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sábado, 30 de janeiro de 2021

Fama e Anonimato

 Confesso pra vocês que, mesmo pesquisando New Journalism por alguns anos, eu nunca havia lido “Fama e anonimato”, do Gay Talese, na íntegra. Quando estava no mestrado até tinha retirado essa obra na biblioteca da PUCRS para ler “Frank Sinatra has a cold”, mas não tinha lido mais nenhum dos outros textos que compõe essa coletânea de grandes reportagens literárias do auge da carreira de Talese. No final de 2020, quando o Papai Noel materno perguntou o que eu iria pedir, bati o martelo: “Fama e anonimato”, de Talese.



E eis que, nesse primeiro mês de 2021, na maior do parte enquanto me balançava na rede da casa de meus pais, li esse livro publicado em português pela Companhia das Letras. Aliás, li e curti. O livro é dividido em três partes. A primeira é a que mais gostei: são cinco textos sobre Nova York que formam praticamente um perfil da cidade. Lamentei, apenas, não ter lido esses textos antes de morar lá por um ano, entre 2013 e 2014, ou enquanto eu estava lá. Porém, também é muito prazeroso ler essas reportagens/crônicas conhecendo a cidade e vendo que diversas das referências feitas por Talese nos anos 1950/60 seguem as mesmos, como Madison Square Garden, Time Square, Central Park, etc. Muita coisa mudou nesse meio século, no entanto, a personalidade da cidade eu diria que continua exatamente a mesma. Portanto, esses textos são simplesmente obrigatórios para qualquer pessoa apaixonada por Nova York. Pena que fui descobrir isso apenas agora.

A segunda parte são reportagens que Talese escreveu sobre a construção da ponte Verrazano-Narrows, que liga os bairros do Brooklyn a Long Island, em Nova York. Confesso que, enquanto estive lá, não dei muita bola para essa ponte. Agora descubro que, na época, era uma das mais longas do mundo. Mesmo tendo alguns trechos relativamente longos que são um tanto quanto chatos (quando, por exemplo, ele tenta explicar as questões técnicas da construção), a parte humana é uma aula de jornalismo. Ele apresenta diversos dos construtores, conta sobre acidentes e mortes, sobre o drama das famílias que foram expulsas das casas onde nasceram pra construírem a ponte, e ainda aponta o antagonismo na relação entre os trabalhadores com a obra de concreto e os políticos e empresários engravatados que não botaram a mão na massa mas que apareceram nas fotos e na TV na hora da inauguração. Também relata de maneira muito foda o perfil dos “boomers”, que são os trabalhadores que viajam o país (e até o mundo) para trabalhar na próxima grande obra da humanidade (diversos que trabalharam nessa ponte, depois trabalharam na construção do World Trade Center, por exemplo). Também é curioso como ele apresenta a grande utilização e exploração da mão de obra indígena utilizada nessas obras. Enfim, como disse, afora as páginas meio “boring” sobre questões técnicas, é um puta texto.

Por fim, na terceira parte, aparecem biografias de famosos ou veículos badalados. Nesse trecho está “Frank Sinatra has a cold” (traduzido como “Frank Sinatra está resfriado”), bem como perfis dos pugilistas campeões mundiais em seus tempos Flory Patterson e Joe Louis (dois negros com histórias parecidas, mas com personalidades completamente distintas), a biografia do cineasta Joshua Logan, do jogador de baseball Di Maggio (que foi casado com Marly Moore) e assim por diante. Ao final do livro, a Companhia das Letras ainda colocou outros dois textos “making of” escritos por Talese anos depois sobre as reportagens de Frank Sinatra e da ponte. As duas baixas, não só da última parte, como de toda a obra, na minha opinião, são dois textos sobre veículos de comunicação que eram badaladíssimos na época: um sobre a Voge e outro sobre a Paris Review. Afora isso, é uma obra – sob o ponto de vista do jornalismo literário – quase perfeita.

domingo, 24 de janeiro de 2021

A garota de Cassidy

 Pouco antes do Natal, zanzando por uma livraria, encontrei “A garota de Cassady”, de David Goodis. Li o resuminho na contracapa e gostei: o texto da edição da L&PM dava a entender que era um estilo meio beat, meio Bukowski, meio maldito e meio suspense. Terminei de ler hoje as suas 215 páginas da edição pocket. Considerei razoável, porém, com um final decepcionante.



Apesar de ser uma boa história, a linguagem é bem diferente do texto cru de Bukowski, por exemplo. Cenas de sexo são descritas sem palavrões. A única semelhança é a bebedeira: praticamente todos os personagens são alcóolatras. O protagonista é um desgraçado sob o ponto de vista da sorte. Resumindo, dificilmente possa existir alguém tão azarado quanto ele no mundo real. Cassidy – esse é o seu nome - era um piloto de avião que se mete numa enrascada e é preso algumas vezes até que acaba se escondendo no interior americano. Lá, refaz a vida, casando-se com uma megera bêbada, agressiva e possessiva. Então, há uma dúvida de quem é a garota de Cassady: a esposa ou Doris, uma alcóolatra igualmente azarada na vida por quem ele se apaixona. Para resumir, ele se mete em uma confusão parecida com a que tirou ele da avaliação, mas agora dirigindo um ônibus. Aí começa todo o suspense que caracteriza Goodis como autor noir. Porém, dessa vez, não darei spoiler nem para o eu do futuro.

Limito-me a dizer que é um romance bonzinho, que fica lançando mil perguntas para você seguir lendo, atiçando a curiosidade, mas que beira ao extraordinário. Ou seja, a sequência de acontecimentos não são muito verossímeis. Faltava apenas super poderes, como voar ou atravessar paredes, para ser um romance de super herói, apesar de que o herói, nesse caso, é um anti herói azarado ao extremo. E temos ainda o final do livro, que me decepcionou demais. Eu esperava uma coisa e aconteceu o oposto. Porém, é um oposto meio happy end que reverte o caráter que alguns personagens demonstravam na narrativa até ali. Senti-me enganado, no mau sentido.

Acabei lendo esse romancezinho intercalando com a coletânea de reportagens “Fama e Anonimato”, do Gay Talese. Já tinha lido “Frank Sinatra has a cold” (que aparece nesse livro), porém, nunca tinha lido essa obra na íntegra. Agora estou lendo e devo acabar na próxima semana. Voltei a intercalar dois livros depois de bastante tempo e, vou confessar, foi uma bela repetição de experiência, pois assim como as histórias de Talese pegam os Estados Unidos dos anos 1950, 60 e 70, o texto de Goodis acontece no mesmo país nos anos 1940/50. Ou seja, mesmo sem querer, parece que os personagens de um livro se relacionam com os do outro. Claro que, para você fazer todo esse paralelo, uns latões de cerveja ajudam. Enfim, não me atrevo a indicar ou não “A mulher de Cassidy”, pois penso que alguns provavelmente vão adorar, enquanto outros vão odiar. Para mim, foi um livrinho interessante, mas que não chegou a me surpreender – uma boa história com final decepcionante. E isso é tudo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A possibilidade de uma ilha – Montanha russa literária

                 Terminei de ler hoje “A possibilidade de uma ilha”, do escritor francês Michel Houellebecq. No Brasil, trata-se de um livro raro. Publicado pela Record, está esgotado na editora e em todas as livrarias. Só é possível encontrar unidades em sites como Estante Virtual. O preço mais barato que achei foi de aproximadamente R$200. Vale a pena o investimento? Vou responder ao final do texto.


             Primeiro, trata-se de um livro montanha russa. Certamente esse é o livro que mais intercala páginas e páginas geniais com páginas e páginas horríveis. Tudo porque é possível pensar na narrativa em duas histórias. Na primeira, que é a genial, e que deveria compor com exclusividade a obra, é a história de Daniel, um sujeito comum, que vira humorista de stand up comedy na França com muito sucesso, principalmente explorando os piores instintos humanos (que é vulgarmente chamado de “humor negro”, apesar de eu preferir o termo “humor de mau gosto”). Enfim, na narrativa de Daniel1 está o lado bom do livro – até certo ponto. Ele conta sobre os seus romances, narra o seu declínio profissional, físico e psicológico, vive a famosa crise dos 40, apaixona-se, muda-se para a Espanha, termina o casamento, apaixona-se de novo por uma garota espanhola com a metade da sua idade, é abandonado por ela, e ainda tem sacadas genais sobre a sociedade, como o fato de que quem sustenta essa adoração e esse culto pela beleza e pela riqueza é, na sua maioria, os feios que nunca serão bonitos e os pobres que nunca serão ricos. Geralmente quem é rico e bonito nem pensa sobre o assunto. Assim, as pessoas passam a vida tentando serem bonitas e sonhando com uma riqueza que nunca vai vir – o que justifica boa parte da frustração humana. No entanto, não vou me alongar, pois são várias reflexões ou cenas que levam a tais pensamentos nos textos do personagem Daniel1. Esse é o lado genial da obra e que vale a pena ler.

                O que estraga o livro é o enredo principal. Daniel1 é o último da geração de humanos que é sucedida pelos “neohumanos”. No entanto, o texto já começa a ficar chato quando ele entra em uma seita chamada de “helohimismo”, que defende que a humanidade do futuro não será formada por filhos, mas sim, por clones, assim cada um terá a vida eterna, sendo clonado sucessivamente por gerações – no entanto, a clonagem só traz a semelhança física, não as lembranças da antiga vida. Assim, cada Daniel escreve um diário. O livro é composto pelos diários de Daniel 1, Daniel 24 e Daniel 25. Porém, as narrativas de Daniel 24 e Daniel 25 são pura viagem na maionese, além de serem chatas pra caralho. É uma viagem completamente sem sentido e achei absurda demais, pois eu tinha calculado que o Daniel 25 viveria aproximadamente 1.500 anos depois do Daniel 1, mas Houellebecq conta, em determinado trecho, que ele vive 2.000 anos depois. O bizarro é que o cara vive dois mil anos depois mas cita apenas autores pré-século XX, quer dizer, em 2.000 não aconteceu nada digno de nota e não surgiu mais nenhum autor histórico ou clássico? Achei essa uma falha gravíssima da narrativa. Mas isso é o de menos – o texto ficou chato pra caralho mesmo quando entra nesse tema futurista.

                Fazendo uma projeção simples, das cerca de 470 páginas da obra, penso que umas 150 se salvam (e poderiam formar um romance separado, perfeito, se Houellebecq tivesse se preocupado apenas em contar a história de Daniel1, sem querer viajar na maionese). Portanto, concluo que não vale a pena pagar duzentão para comprar esse livro, até porque é o pior dos que li do autor francês: prefiro muito mais Partículas Elementares e Plataforma, nessa ordem. O que eu sugeriria para o astuto e critico leitor é pegar emprestado (ou em alguma biblioteca) “A possibilidade de uma ilha” e ler apenas os relatos do Daniel 1, e mesmo assim pular as partes em que ele conta sobre a maldita seita, pois ele faz descrições chatas e irritantes. Finalizando, penso que não apenas é injustificável pagar duzentos barões no livro, como também não vi muito sentido no sucesso que ele fez na época do seu lançamento (2006, se não me engano) – achei que essa imaginação dele sobre o futuro foi muito tosca e muitas já foram por água abaixo em menos de 15 anos, quem dirá imaginar isso em 2.000! 


Por isso, volto a repetir: se o livro ficasse apenas na história e nas reflexões de Daniel1 sobre o cotidiano dele, os casos amorosos, as relações interpessoais, a crise dos 40 e a crítica social, esse seria um dos melhores livros que já li. Mas já que não é assim, só posso lamentar pelo tempo perdido e pelos duzentões jogados pelo ralo.