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quarta-feira, 10 de outubro de 2018

O sol na cabeça

Li esses dias, em dois toques, “O sol na cabeça”, de Geovani Martins, lançado nesse ano pela Companhia das Letras. Para quem não sabe, esse está sendo o livro mais badalado e queridinho da mídia na literatura brasileira em 2018. Porém, não foi através da mídia que descobri o livro. Foi no Intercom Nacional, em Joinville.
Numa das mesas sobre Jornalismo Literário, todo mundo começou a baixar o pau, não no livro, mas no fato de que a editora comprou as capas dos principais jornais do Brasil para colocar o livro de Geovani em destaque e sem qualquer identificação de que tanto a capa quanto as reportagens (que saíram simultaneamente nos principais jornais e revistas) era resultado da compra de espaço pela editora. Criticaram, também, o fato de que isso pode causar, futuramente, uma frustração ao jovem Geovani, pois é praticamente impossível ser dado tal destaque ao mesmo livro simultaneamente em todos os principais veículos de comunicação do Brasil (Globo, Folha de SP, Veja, Estadão, etc). Claro, a não ser que seja pago. Porém, todos fizeram a ressalva de que, sim, o livro era ótimo, pois Geovani é um carioca criado na favela e que escreve com a linguagem do morro carioca. Isso foi o suficiente para me despertar a curiosidade e fazer com que eu anotasse em meu bloquinho: Sol na cabeça, de Giovane Martins.
Cheguei em casa e fui no site da Estante Virtual encomendar tal livro. Quando chegou, devorei as suas 119 páginas em dois dias. São 13 crônicas-contos de Geovani e, claro, ele tem a manha. Dez anos mais novo que eu, ele nasceu em Bangu em 1991 e, segundo a orelha, participou de várias oficinas literárias. Tendo a técnica e a manha, ficou fácil para ele colocar histórias da favela (que acontecem todos os dias e que são mais impressionantes do que qualquer ficção) em palavras.
O estilo de cada conto-crônica, porém, varia. No primeiro, Rolézim, por exemplo, é a típica linguagem do morro carioca: “O piloto nem roncou quando nosso bonde subiu na traseira, o ônibus tava como, lotadão, várias gente, cadeira de praia, geral suado, apertado. Tava osso” (p.11). Outros, porém, são numa linguagem literária mais “tradicional”. Já sobre o conteúdo, é bem variado. Considerei absolutamente genial os dois textos que, talvez, mais tocam na ferida da sociedade: o preconceito e o racismo. Em Espiral, Geovani conta como percebeu pela primeira vez, ainda na infância, que fora da favela as pessoas tinham medo dele. Então, um pouco mais velho, ele decide fazer uma experiência e começa a seguir um cara branco da Zona Sul várias vezes, fazendo uma espécie de experiência para ver no que aquilo iria dar. Não vou dar uma de spoiler, mas a sacada e a narrativa são do caralho. Já no último conto do livro, numa crônica, ele conta como é comum morador do morro ser literalmente assaltado pela polícia (aquela endeusada pelos “homens de bem”). Também não vou entrar em detalhes, mas fica a dica.
Já em outros contos, porém, o texto parece redação de aluno de segundo grau como, por exemplo, na narrativa sobre a famosa Loura do Banheiro. Por isso, apesar de ter gostado do livro e de ter considerado alguns contos excepcionais, acho que outros textos deixam claro que Geovani está apenas começando e tem muito a evoluir até ser um escritor completo (ele tema matéria prima – as histórias – no colo para se consagrar definitivamente). Diria que metade do livro justifica o destaque dado pela mídia ao seu livro e a outra metade torna risível tal ênfase. Na soma de tudo, considero exagero o exemplar ser apontado como a grande obra da literatura brasileira em 2018, mesmo sendo um excelente livro. Ou não, considerando que eu não li nenhum outro livro de brasuca lançado nesse ano... Fica a curiosidade pelos próximos livros de Geovani que já nasce na literatura com flashes e holofotes, algo raríssimo e que muitos bons escritores nunca conseguiram durante a vida inteira.

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