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terça-feira, 25 de setembro de 2018

O capítulo que salva o Livro de Jô da decepção total

Considero um reducionismo criticar o Jô Soares pelos seus últimos anos como apresentador de talk show¬, pois a carreira dele foi muito mais do que isso. Eu comecei a assistir ao Viva ao gordo ainda criança. Depois, acompanhei o Jô Onze e Meia no SBT durante toda a década de 1990, bem como a transferência dele de volta para a Globo, onde seguiu com o Programa do Jô até 2016. Durante os anos 1990 até meados de 2000 eu deixava uma fita no ponto e, dependendo do entrevistado, eu gravava. Ainda tenho aqui a caixa com várias fitas com programas gravados. O Jô Soares foi um dos caras mais fodas da televisão brasileira. Por isso às vezes me irrito quando algumas pessoas querem criticá-lo de maneira rasa (principalmente intelectuais da academia). Ele foi (não morreu ainda, mas praticamente se aposentou da TV) uma enciclopédia da história do Brasil e da TV. Conviveu com nomes consagrados no Brasil e no mundo. E, para mim, o seu auge foi no SBT nos anos 1990. Concordo com as críticas de seus últimos anos como apresentador do Programa do Jô quando, de fato, ele passou a querer aparecer mais do que os entrevistados e, muitas vezes, parece que focava em tentar humilhá-los ou coloca-los em situações ridículas. Porém, agora, depois de ter lido a autobiografia dele, o Livro de Jô, eu entendo que, talvez, na velhice, ele retomou o seu estilo de garoto nascido em berço de ouro da infância que assistia aos mais velhos pregarem peças nos outros, muitas vezes numa tentativa infantil de se auto afirmar como alguém superior em relação aos outros. Talvez um psicólogo possa avaliar melhor essa relação da personalidade do Jô da infância/adolescência com o Jô da velhice.
Bom, divaguei muito para dizer justamente isso: acabei de ler hoje o Livro de Jô: uma autobiografia desautorizada.
Comprei o livro justamente por tudo aquilo que mencionei antes: eu acompanhei a carreira do Jô por aproximadamente duas décadas. E, assim como muitos, parei de assistir aos programas nos últimos anos por essa tentativa desesperada que ele passou a ter de aparecer mais do que os entrevistados. No entanto, como falei, na década de 1990 houveram entrevistas absolutamente geniais (várias eu gravei) com todos os tipos de pessoas (famosos e anônimos). E, por assistir aos seus programas, eu sei que a formação intelectual do Jô não é brincadeira. Porém, talvez por isso, comprei o livro esperando encontrar memórias do nível das escritas por Erico Verissimo, em Solo de Clarineta, ou do Gabriel Garcia Márquez, em Viver para contar. Doce ilusão. A minha crítica é que Jô adotou no livro o mesmo estilo dos últimos anos de talk show: contou muitos e muitos “causos” de muitas e muitas pessoas, mas não contou a fundo a sua própria experiência (principalmente os seus podres). Ele até revela a sua relação com os pais e como foi a sua infância de filho temporão, comenta a estada na Suíça por cerca de cinco anos, as viagens pelo mundo, mas não foi realmente a fundo em praticamente nada. Limitou-se a contar histórias dos conhecidos, apresentando poucas reflexões sobre a vida – diferentemente do que fizeram os outros dois escritores mencionados antes. E isso, para mim, foi uma grande decepção.
Também foi uma decepção porque eu li três dos quatro romances publicados por Jô: Xangô de Baker Street, O homem que matou Getúlio Vargas e Assassinatos na Academia Brasileira de Letras. Desses três, curti muito os dois primeiros: achei de uma criatividade surpreendente e envolvente, além de um humor refinado e inteligente. O terceiro, porém, não teve o mesmo efeito. Assim, nem cogitei de ler As esganadas (se for bom, pode me deixar um comentário, caro leitor imaginário). E, novamente, senti-me decepcionado ao acabar as memórias, o que me leva a crer em duas coisas. Uma, a boa fase literária do Jô está nos seus dois primeiros romances; e outra, uma biografia que fosse escrita por algum jornalista da área ficaria muito melhor, pois, como disse, ele praticamente não conta nada que tenha feito de “errado” na vida. Todos sabemos que o ser humano é, por natureza, imperfeito e contraditório. E, ao contrário do que Erico e Garcia Márquez conseguiram fazer em suas memórias, o Jô escondeu a sete chaves esse lado mais humano dele.
O que salvou a autobiografia de Jô foi o último capítulo. Ali, sim, eu vi o Jô Soares dos velhos tempos. Ali ele comenta o que ele sentiu quando houve o golpe de 1964. Ali ele contou que foi de manhã para o DOPS e saiu de madrugada, quando achou que nem fosse mais sair. Ali ele conta a relação dele com o filho Rafael, que sofria de autismo e faleceu aos 51 anos. Ali ele menciona um pouco mais os seus dois casamentos. Ali ele conta uma história fascinante do encontro dele com o taxista que atropelou e matou a sua mãe, dona Mêcha. Ali ele conta da relação quase familiar entre os atores da Família Trapo da Record. Ali ele se revelou mais intimamente. Pena que foi tarde, depois de mais de 400 páginas em que ele se escondeu demais atrás dos personagens históricos que, para quem não tem a idade dele e não conhece a maioria daqueles nomes, torna-se chato pra caralho. Uma ou outra anedota salva as primeiras 400 páginas.
Escrevi essa crítica para expor o que senti ao terminar o livro. E para dizer: leia o último capítulo. Esse, sim, vale muito a pena. Esse sim, salvou o Livro de Jô da decepção total. Ao final, ele promete um segundo volume. Talvez, quando ele partir dessa para a outra, por comoção e respeito a um cara foda da comunicação brasileira, eu acabe lendo. Afinal, nunca gosto de dizer nunca.



1 Comentários:

  • Fuck German.

    Li os dois primeiros livros do Jô e concordo que são muito bons.

    Quando o Jô mudou pra globo ele ficou doidão e começou a entrevistar ininterruptamente todos artistas globais talvez pra tirar o atraso que eles nunca eram liberados pra ir no SBT...
    Enfim, o importante é o que importa

    Por Blogger Zaratustra, às 26 de setembro de 2018 às 05:41  

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