilateral, partindo de todas as partes. Eu, particularmente, sempre considerei todos, acima de tudo, seres humanos. Há hierarquia? Há, mas enquanto seres humanos, somos todos iguais. Ninguém é mais que ninguém, nem mesmo um presidente ou governador é mais do que um faxineiro ou um professor ou um médico. E, por isso, enquanto professor, preocupo-me quando ouço o futuro presidente do Brasil falando que se deve varrer das escolas e das universidades qualquer coisa que se relacione com Paulo Freire, talvez o intelectual brasileiro com maior reconhecimento fora do país. Também sugiro a esse sujeito que está pensando que é Deus a adotar a pedagogia de Paulo Freire enquanto presidente: ouça mais, tenha mais humildade, respeite mais aos outros e aprenda com as experiências negativas do passado. Ou, como ele mesmo gosta de fazer referência à religião, coloque mais em prática o que a bíblia ensina (certamente ele não conhece os 10 mandamenos). Mesmo que, da minha parte, eu não acredito que esse sujeito já tenha lido mais do que 10 páginas, quiçá 10 linhas, do antigo ou do velho testamento. E, se leu, não entendeu porra nenhuma.
Um feliz dia dos professores atrasado a todos os professores e, também, a todos os alunos que justificam a existência dessa profissão.

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