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domingo, 19 de fevereiro de 2017

O verdadeiro fim de Anita

Terminei de ler ontem o livro Cordilheira, do meu amigo – mesmo sem me conhecer e sequer saber que existo – Daniel Galera. Digo que é meu amigo, pois li dois de seus livros (o outro é Mãos de cavalo), o que é suficiente para tornar o leitor brother do autor (pelo menos na cabeça do primeiro). Bom, como ele é meu amigo, vou ferrar com ele e contar a história do livro, inclusive o final.
De forma bem resumida, é o seguinte: a narrativa é em primeira pessoa sob a perspectiva da personagem Anita. Ela escreve um livro que rapidamente se torna best seller. No entanto, ela abandona a ideia de ser escritora e não quer mais saber do tal livro. A mãe dela faleceu no parto e o pai morre quando ela já é adulta. Anita mora junto com o namorado, Danilo, no entanto ela tem como objetivo de vida ter um filho, enquanto ele não quer nem falar sobre o assunto. Cansada dessa vida, que ainda tem relações com as amigas que gostam de dar palpites sobre as suas atitudes e a chamam de maluca por causa da obsessão pela gravidez, ela aceita o convite para lançar a edição em espanhol de seu livro em Buenos Aires. Anita vê nessa viagem a possibilidade de largar tudo e realizar o sonho de ser mãe sem ninguém para se intrometer. O plano é ir lá ficar um tempo, engravidar de alguém e voltar. Então, ela abandona Danilo e vai para Buenos Aires, onde um sujeito, inicialmente chamado Holden, passa a segui-la. Sintetizando, eles começam a namorar e ela vai morar com ele. Anita descobre que Holden e seus amigos tem uma espécie de seita literária, onde cada um tenta viver a vida de maneira radicalmente igual aos personagens criados nos livros escritos por eles mesmos. E Holden, na verdade, é o nome do personagem. O verdadeiro nome do sujeito é Diego. E qual é a história do livro de Anita e de Diego? No final do livro de Anita, Magnólia, a personagem, empurra o namorado da beira de um penhasco, enquanto que no final do livro de Diego, Holden é sacrificado pelo grupo de amigos de uma seita literária sendo lançado de um precipício. Dessa forma, Diego encontrou no livro de Anita uma forma perfeita de colocar em prática o final de seu personagem: ele seria sacrificado com Magnólia (ou Anita) empurrando-lhe do alto de uma cordilheira na Patagônia argentina. Pronto. Até aí a leitura do livro do meu amigo Galera às vezes é cansativa, mas a partir desse ponto ele conseguiu dar um ritmo interessante e teve o mérito de induzir o leitor a pensar uma coisa, surpreendendo-o com decisões que não ficaram forçadas.
Vou ser mais claro. Anita fica grávida de Holden. Antes de voltar ao Brasil, ela acaba cedendo à pressão dele e dos amigos para subir a cordilheira. Ela o faz, sem contar que está grávida, e decidida a não empurrá-lo do penhasco. No entanto, quando chegam ao local do sacrifício, ela começa a sangrar, sofrendo um aborto espontâneo. Vendo que ela não o empurraria, Holden opta por se atirar lá de cima. Anita perde o filho e volta para São Paulo, para a casa de Danilo que, mesmo tendo casinhos com outras nos meses em que ela o abandonou, ainda a ama. Na última cena da narrativa, ele a convida para subir ao terraço do prédio. Eu imaginei que ela o empurraria para baixo ou que um deles se suicidaria, mas não. Ele a convida a subir para declarar que ainda a ama, mesmo sabendo da história do argentino, da gravidez, do aborto, etc. Aliás, tudo isso só fazia com que ele a amasse ainda mais. Porém, a resposta dela, que são as últimas linhas do romance, é a seguinte: “Tarde demais, Danilo. A gente teve um problema de sincronia. Ainda não era bem isso que ele precisava ouvir. Fingiu que não tinha entendido bem, pediu outras explicações. Só a deixaria em paz quando dissesse nos termos mais simples, sem rodeios nem palavras indígenas, que não o amava mais”. Fim.
Bom, como se pode ver, esse é um final sem um grand finale. O que considero um mérito, pois, anteriormente, eu pensava que Anita empurraria Holden e voltaria grávida para São Paulo para ter e criar o seu filho sozinha. Esse seria o grand finale imaginado – e até desejado – pelo leitor. Mas seria clichê. Seria novela das oito de mal gosto. Então, resolvi dar um grand finale – meio mequetrefe, admito – para a história. O que aconteceu com Anita após a cena do terraço? Sem a permissão ou a concordância de Galera, eu conto para vocês (de forma bem resumida, pois sei da vagabundice e preguiça do leitor contemporâneo).

Depois daquela cena, Anita morou com Danilo por mais uma semana. Ele, obviamente, tentou convencê-la de todas as formas que ainda a amava, mas quanto mais ele se humilhava, mais ela o odiava. Uma noite ela até cedeu e eles treparam, mas no dia seguinte ele a viu chorar e perguntou o que houve. A resposta foi nua e crua: “eu tenho nojo de você!”. Na semana seguinte, então, ela se mudou para a casa da amiga Julie, que seguiu pentelhando e dizendo para Anita o que ela tinha que fazer. Foi duro aguentar, mas ela seguiu o conselho da amiga: começou a escrever um segundo livro e a estudar Letras na USP. Como precisava de dinheiro, escreveu rápido o livro e em um ano conseguia respirar um pouco. Fez amizades na USP e, secretamente, seguia com o plano de ter um filho. Teve que baixar o nível de exigência para encontrar um que aceitasse a ideia. Maurício foi o escolhido, por critérios socioeconômicos. Começou a namorar ele e logo estavam morando juntos. Ela engravidou e o nenê, uma menina chamada Luciele, nasceu no mesmo ano de sua formatura. Fez mestrado e, quando terminou, aproveitou para acabar com Maurício também. Entrou no doutorado e durante quatro anos viveu da bolsa e da pensão do pai de Luciele. Descobriu que a criança não a satisfazia completamente. Namorou vários caras, até que um maluco que se apaixonou por ela em uma festa ofereceu dinheiro por uma noite de sexo selvagem. Ela hesitou, mas como estava precisando e o valor era altíssimo, aceitou. Acabou achando que essa era uma boa forma de complementar a renda e colocou anúncio de acompanhante de luxo em um site famoso. Cobrou caro e fazia um programa por semana, assim, tinha renda fixa: bolsa + pensão + programa.
Deixou de namorar vários caras para seguir independente. Então, concluiu o doutorado. Fez concurso para o cargo de professor efetivo em uma universidade federal e arriscou alto: quando entregou a prova escrita, ao cumprimentar o presidente da banca (um senhor famoso no mundo acadêmico das letras e casado há 30 anos com uma escritora famosa, de pele enrugada e seios murchos) deixou um bilhete pequeno em suas mãos, dizendo: “se quiser uma noite de loucuras hoje, me liga”, e abaixo colocou o seu número de telefone. Ela voltou para o seu lugar, cruzou as pernas deixando as coxas à mostra em seu mini vestido preto, e seguiu agindo como se nada tivesse acontecido. Ele ligou e ela o enlouqueceu. Anita foi aprovada em primeiro lugar e demorou a conseguir se livrar do presidente da banca, que agora era colega de trabalho. Só conseguiu quando começou a namorar com Antônio, outro servidor da mesma universidade. O relacionamento só teve início, aliás, para ela ter uma desculpa para tirar o velho acadêmico de seu pé. “Não posso, estou firme com o Antônio”. Dois meses depois, entretanto, deu um fim ao namoro e alegou ao outro que estava com depressão. O tempo passou, o presidente da banca de seu concurso morreu e quando se deu conta, já tinha entrado para a etapa final: 50, 60, 70... Viu a filha crescer mas agora sonhava em ser avó. Um dia Luciele disse que iria passar um tempo em Buenos Aires. Semanas depois, ela ligou contando que estava apaixonada por um cara chamado Holden. Anita ficou deprimida e em semanas definhou. Estava com 45 kg, em uma cadeira de rodas, quando teve um ataque cardíaco fulminante enquanto ouvia a apresentação do TCC de um aluno que defendia que a obra de Paulo Coelho poderia ser considerada um clássico da literatura do século XXI.

FIM

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