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quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Aprendiz de viajante

Sempre gostei de narrativas de viagem. Não é a toa que mantenho um projeto de pesquisa que trata da temática no jornalismo. Gosto de todos os tipos de estilo: das crônicas ingênuas, das reportagens, das memórias, das poesias, dos romances, dos contos, enfim, de qualquer história em que haja deslocamento. Pode ser dentro do país, como Jack Kerouac fez, não só em On the road, mas em muitas de suas outras obras não tão conhecidas. Pode ser em uma estadia mais longa em outros países, como fez George Orwel em Na pior em Paris e Londres. Pode ser uma viagem a convite de um governo, como Erico Verissimo fez em deslocamentos aos Estados Unidos e Israel. Ou pode ser uma viagem para fazer uma grande reportagem, como fez Flavio Alcaraz Gomes em Um repórter na China. Também pode ser os livros anuais de Airton Ortiz, um jornalista viajante profissional. Ou ainda, pode ser a conversa fiada que às vezes fascina e noutras irrita pelos preconceitos e clichês, como nos textos da patricinha veterana Martha Medeiros ou do playboy de cabelos brancos David Coimbra, dois rebeésseteveéticos que já vi encarnarem a arrogância de alguns que trabalham no grupo, com a postura: foda-se o que você pensa, eu trabalho na RBS e você não. Como se alguém além da fronteira do Rio Grande do Sul soubesse o que quer dizer RBS... Sem ressentimentos, conheci o David pessoalmente e já fui xingado pela Marta por email. Independente disso, volta e meia pego alguma coisa deles para ler (acabei há pouco o primeiro volume do Um lugar na janela, da Martha, e estou em andamento com Um trem para a Suíça, do David. Geralmente procuro algo deles quando quero ler algo não muito complexo, mais para relaxar mesmo.
O fato é que os textos que vou postar aqui nos próximos dias sobre a minha primeira ida para a Europa (não sei se será a única ou não, só o futuro vai dizer) não tem nenhuma pretensão jornalística nem literária. Na verdade são mais textos para que, talvez, no futuro eu possa consultar quando estiver velho e sem memória para saber o que aconteceu no meu passado. Não posso me comparar à literatura de gênios como Orwel, Kerouac ou Verissimo e tampouco posso concorrer com a quantidade de viagens feitas por David Coimbra, Martha Medeiros, Arthur Verissimo ou qualquer outro jornalista relativamente famoso que é escalado para cobrir eventos ao redor do mundo e que vivem em aeroportos. Os meus, são textos amadores de um viajante amador. Ninguém nunca pagou as minhas viagens, portanto, para faze-las tive que passar por muita coisa, que, como já relatei aqui, vai da panfletagem no centro de Porto Alegre até jornadas em redação de rádio e jornal de interior de 12 horas para ganhar 300 reais sendo cagado na cabeça praticamente todos os dias por diretores e editores. A minha grande viagem naquele tempo era pegar o Tracisa velho e lotado no sábado de tarde para ir de Ijuí para Santo Ângelo ver meus pais e sair na balada no final de semana com o pouco que sobrava e voltar já no domingo para estar na redação na segunda-feira de manhã cedo. Aliás, para poder ter alguma grana para sair, almoçava na casa da minha tia Eva (in memorian) e de noite era o tradicional pão com mortadela e queijo no kitnet em que fazia os trabalhos da faculdade em um PC 486 usado que comprei de uma ex-colega e que não tinha mouse (aprendi todos os atalhos do Windows nessa época).
Quando sobrava alguma grana me dava ao luxo de comprar carne moída de segunda para comer com pão cacetinho. Certa vez, meu amigo e colega de rádio Célio Ferraza se surpreendeu porque eu disse, em meio ao expediente, que naquela noite teria um jogo importante do Grêmio e que na saída da rádio eu não poderia esquecer de passar no mercadinho para comprar R$1,50 de carne moída para a ocasião especial. Ele disse que, apesar de rir, sentiu pena porque geralmente as pessoas dizem que vão fazer um churrasco para ver uma partida importante... Até hoje, quando o Grêmio tem alguma decisão, ele me pergunta se já comprei a carne moída. Isso apenas para ilustrar que meus sonhos de viagens sempre foram modestos e para fazer cada viagem eu abri mão de muitas coisas e não me arrependo em nada de nenhuma delas. A primeira “grande” viagem foi em fevereiro de 2005 para o carnaval no Rio. Carnaval de pobre, da zona norte, ficando na casa de um amigo em Bonsucesso, que incluiu noite no Terreirão do Samba, ao lado da Sapucaí, mas que o ingresso custava 5 reais. Já escrevi sobre isso outras vezes... Depois, por mérito, ganhei uma bolsa para estudar um ano em Nova York (também já escrevi sobre isso). E, agora, essa outra “grande” viagem: umas férias de quase 30 dias na Europa com a minha esposa. São histórias ingênuas, naturais para quem está acostumado a viajar, idiotas para viajantes experts como os citados anteriormente e talvez interessantes para quem gosta de viajar na imaginação lendo narrativas que envolvem deslocamentos pelo globo. Aliás, desde que li Dom Quixote elegi Miguel de Cervantes o melhor escritor de todos os tempos, pois ele fez uma dupla viagem: a andança de Dom Quixote com Sancho Pança por campos inexplorados na geografia e na imaginação. E foi pela terra dele, a Espanha, que começou a nossa viagem. No entanto, antes, no próximo post, vou contar como tudo começou a ser planejado, um ano antes, lá no início de 2018...

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