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terça-feira, 24 de março de 2015

Sobre aviões e ganância

Dia desses, estive em Pelotas. Enquanto eu esperava a minha carona na frente da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), tive uma conversa curiosa com um sujeito. Eu havia comprado dois livros do Hemingway, e um deles se chamava “Casado com Paris”. Isso provocou o início da conversa, pois ele veio me perguntar se eu falava francês. Em resumo, a figura mencionada era um homem de aparentemente mais de 45 anos, calvo, barba branca por fazer e um jeito de falar esquisito. Era estudante de matemática da universidade e disse ter sido piloto de avião e ter feito cursos de aviação. Para ele, voar era uma diversão.
Em meio a conversa, contei sobre o meu pânico de aviões. Falei que fico tenso durante o trajeto inteiro de uma viagem pelos ares, a não ser que tome umas boas doses de calmantes. Ele riu e contou que tem pânico de água: piscina, mar, banheira... Isso se justifica, pois ele já se afogou duas vezes. Não demorou para o tema da conversa ser desastres aéreos, ao que ele me revelou com ar conspirador: “tem um tipo de avião que saiu com problema de fábrica, mas isso não é divulgado... e eles mantém esse modelo voando pois os prejuízos para tirá-los de linha seriam enormes”. Perguntei que modelo era, ao que ele falou, depois de conferir olhando para os dois lados para ter certeza de que ninguém nos ouvia: A-320. Eu repeti umas cinco vezes em voz baixa, mas audível: A-320, A-320, A-320, A-320... Minha ideia era cuidar para não comprar passagens em voos desse modelo... No entanto, naquele momento, essa era uma precaução de alguém paranoico em relação à aviões, pois aquele sujeito poderia realmente ser um entendido de aeronaves com informações privilegiadas ou poderia ser um maluco com jeito de esquizofrênico que transformava informações aleatórias em realidades verdadeiras apenas em seu mundo imaginário...
Os dias se passaram, e nunca mais pensei na conversa que tivemos. Até que na terça-feira, me deparo com a notícia da queda de um avião na Europa. E qual era o modelo da aeronave? A-320. Se alguém me contasse essa história, juro que não acreditaria. Acredito apenas porque ouvi tudo com meus próprios ouvidos e vi a notícia com meus próprios olhos.
Para corroborar com a teoria do sujeito (de que as empresas aéreas mantem esse modelo em nome do dinheiro), há poucos dias foi publicada uma matéria falando sobre a sobrecarga que os pilotos de avião enfrentam, principalmente aqueles que viajam de madrugada. “Eu estou no limite”, disse um deles, em conversa com outro. Tudo para que as empresas não gastem mais – e lucrem mais. Tudo para explorar ao máximo um sujeito para que meia dúzia fique mais rico. Lembro do sujeito falando em Pelotas sobre o avião da France Airlines que caiu anos atrás: “Quando ele estava antes do meio do caminho, ele pediu para voltar e mandaram seguir. O importante para eles é o lucro. A vida de uma, 50, 100 pessoas não vale nada para eles comparado com os milhões de dólares que ganham”.
Raciocínios semelhantes se estendem para diversas outras áreas, pois tivemos acidentes de ônibus trágicos por motivos semelhantes aos do avião que caiu na França. Motoristas de caminhão vivem o mesmo drama: precisam cumprir prazos absurdos em tempos impossíveis e o resultado são as inúmeras tragédias. Tudo em nome do lucro, nada em nome da vida. Até que o filho de um desses bastardos esteja na próxima lista de vítimas. Ou eles mesmos, pois conheço gente tão gananciosa que abre mão até da vida dos filhos em nome de umas notas verdes no rabo.
*Texto publicado na próxima edição do J Missões.

domingo, 15 de março de 2015

Idiotização ciebernética

Se a internet, o mundo online, as redes sociais, enfim, o ciberespaço, tão bem descrito por Pierre Lévy, tem sido útil para alguma coisa, é para revelar a imbecilidade de boa parcela da população. Se não fossem as redes sociais como o Facebook, nunca saberíamos que aquele sujeito que passa por você todos os dias, ou aquele indivíduo que foi seu colega na infância, ou aquela pessoa que você imagina ser a sua cara metade é, ou se tornou, um perfeito idiota. São postagens pseudo-moralistas com estupros ao português que revelam o verdadeiro caráter de cada um. O resultado disso, no meu caso, resultou na recente exclusão de mais de 100 “amigos” facebookianos que nada acrescentavam ao meu intelecto. Troquei-os pela leitura de um livro descente.
Obviamente é muito mais fácil se escorar na bengala de lugares-comuns compartilhados na web e assumir para si piadas de uma profundidade política comparável a um pires de chá das cinco inglês do que ler páginas e páginas de livros que vão a fundo em questões como política, economia, corrupção, guerras civis, formação do estado, etc. É muito mais tranquilo ficar com a bunda atolada no sofá, tomando uma cerveja, assistindo ao último capítulo da novela da Grobo compartilhando postagens, do tipo, policiais atirando carteiras de trabalho em manifestantes, do que pegar as mais de 600 páginas de “Por quem os sinos dobram”, de Hemingway, ou de “Notícias do Planalto”, de Mario Sérgio Conti, ou de “Reino do medo”, de Hunter Thompson e aprender um pouco mais sobre política, sociologia e corrupção, antes de se fazer qualquer coisa. Como digo, a internet revela a total idiotização do povo brasileiro, que não é pouca.
Ao invés de se convocar as pessoas para bancar o papel de palhaças no espaço público segurando cartazes com clichês que até os revolucionários da Finlândia dariam risada, seria muito mais útil convocar a população para ler livros em praça pública para deixar o povo verde-amarelo menos burro – e menos passivo a tudo que lhes é enfiado no rabo cotidianamente. Aliás, se os pseudos-protestos dos últimos dias resultarem em alguma coisa, vai ser na substituição de um governo corrupto por outro tão ou mais lacaio do que o primeiro – apesar de que eu defendo a extinção e execução de todos: elimina-se a Dilma, depois Temer, depois Sarney, depois Aécio, e assim sucessivamente até que não sobre ninguém dessa raça.
Lembro que em cidades como Nova York, Denver e Chicago, presenciei dias em que, através de convocações feitas pelas redes sociais, as pessoas iam até determinado espaço público para ler livros. Talvez por isso os Estados Unidos é a principal potência econômica do mundo contemporâneo enquanto o Brasil... bom, o Brasil segue sendo Brasil com suas brasileirices de sempre. É a velha ilusão de se querer tudo da maneira mais fácil e rápida, mesmo que o fácil e rápido, na verdade, geralmente é a maneira mais difícil e lenta para se conseguir qualquer coisa...
Brasileiros e missioneiros: menos mimimi e mais trabalho. Menos blá-blá-blá cibernético, mais leitura e sangue de político corrupto – que até agora não vi nenhum. É o que tenho a lhes dizer nesse momento. Hasta!
*Texto a ser publicado, maybe, durante a semana no J Missões.