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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

David Copperfild – Parte 3 - Contém spoiler

 

Novamente, desgraçado e enxerido leitor, abandone esse texto. Como já disse nos anteriores, é apenas para consulta pessoal futura para lembrar sobre a história/enredo dessa obra prima escrita por Dickens no século XIX. Bom, terminada a leitura, quando minha massa cinzenta já tiver deletado todas as impressões que agora sinto acerca dessa narrativa, vale lembrar inicialmente que se trata de uma obra prima com uma linguagem muito tranquila e que pode ser lida da mesma forma que pode ser assistida uma novela ou uma série. Repetindo: são várias tramas que se desenrolam paralelamente, com muito drama, amor, casos mal resolvidos, intrigas e trajetórias de variados personagens que se cruzam. A narrativa é em primeira pessoa, na voz de David Copperfield, mas isso não impede que se tenham narrativas secundárias, como acontecem nas telenovelas.

Mas vamos às lembranças para o futuro e spoilers para o enxerido leitor que ainda não abandonou esse texto. Comecemos pelo protagonista. David Copperfield se casa primeiro com Dora, após a morte do pai dela. As três tias da pequena mimada autorizam o namoro à moda antiga, depois o noivado e depois o casamento. Dora é super frágil, tanto física quanto emocionalmente. Qualquer “não” dito por Copperfield faz com que ela caia em prantos e grite “então por que você casou comigo, se me odeia tanto?”. Enfim, Copperfield acaba sempre fazendo as vontades dela, que pede para que ele a chame de “filhesposa”, numa referência a uma mistura de filha com esposa. A tia de Copperfield também mima ela e se torna uma senhora rígida mas de coração muito bondoso. Porém, para ficar apenas na história do protagonista nesse momento, Dora fica doente e morre (claro que isso implica num puta drama que consome páginas e páginas). Copperfield viaja pela Europa, fica três anos longe (a maior parte do tempo na Suíça) e quando volta se dá conta de que ama Agnes. Aí começa um longo trecho em que ele alimenta um amor platônico pela amiga de infância mas não tem coragem de declarar. A tia dele faz a intermediação até que numa cena marcante ele declara o seu amor enquanto Agnes complementa dizendo que sempre o amou e que Dora havia autorizado o relacionamento antes de morrer (de certa forma, percebe-se em vários trechos do livro um moralismo típico da época, tipo, o viúvo só pode casar de novo se ele imaginar que a morta autorize). No fim do livro eles estão casados há dez anos e com três filhos. Copperfield se torna um famoso escritor com muita grana. Em síntese, após vários dramas e perdas, o protagonista tem um final feliz.

Agora vamos aos outros personagens. Bueno, com Dora e Agnes – em síntese - o destino é o relatado acima. Tradles, o amigo dele, continua fiel até o fim e também se casa, tem filhos e atinge sucesso profissional. A tia de Copperfield também o acompanha até o fim e quando a narrativa termina ela está com mais de 80 anos, firme e forte ao lado de Peggotty, a babá do protagonista, com quem ela havia tido problemas lá no início da história. O irmão de Peggotty, que é chamado pelo mesmo sobrenome, acaba encontrando Emily – a filha adotiva que havia fugido com o amante – e ambos emigram para a Austrália. Lá eles são felizes até o fim da narrativa. Junto com eles, partem a família do senhor Micawber, depois que esse entrega todas as falcatruas de Uriah Heep (o grande vilão do romance). Não tenho como transcrever todo o enredo, que tem mais de mil páginas, mas é uma cena digna do maior drama hollywoodiano a cena em que a máscara de Uriah cai. Em síntese, ele era um golpista profissional que se passava por coitado para conquistar a confiança dos outros e depois aprontava para eles. No caso do pai de Agnes, o sr. Wickfield, sua principal vítima, ele se aproveitou da idade dele para fazer com que se metesse em negócios obscuros. Se passando por bonzinho, ele ajudou o sujeito a sair dessa (mas sempre se endividando mais), mas sempre chantageando para não contar para ninguém. E assim ele fez com muitos outros, como por exemplo, coma tia de Copperfield. Ao final, ele é preso e todos aqueles que foram enganados têm seus bens e finanças restituídos.

E Ham, o noivo abandonado de Emily? Ele fica trabalhando duro no porto até que vem uma tempestade e, curiosamente, ele e Steerthorth acabam morrendo em barcos diferentes no mesmo dia. O ex-amigo de Coppefield abandonou Emily quando eles estavam morando na Suíça e volta a aparecer na cena em que morre. Enfim, há outros personagens secundários no meio, como a mãe e a babá de Steerthorth, mas não vou me ater a eles, senão esse texto ficará deveras longo. Já o Sr. e a Srta. Murdstone (irmãos responsáveis pela morte da mãe de Copperfield) conseguem dar o golpe do baú em outra pobre moça que também está definhando devido às torturas psicológicas impostas pela dupla. São os únicos vilões que se dão relativamente bem no fim do romance. Claro que fica subentendido que, mesmo conseguindo dar golpes, eles são podres de coração e alma e isso por si só já é uma punição. Há vários outros elementos que nos fazem pensar acerca de fatos e acontecimentos contemporâneos, mas isso fica para outro momento, pois certamente por um bom tempo, enquanto estiver com a narrativa fresca na memória estarei fazendo essas relações. Uma delas é o discurso de Uriah Heep, inclusive quando ele está na cadeia, de se passar por bonzinho sempre tentando colocar a culpa nas vítimas, tentando tirar proveito delas até a última possibilidade. Algo facilmente percebido no discurso político ao longo dos séculos. A questão é que, isso não é nem do tempo de Dickens, nem do nosso, é algo já abordado nas obras dos filósofos gregos sobre discurso de séculos antes de Cristo. Ou seja, pessoas sem escrúpulos como os atuais fanáticos por partidos e políticos sempre existiram e, infelizmente, sempre existirão.

Bueno, com isso finalizo essa síntese pessoal que, provavelmente, nunca mais irei consultar e também não será lida por ninguém. Isso me leva a concluir que, in fact, esse texto nunca existiu.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

David Copperfield - Parte 2


A partir da página 400 da obra, comecei a perceber mais claramente as técnicas literárias de Dickens. Ele vai pipocando aqui e ali perguntas, pistas e jogos com encontros e reencontros de Copperfield com os outros personagens. Vez ou outra ele apresenta um conflito, deixa ele quieto por várias páginas, para retomar mais para frente. Seguindo a leitura, você sente algumas questões mal resolvidas e levanta algumas suspeitas. Enfim, por isso concluí que David Copperfield é, para a literatura, como uma série é hoje para o audiovisual. Ainda não assisti ao filme baseado na obra de Dickens, no entanto, lendo, eu visualizo o troço todo mundo mais como uma série do que como um filme. Principalmente porque eu li praticamente de 40 a 50 páginas por dia, o que está me permitindo concluir a obra em aproximadamente 30 dias. Foi mais ou menos como se eu estivesse assistindo a uma série. Isso é totalmente justificável se considerarmos que David Copperfield inicialmente foi escrito como romance-folhetim, publicado em capítulos na imprensa da época.

Uma das questões que Dickens levanta e deixa para retomar bem mais à frente é a suspeita de um caso entre a esposa do diretor da segunda escola onde ele estudou, o sr. Strong, e o primo dela, sr. Madson, que é mandado por um período para fora do país. A suspeita fica nas entrelinhas e inicialmente você fica com medo de confirmar. No entanto, uma das principais intrigas dessa metade da narrativa é o caso que o grande amigo dele Steerforth, até então idolatrado por ele, tem com a pequena Emily no momento em que ela está noiva de Ham. Antes disso, Agnes, a filha do dono da casa que hospeda ele enquanto está na segunda escola, adverte que Steerforth não é o que parece ser e que ele usa o seu charme para conseguir o que quer. Bom, desnecessário dizer que esses textos sobre a obra contém spoillers... Enfim, adverti que não era para você ler, desgraçado leitor. São várias pistas que Dickens vai deixando e que você ao mesmo tempo em que vai colhendo vai tendo a curiosidade desperta por essas pistas. Em resumo, o Sr. Peggotty cai em desgraça ao saber que a pequena Emily abandonou o noivo para fugir com Steerforth. E tudo isso acontece enquanto Copperfield está apaixonado pela filha de seu patrão, Dora. Nesse ponto há um reencontro surpreendente: a irmã do Sr. Murdstone está trabalhando como conselheira da pretendente do protagonista. Você se sente angustiado acompanhando esse reencontro de Copperfield com aquela que talvez tenha sido sua maior carrasca. Você pensa: pronto, agora o grande amor da vida dele foi pelo ralo. No entanto, quando ele tem a oportunidade de conversar com a amada, ela lhe revela que detesta a srta. Murdstone. Então, a essa altura da narrativa você tem algumas perguntas plantadas em seu cérebro para querer descobrir as respostas.

Primeiro, o que o sr. Peggotty vai fazer para achar Steerforth. E de que lado Copperfield vai ficar? Será que ele se revoltará contra o seu melhor amigo e grande ídolo? E Agnes? Ele vai contar a ela o ocorrido?

Segundo, a mulher do diretor Strong realmente tem um caso com o primo? E, considerando a época em que se passa a história, início do século XIX, o que vai acontecer se o romance for descoberto?

Terceiro, Copperfield vai conseguir conquistar o seu amor platônico? Os outros dois que ele tivera até então não deram certo. O primeiro foi a pequena Emily, que noivou com Ham mas fugiu com Steerforth. O segundo foi uma mulher mais velha da escola para garotas que noivou com um personagem terciário. E agora? Será que a Srta. Murdstone vai conseguir atrapalhar tudo? E o seu chefe, aceitaria tal relacionamento?

Uma quarta pergunta surge, de um caso não comentado aqui.  O sr. Micawber, que alugou o quarto para ele em Londres e que volta a aparecer na narrativa, está novamente endividado. Agora ele hospeda Tradles, um antigo colega de Copperfield da primeira escola. No entanto, Copperfield descobre que Micawber está dando um calote em Tradles. E agora? O que ele vai fazer diante do impasse entre dois grandes amigos? E outra: um outro personagem secundário, um ruivo chamado Uriah Heep, está chantageando o pai de Agnes. Com isso, ele foi admitido como sócio da empresa dele. E pior: o próximo passo vai ser casar com Agnes, que nem imagina tal ambição de Heep. Como Agnes faz tudo pelo pai, Copperfield está angustiado pois ele sabe que ela aceitaria tal desgraça para salvar a figura paterna. No entanto, até então, o motivo da chantagem ainda é um mistério. E tudo isso que nem mencionei que o sr. Burkis faleceu, deixando Peggotty viúva...

Enfim, são vários e vários pontos de interrogações em várias histórias paralelas plantados pelo autor, ao melhor estilo série e novelas (na verdade essa é uma técnica da literatura adaptada pelos roteiristas de séries e novelas audiovisuais..).

Até a página 800, algumas dessas perguntas são respondidas e outras são estendidas para as últimas páginas. Até então, o sr. Peggotty não encontra Steerforth nem a sobrinha, mas encontra pistas e recebe uma carta da pequena Emily com dinheiro em anexo. Agora, ele quer encontrar Steeforth para devolver o dinheiro e levar a sobrinha de volta, considerando ela uma santa que foi persuadida pelo amigo de Copperfield. Apesar de ficar do lado do sr. Peggotty, Copperfield ainda sente compaixão por Steerforth. Já a mulher do diretor Strong realmente tem um caso mal resolvido com o primo. No entanto, Heep, que a essa altura já está apresentado como o grande vilão do romance (substituindo o sr. Murdstone nesse papel) já contou a ele sobre seus chifres e segue vivendo de chantagens sobre os outros personagens. A mais ambiciosa é casar com Agnes. A terceira pergunta é totalmente respondida. Sim, Copperfield conquista Dora, seu amor platônico. No entanto, o pai dela (seu chefe) é contrário ao caso – ele descobre o romance entre os dois através da srta. Murdstone, que trabalha como conselheira de Dora. Para a sorte de Copperfield, o velho fica tão estressado que bate as botas – o que é uma ironia, pois com a morte dele, a srta. Murdstone também perde o emprego. A essa altura o Sr. Murdstone encontrou outra garota nova para dar o golpe do baú. Com a morte do chefe, a guarda de Dora vai para duas tias distantes que aceitam o relacionamento de Copperfield com a sobrinha desde que observada uma série de condições, que vão desde a presença delas nos encontros até o limite no número de dias na semana em que eles podem se ver. No entanto, fica evidente que Dora é uma garota mimada, que não tem noção da realidade, super temperamental e que gosta de absolutamente tudo o seu jeito. Fica a dúvida se esse relacionamento vai seguir em frente ou se vai resultar num casamento com um evidente desentendimento no futuro (pois Copperfield tem que trabalhar para viver, fato que Dora não aceita).

Já o Sr. Micawber entrega um papel para Tradler assumindo a dívida e isso, para ele basta. Porém, ele também se envolve com o vilão Heep e fica a dúvida de qual tramoia o ruivo malvado está aprontando para ter Micawber na palma da mão, como a essa altura ele já tem o dr. Strong e o pai de Agnes. Ele tentou dobrar Copperfield, mas levou um bofetão na cara. Já o motivo da chantagem sobre o pai de Agnes, ainda não é revelado. Para além de tudo isso, a essa altura, a tia e Copperfield perdeu tudo e foi morar com ele juntamente com o sr Dick. Também há um mistério no ar sobre uma misteriosa figura que teria poder sobre ela (e que eu suspeito ser Uriah Heep). Fica a surpresa para os próximos capítulos.