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terça-feira, 24 de julho de 2018

Viajando e viajando

Terminei de ler hoje o livro “Viajando e viajando”, do médico e escritor gaúcho (e iraiense) Sérgio Stangler, publicado nesse ano, pela editora Metamorfose. Um livraço. Em todos os sentidos. Lembro que quando entrevistei, em 2014, Anita Thompson, viúva de Hunter Thompson, em Owl Farm, em Woody Creek, Colorado, ela disse algo como: “sabe por que os livros de Thompson fazem sucesso no mundo todo? Porque quando você os lê, você se sente capaz, com poder (no sentido de força), você se sente vivo”. Ousaria dizer que o livro de Stangler causa exatamente essa sensação: lendo, você também se sente capaz de tudo. Aliás, enquanto você lê as 60 narrativas de viagem, você fica com vontade de fazer duas coisas: escrever e viajar. Confesso que o sentimento que tive ao terminar de ler o livro foi mais ou menos o mesmo de quando finalizei a leitura de On the road, de Kerouac, há cerca de dez anos: pegar a estrada (ou avião) e sair sem rumo por aí, mundo afora.
Há várias coisas que gostaria de escrever sobre “Viajando e viajando”, por isso, para esse texto não virar uma miscelânea de ideias desconexas, vou tentar organizar tudo em tópicos, como geralmente é feito no mundo acadêmico em bancas de TCCs, dissertações e teses. Sempre digo que há estratégias adotadas pela maioria dos professores: começa-se com elogios para, depois, com sutileza, serem fitas as críticas. Porém, sinceramente, com o olhar de leitor xarope que sou, procurei defeitos nos textos de Stangler, mas não os encontrei. Ousaria dizer, inclusive, que foi um dos melhores livros que já li. E sabem por quê? Porque é uma leitura prazerosa. E esse é o primeiro ponto. E o primeiro ponto se mescla com o segundo, que é o acaso. Explico-me.
Eu descobri esse livro totalmente por acaso (e o acaso é um dos principais pontos explorados por Sérgio nas narrativas). Como professor de Jornalismo, assino os dois jornais de Frederico Westphalen e, num deles (não vou arriscar cometer injustiças de tentar citar nomes, pois sinceramente não lembro se foi no Folha do Noroeste ou no Alto Uruguai) vi que haveria o lançamento de um livro de crônicas de viagem no Vitrola, uma loja-choperia estilosa e cult aqui da cidade. Como tenho um projeto de pesquisa sobre jornalismo literário de viagem em formato livro, obviamente me interessei. No entanto, no meu projeto, pesquisamos apenas livros de viagem escritos por jornalistas. Assim, quando depois do lançamento, fui até a loja para ver qual era a do livro, fiquei na dúvida entre compra-lo e não compra-lo ao constatar que o autor era um médico (como diria Sambarilov: porque compra-lo, porque não compra-lo, porque compra-lo, porque não compra-lo: comprei-o-ô!). A dúvida surgiu porque teoricamente eu não poderia usá-lo em meu projeto de pesquisa por não ter sido escrito por um jornalista (isso na ideia inicial, pois agora já decidi que vou usá-lo de qualquer forma). Porém, haviam dois pontos contra: um, a grana. Até achei barato (R$40), mas como estou justamente economizando para viajar final do ano, tenho pensado bem antes de gastar qualquer pila. O outro (e esse mais forte) é que eu tenho uma fila de livros na fila para lê-los, ou seja, teoricamente esse livro passaria para o fim da fila e, assim, eu somente iria pegá-lo daqui a mais ou menos um ano.
Mas, como nem tudo na vida é lógico e racional, e muitas vezes o sentimental e emocional nos fazem tomar decisões importantes (decidir qual o próximo livro que vou ler é extremamente importante para mim), não só comprei-o como também furei toda a fila, deixando para trás o último livro do Pedro Juan Gutiérrez (Fabian e o caos) e Plexus, do Henry Miller (já li o Sexus, agora tenho que ler o Plexus e, um dia, o Nexus). Volto, pois, ao primeiro ponto: o prazer. O livro tem 275 páginas. Ok, tem algumas em branco nas mudanças de capítulo, mas é um livro grande. Pois entre a leitura da primeira página e da última se passaram quatro dias. Isso porque é uma leitura prazerosa, que te deixa com gosto de quero mais. E agora, chego aos outros pontos. E aí, foda-se a organização, vou colocando tudo aqui conforme vou lembrando.... (aliás, achei ótima a lista top-5 de cidades que conta com seis nomes com a explicação “mas a lista é minha e faço como eu quiser!”, de Stengler, pois é a minha cara esse tipo de argumentação...). Fuck!, esse parágrafo está gigante. Mas foda-se também. Não vou mudar de assunto, então fica tudo no mesmo parágrafo... Os professores de planejamento gráfico, profissionais da área e editores que se explodam também. Carajo. Bom, já esqueci o que iria escrever... Pois é, é sobre isso mesmo: enquanto você lê o texto, é como se você ouvisse o Sérgio Stangler falando (ok, nunca o vi pessoalmente e não faço ideia de como seja a voz dele, mas eu inventei uma: meio rouca, meio pausada, com sotaque metade do interior do Rio Grande do Sul, metade portoalegrês, mais ou menos como a do meu tio-primo Marcos, que é de Ijuí, mas morou anos em Porto Alegre – aliás, fisicamente o Sérgio também se parece um pouco com o tio-primo Marcos). Então, eu li o livro dialogando mentalmente com o Sérgio, tudo porque, para cada história que ele contava, eu lembrava de alguma que vivi nas minhas poucas viagens. Sim, se você pensa que já viajou bastante, vai se sentir um zé ninguém da mochila comparado ao Sérgio que, esse sim, conhece praticamente o mundo todo.
E agora chego a outros pontos. Porra, vou pontuá-los numericamente:
1) A impressão que eu tive/tenho é que cada texto/vigem de Sérgio renderia tranquilamente um livro. Assim, ele teria 60 livros ao invés de 60 textos.
2) Não gosto de chamar os textos de Sérgio de crônicas, apesar que, sim, teoricamente podem ser chamados de crônicas. Mas achei os textos mais literários, como se fossem trechos de romances bukowskianos (mesmo sem putarias), do que a crônica no sentido jornalismo-literatura.
3) Talvez a única crítica que eu teria a fazer ao livro – e mesmo assim, não é bem uma crítica, mas uma impressão pessoal – é que não entendi bem se os textos estão em ordem cronológica ou não (deve haver trechos que mostram claramente que sim ou que não, e provavelmente se o Sérgio ler isso, vai dizer: “porra, que burro, se no texto X eu comento que foi em 2012 e no outro que foi em 2014, e no ouro em 2013, como esse idiota não percebeu?”. Mas essa não é a questão. A questão é que, se não é em ordem cronológica, eu passaria os textos sobre Iraí e Capão da Canoa para mais adiante, pois editorialmente, o livro parece ser pensado numa ordem crescente: das histórias menos impressionantes para as mais – sim, a parte final do livro é extremamente do caralho. Porém, todavia, contudo, lembro até hoje de uma palestra do cineasta Jorge Furtado em que ele comentou que sempre começa com histórias fodaças para não perder o telespectador, e que a literatura geralmente também usa essa estratégia (aliás, ela começou bem antes do que o cinema). Ou seja, se o leitor não se impressionar no início, há grandes chances de ele abandonar a leitura/filme. Eu gostei dos primeiros cinco textos (do (Pré) julgamento e (auto) condescendência) até o Os iraienses são impressionantes), mas as outras histórias são absurdamente boas demais e, penso eu, que talvez uma delas colocadas antes deixaria claro para o leitor que ainda não conhece o texto de Sérgio para mostrar: olha, é disso que estou falando. Só uma impressão pessoal de leitor chato.
4) Caralho, há muitas histórias impressionantes de lugares impressionantes e de pessoas impressionantes. Não quero ser spoiler, portanto, não vou contar nenhuma, apenas vou citar algumas temáticas: dificuldades em conseguir visto para a Etiópia, viagem com pneu furado no meio da selva africana, barata frita em saquinho no Oriente (não lembro em qual país e a primeira vez que li enxerguei “batata frita”, mas ao ver que o autor insistia em dizer que aquilo era estranho, fui reler e aí li corretamente BARATA FRITA), golpes aplicados em turistas (genial e muito verdade!), caos no trânsito de várias cidades malucas, como Bangcoc, cemitério com esqueletos a céu aberto no Caribe, dificuldades fodaças para se achar em Moscou e em outros lugares onde quase ninguém fala inglês (e onde a mímica se faz necessária), as belezas inacreditáveis da Islândia, enfim, como eu disse, cada texto renderia um livro.
5) Há trechos muito cômicos e muitos geniais. Várias vezes você para de ler o livro para olhar para o além e se perguntar: “caralho, é verdade. É tão simples, mas nunca tinha pensado nisso”. E noutros, você gargalha em voz alta (que é um dos maiores prazeres proporcionados pela literatura e por um bom livro). Também há muita filosofia, como no último capítulo “Envelheceu”. E, nesse ponto, você fica discutindo mentalmente com o autor e isso quer dizer que ele atingiu o objetivo de fazer o leitor pensar muito.
6) Bom, como não sou muito coerente, vou dar uma de pequeno spoiler e colocar aqui um pequeno trecho que achei genial. Trata-se de uma ilha no Panamá (Kuna Yata) que tem banheiros acima do mar, sem encanamento – e isso fez a minha imaginação voar longe. O autor descreve: “Então, tudo que se fazia nele caía direto na água do mar, que a correnteza levava. E alguém de longe poderia acompanhar não o sujeito, pois o banheiro tinha paredes e teto, mas os excrementos caindo no mar! Nunca vi nada parecido com isso na vida!” (p. 238). E eu nunca tinha ouvido falar de nada parecido com isso na vida! Mas, fiquei imaginando as pessoas entrando no banheiro, e eu observando os cocôs caindo na água transparente do mar caribenho e seguindo o seu rumo com os olhos, oceano afora. Depois, a criatura saindo e todo mundo olhando para ela, espantados com o tamanho dos troços....
7) Em alguns momentos você até pode ter um preconceito com o autor, pensando coisas como: “caralho, ele é médico, tem grana... assim fica fácil...”, afinal, meu sonho foi ter uma vida como essa, viajar e viajar sem se preocupar muito com grana. Mas a questão é: além do Sérgio comentar sobre essa questão medicina-grana-viagem, da para perceber claramente que ele tem um espírito de viajante. Inclusive, ele confessa satisfação pela profissão justamente por ela permitir a ele realizar tantos sonhos, como o de ficar meses viajando e explorar a África quase que de cabo a rabo, passando por países que mal ouvimos falar (como a Tanzânia, por exemplo). E, fica claro também, que as suas viagens são sem luxo, ou seja, ele gasta o mínimo possível e vive o máximo. Por isso disse que vários trechos fizeram com que me recordasse de algumas pequenas loucuras que já fiz na vida em razão de viagens, como quando pedi demissão do jornal em que trabalhava para poder ir ao show do Rolling Stone, em Copacabana, que foi em fevereiro de 2006, e de lá eu segui para Guarapari, no Espírito Santo, onde passei o carnaval. A questão foi que viajei praticamente sem grana, ficando na casa de amigos e almoçando torrada com suco para poder beber cerveja. Aliás, lembro da primeira vez que fui ao Rio, no carnaval de 2005. Fiquei duas semanas na casa de um amigo em Bonsucesso, na boca do Morro do Adeus (lembro dos tiroteios) e li no jornal da época que os turistas gastavam em média R$1.500 reais por dia no carnaval carioca e eu estava fazendo aquela viagem toda (incluindo as passagens e vários porres homéricos) com um valor menor do que aquele (claro, descontem aí 13 anos de diferença na economia do país). Também, lendo sobre uma viagem de 12 horas de trem na China, cheia de desconfortos, recordei-me de quando voltei de Fortaleza para Pelotas de ônibus (pernoitando uma noite em Salvador) devido ao meu pânico de avião (hoje tomo Rivotril para aguentar o tranco).
8) Enfim, escrevi demais. Haveria mais e mais pontos que me fizeram refletir, lembrar e sonhar em viajar, mas como conheço a preguiça do leitor e desse que vos escreve, paro por aqui. Quem sabe outro dia eu pegue alguns pontos destacados pelo Sérgio para discorrer sobre eles...


Por fim, finalizo agradecendo ao Sérgio (foto www.editorametamorfose.com.br/viajando) por publicar histórias tão espetaculares e por colocar tudo de maneira tão divertida e humanística nas páginas de “Viajando e viajando”. E, porra, tenho mó inveja boa do cara, pois enquanto ele já visitou várias vezes os cinco continentes, eu vou sair pela primeira vez das Américas (se tudo der certo) numa viagenzinha para a Europa no final do ano – e já estou feliz pra caralho com isso. E, obviamente, aguardo a publicação dos próximos livros – pois não consigo ler histórias longas em Facebook ou blogs, como esse.
Hasta!

PS: escrevi esse texto ouvindo a banda argentina Babasonicos, sugerida pelo Sérgio numa lista de tops ao final do livro.

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