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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Sexografias

Quando foram abertas as perguntas ao público após eu comentar que Arthur Verissimo não é gonzo durante a minha apresentação no Intercom Nacional sobre a atuação de Hunter Thompson no jornalismo esportivo, um professor da UFPR questionou:
- E a Gabriela Wiener, é gonzo?
Franzi a testa, tentando lembrar desse nome. Nada.
- Quem?
- A Gabriela Wiener, a peruana.
Era um professor magro, de cabelos e barbas semi-grisalhos, fala mansa e rouca, mas não gravei o nome. Pensei mais um pouco e... nada.
- Desculpe, professor, mas essa eu não conheço...
- É que ela também se diz gonzo... Mas então deixa pra lá...
- E é boa?
- É... pega pesado... eu tenho até vergonha de indicar o livro dela, Sexografias, para os meus alunos...
Anotei o nome da autora e do livro e quando voltei para casa uma das primeiras coisas que fiz foi encomendar Sexografias. Dias depois, chegou. E mais dias depois, comecei a ler até que ontem terminei. Agora tenho até tema para o próximo artigo...
Se eu soubesse o nome do professor da UFPR que me questionou, até poderia enviar esse texto para ele, mas eu simplesmente não lembro. Tem jeito de ser um desses fodões da academia de cabelos quase grisalhos, oculinhos e pose de intelectual meio boêmio. Até dei meu humilde livro sobre o Erico Verissimo de presente e ele prometeu comprar o Jornalismo Gonzo, que lancei pela Insular. Se comprou mesmo, nunca vou saber, mas desconfio que não... As pessoas dizem isso só para nos sentirmos menos tristes do que somos por acreditar na literatura em um país como o Brasil...
Tentando responder a pergunta agora, dois meses depois, eu admito que não tenho uma resposta definitiva, mas uma hipótese. Uma não, várias. Penso que o Sexografias é talvez um pouco mais do que um tributo ao jornalismo gonzo, como eu considero que é o que o Verissimo faz. Ela REALMENTE se aproxima bastante da narrativa gonzo, mesmo sem ter drogas em primeiro plano. Na verdade, ela coloca o sexo em primeiro plano – como era de se deduzir, pelo nome da obra. Mas o fato é que ela VIVE as pautas e as pautas FAZEM PARTE da vida dela. Ou seja, assim como Thompson, ela não entrou na temática para virar uma jornalista famosa. Assim como Thompson, Gabriela também jogou a sua vida nos seus textos, apesar de terem objetos diferentes. E, isso sim eu afirmo, a narrativa de Gabriela é muito boa. Na minha humilde opinião, muito melhor do que do Arthur Verissimo – mais sincera, mais honesta, mais crítica, com um humor mais sutil e inteligente. Enfim, mais próxima da narrativa de Thompson. Porém, como eu respondi no Intercom, de maneira geral, a minha preocupação não é rotular “isso é gonzo”, “isso não é”. O gonzo do Thompson foi só dele. Agora, como disse, ele inspira muita gente. E, como comenta Gabriela, foram os outros que começaram a chamar o texto jornalístico dela de gonzo (bem como aconteceu com o Thompson), diferentemente do Verissimo, que se autoproclama O REPRESENTANTE do jornalismo gonzo no Brasil...
Em resumo, eu aceitaria de boas que um aluno, por exemplo, escrevesse um artigo ou monografia falando que Gabriela Wiener é gonzo. Já o livro do Arthur, não consigo enxergar dessa forma porque é algo muito diferente do que fez Hunter Thompson....
Agora, falando sobre a obra de Gabriela, aqui vão uns pitacos sobre as temáticas de seus textos. Primeiro, tenho que dizer que o único defeito da edição brasileira são os erros de digitação na tradução. São vários. Uma próxima edição teria que ser muito bem revisada. Mas, fora isso (e que não é culpa da Gabriela, pois ela escreveu em sua língua nativa – o espanhol) a obra é excelente. Tem sexo com uma estrela do cinema pornô (com o consentimento e ciúmes do namorado), tem ejaculação feminina provocada por um ninja que masturba a mulher até que ela jorre uma espécie de porra feminina, tem uma chapadeira de ayahuasca (um alucinógeno andino), tem sexo de porcos (o bicho), tem um final de semana com uma travesti peruana que mora em Paris e que, para não ser deportada, mente que é cubana e que se for enviada para lá vai ser morta pela ditadura de Fidel, tem atuação de Gabriela como prostituta e cliente de webcam, tem ida com o namorado a um swing em Barcelona, enfim, tem muita coisa, mas que vai além da cobertura de pautas bizarras, pois Gabriela faria tudo o que fez, mesmo que não fosse jornalista, pois ela é uma curiosa insaciável sobre a temática (bem como Thompson era em relação ao uso de drogas). Aliás, assim como Thompson soube usar drogas ao longo da vida sem perder totalmente o controle (algo raro, mas possível para poucos), Gabriela faz o mesmo sobre o sexo. Enfim, uma jornalista gonzo nata. Sem forçar a barra, sem querer aparecer. Como tem que ser. Se você ler a obra de Gabriela, desejo-lhe uma boa leitura e uma ótima gozada gonzo.

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