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sábado, 28 de novembro de 2015

Caco Alegre

Não sei se a minha mudança de opinião sobre a capital do Rio Grande do Sul foi afetada pelo choque de realidade que tive ao retornar ao Brasil após um ano nos Estados Unidos, ou se realmente a decadência está de acordo com o discurso sensacionalista da imprensa. Acho que ambas as coisas. O fato é que, caso eu me candidatasse a vereador ou a prefeito de Porto Alegre a minha primeira e principal proposta seria mudar o nome da cidade para Caco Alegre.
Confesso que já fui louco para morar lá. Inclusive, apelei desesperadamente. Ao terminar o Ensino Médio, fui para lá tentar vender radinho de pilha de porta em porta. Durou uma semana. Depois, ao me formar em Jornalismo, para poder trabalhar de graça (vulgo estágio voluntário) na Rádio Gaúcha eu fui panfleteiro na Otávio Rocha, no Centrão. Perto de uma zoninha que tem por ali com as luzes vermelhas que iluminam uma ampla escadaria. Antes mesmo disso, um de meus sonhos sempre foi morar em Porto Alegre. Foi, não é mais. Talvez essa mudança possa ser apontada pelo fato de eu conhecer relativamente bem cidades maiores e com mais atrações, como Rio e São Paulo. E, óbvio por ter morado um ano na cidade mais espetacular do mundo: Nova York. Mas, apesar disso, acho que Porto Alegre, ou Caco Alegre, como preferirem, está, realmente, caindo aos pedaços.
Eu poderia escrever páginas e páginas com relatos pessoais condenando a falta de segurança, o caos da infraestrutura, o sucateamento da educação e da saúde. Entretanto vou ficar apenas em três exemplos que vivi na minha última passagem de uma semana pela cidade.
Primeiro, eu ia saindo de casa com a minha pequena para almoçar, quando a minha irmã chegou ao apartamento e disse para esperar pelo menos meia hora antes de sair. Havia um guri de uns 14 anos esfaqueado na frente do prédio. Briga de alunos de colégios: dois particulares (um deles, o nada barato La Salle) e um público. Gurizada armada de facas, paus e pedras brigando pelas ruas da Cidade Baixa (testemunhas juravam terem visto um armado de revólver). Como sempre, meia hora depois, chegou a Brigada Militar que, com toda a calma do mundo, não resolveu nada (não os condeno, ganham pouco e se expõem muito, sem estrutura, sem apoio, sem moral). Aliás, a Brigada Militar é uma das instituições que mais teria razão se fizesse uma greve geral. Tudo parado por um mês. Deixar a população sem segurança (não que tenha agora), apenas para mostrar para todos a desvalorização da classe.
Rapidamente, os outros dois casos. Na quinta-feira do jogo Grêmio x Fluminense choveu forte por meia hora. A cidade virou um caos. Ruas alagadas, carros arrastados, fios elétricos nas ruas. Dois dias depois do temporal, tudo na mesma: fios nas ruas, sujeira, barro. Por fim, a falta de táxis. Atravessei a Rua da República, da João Alfredo até a João Pessoa, passando por pontos de táxis da própria Rua da República e de outras que cruzam com ela, e só achei veículos sem ninguém. Em um dos pontos, um senhor perguntou para onde eu iria, e respondi que ia até a rodoviária, e ele disse: “vai ter que esperar”. Ou seja, ele não quis levantar o seu rabo gordo para ir até o ferro velho vermelho dele, que estava parado, por julgar a corrida curta demais. Assim, com a pequena e algumas sacolas eu tive que pegar um busão na João Pessoa. Mas, antes murmurei: “vamos ter que colocar os carros pretos mesmo, pois não tem táxi nessa merda de cidade”. Aliás, essa é uma discussão idiota. É óbvio que Caco Alegre precisa do umber. Esse serviço existe em todas as grandes cidades do mundo. Quando cheguei em Nova York, em 2013, esse serviço já estava totalmente consolidado. Dois anos depois, em Caco Alegre, para não tirar o privilégio de uma pequena e poderosa máfia, estão fazendo um estardalhaço sobre o tema. E o pior: a imprensa zumbi compra as desculpas esfarrapadas das autoridades, que estão ligadas aos mafiosos.
Definitivamente, se esse país não tem jeito, o que sobra para esse estado falido e sem solução? Esse, que já foi o principal estado da nação, e que hoje, ao meu ver, figura entre os lanterninhas da federação. Como diria Erico Verissimo: Jacaré sabe? Nem eu.

*Texto publicado no J Missões.

sábado, 21 de novembro de 2015

O resgate do soldado Milhinho

Semana passada estive em Porto Alegre para participar do Seminário Internacional de Comunicação da PUCRS. Fomos eu, a minha pequena Larissa e o Milhinho. O Milhinho é um pato de pelúcia que meu irmão trouxe do Chile (ou seria do Peru?) quando a Larissa tinha um ano de idade. Resumindo, é o brinquedo preferido da Lari. Quatro anos de convivência é uma eternidade quando se tem cinco anos.
Na viagem de ida, eu tive que catar um banco vazio para deixar que a Lari colocasse o Milhinho ao seu lado no busão. Ela queria assistir aos desenhos no meu notebook com ele. E eu estava atrapalhando a dupla. Catei um banco lá perto do banheiro, lá no fundo, posicionado de forma que enxergasse o que estava se passando com as cabecinhas amarelas lá da frente. A Larissa não largava o Milhinho para nada. E assim, na terça-feira, fomos almoçar em um restaurante na Rua da República: a Larissa, o Milhinho e eu. Tive que arrumar uma cadeira para ele. Como não alcançava na mesa, eu o coloquei sentado na minha mochila. Assim, ele ficou sentado de frente para a Larissa, enquanto eu fiquei de lado. Também tive que colocar um prato para o Milhinho, que ficava ali, paradinho, todo amarelo, bem simpático, bicando de vez em quando um milho ou outro.
Do almoço, fomos para a parada de ônibus da João Pessoa. Pegamos o busão e partimos para a Puclândia, pois nesse mesmo dia eu apresentava trabalho no Seminário Internacional. Eu ia pensando na minha apresentação enquanto a Larissa falava pelos cotovelos comigo e com o Milhinho. O pato amarelo acompanhava os prédios passando rapidamente pela janela do ônibus. Porém, como a Larissa estava imersa nas suas conversas e eu no meu trabalho, não prestamos atenção no Milhinho e descemos do ônibus. De lá, seguimos para uma livraria do prédio 40, onde eu comprei um CD para salvar a minha tese e entrega-la na secretaria do PPGCOM, enquanto a Lari lia um livro do Snoopy. Saímos do prédio 40 e fomos para o bar da Famecos. Lá, encontrei vários colegas. Todos rapidamente se interessavam muito mais nas proezas da Larissa do que em qualquer coisa que eu ou qualquer um ali pudesse ter produzido academicamente. No entanto, de uma hora para a outra, a Larissa arregalou bem os olhos, colocou a mão na cabeça e exclamou dramaticamente:
- MEU DEUS!!!
- O que foi nenê? Quer ir no banheiro?
- MEU DEUS, MEU DEUS, MEU DEUS!!!!
- O QUE FOI NENÊ???
- O MILHINHO!!!!
Engoli seco. O Milhinho havia sumido.
- EU DEIXEI ELE NO ÔNIBUS.
Concluiu a minha pequena com os olhos já cheios de lágrimas. Formou-se um nó na minha garganta. Já era. Pobre Milhinho. Era como se alguém tivesse me comunicado o falecimento ou desaparecimento de um ente querido. Ao mesmo tempo, veio na minha mente as imagens dos nossos últimos momentos: eu passando a mão na cabeça do Milhinho enquanto ele olhava desenho no ônibus com a Lari. Eu colocando ele sentadinho na mesa para almoçar com a minha pequena. Eu dormindo com a Lari agarrada ao Milhinho. Meus olhos lacrimejaram. Quase gritei: NÃÃÃOOOOOOO! MILHINHOOOOO!!!! Mas, ao ver a Lari aos prantos, pensei: “tenho que ser racional, afinal, eu sou o papai dela. Se eu me desestabilizar, já era”. A essas alturas já havia se formado o tradicional bolinho ao redor da nossa mesa para ver o que tinha acontecido. A Lari só chorava, desconsoladamente, abraçada a mim. O único consolo que me veio à mente naquela hora foi dizer: “alguma criança bem legal vai acha-lo e cuidar muito bem dele”. A cena era comovente. Então, o Esser, um estudante português que está fazendo intercâmbio no PPGCOM da PUCRS, disse em tom profético: “Pois olha, eu tenho a impressão de que esse pato vai voltar. Escutem-me: esse pato vai aparecer”. Ele falou com tanta seriedade, que quase acreditei. Mas, eu sabia que estando perdido em um ônibus urbano de Porto Alegre essa chance era menor do que acertar os 170 milhões da Mega Sena sozinho.
Com a Lari desconsolada, subi para o segundo piso da Famecos, aonde eu apresentaria o meu trabalho no GT de Jornalismo. Porém, antes de começar as apresentações, ela deu um pulo de felicidade ao falar:
- PAI! Eu acho que não esqueci o Milhinho no ônibus, acho que ele ficou na livraria!
Eu me animei na mesma hora. No entanto, tivemos que esperar todas as apresentações terminarem para irmos até o prédio 40 – claro, a cada cinco minutos ela me dizia que queria ir buscar o Milhinho. E, para completar a aventura, tinha começado a chover. Fomos correndo até lá na esperança de encontramos o Milhinho vivo. Chegando, quase chorei de emoção ao ver o Milhinho amarelinho e peludinho se juntando a nós novamente!
E foi assim que, em uma terça-feira chuvosa em Porto Alegre, minha pequena e eu resgatamos o bravo e valente soldado Milhinho.