Quanto vale um Flaubert?
Editor: Acabei de ler os originais.
Flaubert: É mesmo, e aí?
Editor: Posso ser sincero?
Flaubert, suspirando: Claro...
Editor: Você tem potencial, mas... (cinco segundos de silêncio), do jeito que está, não rola. Até tem qualidades literárias, mas ninguém vai comprar....
Flaubert: ...
Editor: Sua linguagem é muito rebuscada. Seus parágrafos são muito longos. As descrições são cansativas. Os personagens pensam demais...
Flaubert: ...
Editor: São muitas páginas. O papel está caro. E quem lê no monitor ou na telinha do celular quer algo mais sucinto, mais prático, mais coloquial, mais direto ao ponto, entende?
Flaubert: Por supuesto.
Editor: As pessoas querem coisas que não as façam pensar...
Flaubert: Claro.
Editor: Olha, essa sua versão... são 340 páginas... Tem muitos termos técnicos da medicina e da farmacologia que as pessoas não conhecem... Você dá muito espaço aos personagens secundários... E o Charles é muito burro... Não vai colar. Podemos mexer no final, quando ele se encontra com o amante da finada esposa... Poderia rolar uns tiros, alguns socos pelo menos... Quem sabe dá até filme...
Flaubert: ....
Editor: Mas voltemos ao livro. Primeiro, tens que reduzir de 340 para 150 páginas. Jogo rápido, pá, pum, neguim compra, lê, no outro dia esquece... Depois lançamos novela, minissérie e filme, se pá, até jogo de videogame e ninguém nem vai lembrar do livro...
Flaubert: ...
Editor: E tens que trocar uma série de palavras: “acendalha”, “superfluidade”, “arandelas”, etc... Olha, já ouviu falar no dicionário dos sinônimos no Google? Pois é, acha umas palavras mais fáceis, que as pessoas leiam e entendam sem pensar muito.
Flaubert: Ok. E, suponhamos que eu aceite as suas sugestões de alterações, quanto vocês vão me pagar?
Editor: Como assim?
Flaubert: Quanto vai ser pago pela obra?
Editor. Veja bem. Não é mais como antigamente. Não estamos mais no século 19, e sim no 21, na pós-modernidade! As coisas evoluíram. O mercado é concorrido e, como você sabe, a conjunta econômica não nos permite fazer investimentos arriscados...
Flaubert: ...
Editor: Então, você manda essa nova versão, bonitinha, sem palavras difíceis, com mais ação, em 150 páginas no máximo, e a gente faz um orçamento. Se ficar bom, você compra 80% dos exemplares e os outros 20% a gente assume o risco...
Flaubert: Em resumo, eu terei que pagar pelo meu próprio trabalho?
Editor: É uma maneira pessimista de interpretar a situação... Ah, e outra coisa, temos que mudar o título: Madame Bovary não vai pegar...
Flaubert: Nada feito. Boa sorte com o seu negócio.
Editor: Pense bem.
Flaubert: Não tenho mais nada a pensar.
Editor: Ok, boa sorte com a sua literatura rebuscada.
E, assim, o editor publicaria um livro de 150 páginas do consagrado Paulo Coelho e enxeria os bolsos de dinheiro enquanto o nosso Flaubert do século XXI morreria no anonimato publicando centenas de páginas em blogs que teriam, no seu ápice, cinco acessos, sendo quatro por engano.
1 Comentários:
Tá, teu leitor nº 1 leu. É hilário mas o troço tá bem assim mesmo. Abraço.
Há, to lendo o teu livro, podemos dizer que o sr leva jeito, mas precisa ter uma conversinha com o editor do Flaubert. Hahahaha.
Por Marcos, às 19 de novembro de 2016 às 02:51
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