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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Um sofá novo, trocar de carro, dar entrada numa casa ou viajar?

Quem é viajante não tem dúvidas em responder a essa pergunta. No seu livro Viajando, viajando, que já comentei aqui, Sérgio Stangler aborda a mesma temática. No início de 2018 recebi um dinheiro inesperado. Para ser mais preciso, um dinheiro a qual eu tinha direito, mas que demorou pra caralho para sair. E, então, saiu. Na época, a dona da casa que alugamos pediu o seu sofá de volta. Assim, surgiu a dúvida: comprar um sofá novo ou viajar? Além disso, o carro já estava com uma quilometragem alta. E havia a pressão de pessoas relativamente próximas para dar a entrada na compra de uma casa/apartamento. Apesar dos argumentos favoráveis ao sofá e dos palpites externos para a troca do carro ou a entrada em um imóvel, eu mandei tudo às favas e disse para a patroa: é a nossa chance de ir para a Europa. Não fazia ideia se algum dia apareceria uma chance como aquela. E, assim, passamos a planejar a viagem.
O fato de uma tia da Cris, a tia Ella, morar em Burgos, na Espanha, foi um facilitador. Entramos em contato com ela, que ficou super empolgada com a nossa visita. Assim, depois de muito especular, pesquisar, estudar, contatar meus pais para ver sobre a possibilidade da Larissa ficar com eles, de consultar agendamento de férias, finalmente comprei as passagens lá por março de 2018: partiríamos do Salgado Filho, em Porto Alegre, rumo a Madrid com escala em Guarulhos. Passaríamos Natal e ano novo em solo europeu e voltaríamos em voo no dia 6 de janeiro de noite. Tudo foi feito pela eficientíssima agência One Life, de Toledo-PR. Foi com ela que também mediei a minha ida para Nova York e de minha irmã, quando foi me visitar nos States e, depois, quando ela também foi para a Europa. Não é nada de roteiro turistão: eu informei as datas que queria ir e voltar, eles acharam os voos mais baratos, comparei com os da Decolar e outros sites, e valia a pena fazer o serviço com eles, que também trataram do seguro viagem e, no caso dos Estados Unidos, do visto americano. Em resumo, paguei duas passagens à vista - com o dinheiro inesperado - e as outras duas parcelei em dez vezes no cartão (porra, não tenho RBS pra pagar minhas passagens...).
E, assim, ficamos com o mesmo carro e com os sofás velhos que estavam atirados num canto da sala. E a casa, fica para outra. Está longe de ser minha prioridade comprar um imóvel. Pra mim, tendo uma barraquinha num parque público é o suficiente, desde que eu possa partir quando quiser. Liberdade não tem preço.
Passagens compradas, nos meses que se seguiram fui reservando os hotéis, para otimizar o orçamento. Otimizar. Uma ex-colega, Relações Públicas, disse que em uma entrevista de emprego sempre se deve utilizar essa palavra. Os chefes adoram. E eu otimizei meu orçamento. Cada mês pagava a hospedagem em um lugar. Uma outra reserva da grana recebida serviu para comprar euros, peguei mais a grana das férias e décimo e.... ficou tudo pronto! E, agora com a viagem findada, só posso dizer uma coisa: deu tudo 100% certo. Não faltou nem sobrou. Enquanto escrevo esses textos, como todo o viajante chato metido a besta faz, vou dando algumas dicas. Eu fiz um “caixa 2” para imprevistos, que sempre aparecem. E, financeiramente, uma das coisas que confirmei é o seguinte: se perde aqui, se ganha ali. Explico-me: paguei uma batata pra ver PSG x Nantes no Parque de Príncipe. Mas compensei jantando sanduíche comprado no mercado em Paris a dois euros. A vida é assim. Ganha-se aqui, perde-se ali. Sabendo dosar, vamos longe.
Questões financeiras resolvidas, chegou a hora de fazer o roteiro. A Cris combinou de passarmos o natal e o ano novo em Burgos, na Espanha, com a Tia Ella e a família. Concordei na hora. Sobraram duas opções: ou chegaríamos e pegaríamos a estrada para conhecer alguns destinos ou iríamos direto para Burgos, passaríamos o Natal lá e no dia 26 pegaríamos a estrada. Inicialmente achei a segunda opção melhor, mas depois, pensando bem, conclui que seria ruim chegar no dia 6, cansado de tanto viajar, e ter que pegar um avião de volta para o Brasil. Outra hora falo do meu trauma de aviões... Na dúvida, liguei para a tia Ella: e aí, tia, o que fica melhor para vocês? Ela sugeriu viajarmos primeiro e depois ficarmos lá para natal e ano novo. Perfeito. Comecei a traçar a rota. Primeira dúvida: trem, ônibus ou alugar carro? Todo mundo dizia que o melhor era pegar trem. Aí vai outra dica: siga o seu instinto e o seu interesse. E pesquise! No meu caso, eu tinha a experiência de alugar carro nos Estados Unidos. Então eu não era um novato no assunto, pois cruzei da costa Oeste à costa Leste dirigindo pelas estradas americanas, que se parecem muito com as europeias. Acabei botando tudo no papel: ok, de trem ou busão ficaria mais barato. Mas o barato sairia caro.
Estaríamos com bagagens. Seria horrível chegar de madrugada num lugar e pegar metrô para hotel. Se pegássemos taxi ou uber a economia já ia para as cucuías. Dois fatores me fizeram decidir: 1) era inverno. Chegar e partir cedo da manhã ou de madrugada seria uma tortura. De carro, seria muito mais confortável. 2) a perda de tempo. Se você vai pegar um trem ou ônibus você tem que se programar para estar tudo pronto na estação antes da hora, pois o trem não vai te esperar. Se você está de carro e se atrasar 10, 20 minutos, uma ou duas horas, pouco importa. O carro está lá. Um exemplo. Um trem que sai ao meio dia. Você vai ter que pegar um metrô até a estação carregando todas suas malas e sacolas. No inverno. Com a sua esposa pronta para jogar tudo na sua cara se alguma coisa sair errado. Muito arriscado. Você vai ter que levantar às 9h para deixar tudo pronto até às 10h para pegar o metrô para chegar pelo menos meia hora antes na estação de trem para achar o ponto de partida. Vai ter que pegar o trem. Vai ter que chegar no destino e se virar para achar o hotel. Vai perder tempo. Sua mulher vai ficar bravo com você. Vai estar frio e você vai estar cansado. De carro, você se levanta às 11h, toma um banho, da uma cagada, desce, faz o check out, põe o endereço do próximo destino no GPS e parte. Muito mais simples, fácil e confortável, não? Foi o que fiz. Óbvio, ai entra o caixa 2 dos imprevistos. Eu tinha reservado uns bons euros para pedágios, gasolina e outros gastos que pudessem surgir na estrada. E surgiram, como os 40 euros que tivemos que pagar para colarem um adesivo no carro para entrarmos na Suíça. Enfim, aí já estou adiantando a história... Voltemos àprogramação.
Peguei o mapa. Tínhamos duas possibilidades: ou chegar em Madrid e de lá irmos para Paris e fazermos a volta até Barcelona e irmos a Burgos (o que não seria muito sensato ou lógico) ou chegarmos em Madrid, partimos para Barcelona, subirmos a Milão para de lá ir para os alpes suíços, Zurique, Paris e Burgos. Como tínhamos pouco tempo, fiz essa segunda opção e deixei o passeio em Madrid para o final. Ou seja, chegaríamos em Madrid, dormiríamos uma noite e já partiríamos no dia seguinte para Barcelona. Assim, em agosto paguei o hotel em Barcelona, em setembro em Milão, em outubro na Suíça, em novembro em Paris. Resumindo: pegamos o avião com tudo pago: passagens, aluguel do carro e hospedagem. Só nos preocuparíamos com o que gastaríamos lá. Sei que o Sérgio, por exemplo, é contra planejamentos. Mas quando os recursos são escassos, eles são necessários. Se eu tivesse uma conta cheia de grana no Brasil faria tudo sem planejar. Iria para onde o vento apontasse sem me preocupar com preço de hotel ou em gastar com táxi. Mas não é meu caso. Minha conta no Brasil ficou raspadinha. No máximo, havia a opção do crédito que, graças a Deus, praticamente não usei.
Estando tudo planejado e organizado, finalmente chegou dezembro. A hora de pegar o avião. O momento de encarar o meu fantasma: o monstrengo que pesa toneladas e viaja por cima das nuvens como se fosse um beija-flor.
O avião sairia no dia 12 de dezembro. Uma semana antes começou a insônia. Coração dispara. Frio na barriga. Penso em desistir. Porra, perderia uma puta grana. A grana do sofá novo, da troca do carro, da entrada na casa. Penso que minha filha não vai. Se o avião cair, ficará órfã. Puta que pariu. Penso que meus pais e irmãos cuidariam bem dela. Penso, penso, penso. Acabo guardando para mim esses pensamentos. Vou me chapar de Rivotril e já era. Foi assim que fiz para ir para Nova York. Tomei um Rivotril antes de pegar o táxi e um quando o avião estava lá em cima. Apaguei e acordei com a aeronave descendo no JFK. Decido não tomar nada no trecho Porto Alegre – São Paulo. O avião sairia meio dia e pouco. Chegaríamos duas e pouco e pegaríamos o avião para Madrid às 17h05 pela Ibéria. Fui no seco até São Paulo. Quase esmaguei a mão da Cris. Suava frio, barriga gelava e aquela porra tremia tanto quanto eu. Mas chegamos. Quando as rodas tocam no chão, é o alívio. Aquele era o meu limite. Mais que isso, só com Rivotril. Rodamos, comemos e, quando fomos para o embarque, tomei um comprimido. Resolveu. Fiquei tranquilo, sonolento. Entramos na aeronave. O troço acelerou e zuummmmmm saiu do chão. Passou-se, sei lá, quase uma hora. No mapinha estávamos no nordeste quando, de repente, ZUMMMMMMM. O troço deu um solavanco. As pessoas gritaram “UUUOOOOOUUUUUU”. Se estivéssemos sem cinto pararíamos no teto. Na sequência, ele deu umas tremidas, como um carro que está apagando.
A Cris me olhou, apavorada. E eu só pensava “já era. É o fim. Eu sabia!!! Essa porra não é confiável, caralho!!!! Porque eu teimo comigo mesmo?!!!!”. O susto passou. Uma guria do outro lado chorava. O piloto falou em espanhol. Não entendi patavinas. Perguntei para umas cinco pessoas ao redor, todos brasileiros. Ninguém tinha entendido porra nenhuma. O que esse porra falou??? Que a merda vai cair??? Vamos ter que fazer pouso de emergência em Recife?? Caralho???? A aeromoça passou lá do outro lado. Eu, de pescoço esticado, tentando chamar a atenção dela. Quando ela olhou, comecei a abanar feito o Mr. Been. Ela veio. “O que o piloto disse???”, eu perguntei apavorado. “Ele disse que a viagem vai durar X horas e a previsão é de tempo bom em Madrid”, ela respondeu. Ufa. Por via das dúvidas, tomei mais um Rivotril. Capotei. Acordei quando estávamos cruzando o Marracos. Dali o troço passou rápido e logo pousamos em Madrid. Assim como quando cheguei em Nova York, estava chapado de Rivotril.
Fomos pegar as malas e a minha havia sumido. Fui até o balcão de malas extraviadas e disseram que se não aparecesse eu receberia 200 euros. Fiquei puto. Não houve Rivotril que me alcamasse?
- MAS NA MINHA MALA TEM MUITO MAIS DE 200 EUROS!!! EU QUERO A MINHA MALA!!!! TEM MINHAS BOTAS DE NEVE!!!!
A mulher se assustou um pouco. Pegamos o carro: um Fiat 500. Nada mal. Achamos sem maiores dificuldades o Hotel Barajas Plaza, que fica pertinho do aeroporto. Entramos no quarto e dormimos. Não sonhei com nada. Nem com o avião tremendo. Nem com a minha mala extraviada.

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