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domingo, 15 de outubro de 2017

The end

O avião iria partir. Eu olhava pela janela e tentava imaginar como seriam os próximos meses. Os próximos anos. Tudo completamente novo. Estaria completamente sozinho, pois havia perdido tudo o que havia “conquistado” desde que nascera até aquele momento. Perdido? Talvez eu simplesmente tivesse colocado fora. Apesar de que, colocar fora é uma expressão muito pesada. Digamos que simplesmente deixei tudo de lado. Foram algumas perdas muito pesadas para seguir em frente. Pelo menos para continuar no mesmo lugar, respirando o mesmo ar. Então, resolvi colocar tudo o que eu havia vivido até ali num saco e largado em um canto para tentar construir algo novo nos anos que ainda restavam para habitar esse mundo.
Lembrei-me de nossos momentos felizes. Dos beijos do início de relacionamento. Das brigas. Do sexo selvagem. Das puladas de cerca – dos dois lados. Dos filhos. Dos cachorros que tivemos. Das nossas famílias, que se odiavam, como se fossemos Romeu e Julieta. Depois, lembrei-me de nossos outros momentos felizes (com a segunda mulher da minha vida, que considerava como se fosse a primeira). Porém, vieram mais brigas e mais sexo selvagem e mais puladas de cerca – dos dois lados, novamente. E então, veio a terceira e a quarta mulher da minha vida e, sempre que uma nova chegava, eu sempre julgava que fosse a primeira, no ranking dos sentimentos. E todas foram importantes. Todos os filhos de cada um dos relacionamentos, também. Oito, no total. Oito filhos em nove relacionamentos sérios. Mais as brincadeiras. Mas não me julguem mal, foi brincadeira para os dois lados. Afinal, mulher também pode curtir, também pode simplesmente querer aproveitar o momento sem querer nada sério. Foi então que, o filho da puta lá de cima resolveu me foder. Eu já estava fodido financeiramente falando – oito pensões não é algo fácil de se manter. Não bastasse, o carinha resolveu ir levando o pessoal daqui: pais, irmãos, tios, primos, amigos, etc. Até que resolveu apelar. Eu não tinha como revidar. A cada perda, eu o xingava, mandava para a puta que o pariu. No entanto, quando começou a tirar meus filhos, não suportei. No primeiro, quase morri. No segundo, tentei ir junto: primeiro, coquetel de remédios. Como não funcionou, apelei para o corte de pulsos. Também não deu. Quando o terceiro partiu, usei todas as drogas possíveis e imagináveis em uma única noite com a expectativa de não acordar no dia seguinte. Não deu certo. O filho da puta quer que eu fique. Não sei por quê.
Foram quarenta anos bem vividos. Quarenta anos se apaixonando todos os dias. Bebendo, se divertindo, sonhando, acreditando que a vida era bela. Depois, 10 anos de sofrimento. Perdas contínuas. Uma pior do que a outra. No total, cinquenta. Cinquenta anos, nove mulheres, oito filhos, três mortos e cinco vivos. Foi demais pra mim. Ou eu me atirava duma ponte, ou metia uma bala na cabeça ou pegava esse avião. Resolvi embarcar. Juntei todas as mulheres e filhos e disse: ou eu vou para o Japão ou para o inferno. Coloquei uma arma na minha cabeça e disse para que votassem. Ganhou o Japão por unanimidade. Não falo japonês, mas lá vou eu. Tentar nascer de novo. Tentar me apaixonar de novo. Tentar recomeçar. Não vou levar notebook, celular ou o caralho a quatro. Minha antiga vida acabou. Não quero notícias de ninguém e também não quero que saibam que fim levei. Egoísmo? Não sei. Sempre fui egoísta. Na verdade, nunca me considerava um egoísta até que Ele começou. Eu estava na minha, curtindo, me apaixonando, fazendo sexo gostoso, criando minhas crias, brincando com meus cachorros, até que ele começou a apelar: levou um, depois outro, e mais outro, e mais outro. Não aguentei. Não entendi nada. Não achei justo. Simplesmente me revoltei. E não quero que ninguém sinta o mesmo sofrimento por mim. Por isso, simplesmente parti. Para o outro lado do mundo. Não quero voltar. Vou lá, ser faxineiro, cuidador de idosos, o caralho, não importa. Se der sorte, me envolvo com a filha menor de idade de um político e me condenam à prisão perpétua. Quero viver outra vida. Porque essa, já acabou. Foi bom enquanto durou.

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