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sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Festa no velório

Em setembro do ano passado, sem saber ao certo o que seria da minha vida um ano adiante, acabei comprando alguns ingressos para os jogos Olímpicos do Rio, incluindo o da abertura. Independente de qualquer coisa, eu teria onde ficar, elemento importante, pois a hospedagem seria, sem dúvidas, o maior de todos os gastos. O tempo passou e agosto de 2016 foi se aproximando. No entanto, as mazelas políticas, somadas à crise econômica, fizeram-me brochar em relação à parafernália esportiva. Inclusive porque não me conformo em praticamente não ter reajuste salarial enquanto os preços de praticamente tudo (serviços e produtos, principalmente) dobram (e alguns triplicam) de valor de um ano para o outro. Cerveja a 13 reais no Maracanã, nem fodendo.
Além disso, viver em um país que tem um golpista como Temer de presidente e ver o povo fazer uma pseudo-fracassada-revolução apenas nas redes sociais é broxante demais. Tudo isso, somado com a frustração de ver como resultado dos protestos de junho de 2013 o Michel Temer se tornar presidente e, de quebra, nomes como Aécio e Alckmin ganharem força para as próximas eleições, é de trincar os bagos. Então, eu pergunto: que clima havia para alguém como eu ir lá celebrar os Jogos Olímpicos? Creio que os estrangeiros nunca vão entender esse ponto de vista, pois apenas alguns poucos brasileiros sabem o que isso representa, assim como apenas alguns dos sul-africanos sabem o que representou a Copa de 2010. A cerimônia de abertura foi linda, quiçá, a mais bela da história dos jogos Olímpicos (até o próximo, pelo menos). As temáticas abordadas foram todas adequadas e a escolha do Vanderlei Cordeiro de Lima para ascender a tocha foi perfeita.
Mas, quando eu via as imagens aéreas mostrando o Maracanã imponente e as luzes da cidade sendo abraçadas pelo Cristo Redentor, o meu senso de jornalista me mandava imaginar um close na câmera invadindo as ruelas das favelas cariocas, o tráfico que não parou pela abertura dos Jogos, as salas de apartamentos de luxo aonde ocorrem as mais esdrúxulas negociatas, o homem espancando a mulher e os filhos num barraco do subúrbio, um grupo de policiais estuprando uma moradora de uma comunidade qualquer, que não tem a quem recorrer no dia seguinte... E, assim, simplesmente brochei. Eis a principal justificativa por eu ter posto para revenda todos os meus ingressos.
Vendo a bela festa na TV, que sob o ponto de vista do esporte e dos jogos é justa de ser realizada no Brasil (fato que nossos políticos, com a complacência de praticamente todos os veículos de comunicação, conseguem manchar) eu fiquei me comparando a um sujeito que perdeu um parente ou amigo próximo nos últimos dias e que aceita o convite para ir a uma grande festa, cheia de gente bonita e mulheres sedutoras. Está tudo ali, lindo, belo, exposto, disponível, no entanto, não há clima. E é essa a relação que eu faço entre o Brasil e os jogos Olímpicos de 2016: o Brasil é o camarada morto, eu sou o amigo do Brasil, e estou vendo pela tela da TV uma grande festa que ocorre paralelamente ao seu velório, em sua casa. Podem apresentar os mais variados argumentos contrários à minha visão mas, particularmente, não consegui entrar no clima. Sorry, mas eu me empolgaria mais indo para os jogos Olímpicos de Tóquio de 2020 (como um estrangeiro alheio aos problemas dos japoneses) do que indo para os jogos Olímpicos do Rio, que acontecem durante o velório do nosso ente querido chamado Brasil.

1 Comentários:

  • Vi de raspão, na hora do intervalo, um pedacinho e, segundo comentários dos(as) profes presentes, a festa estava muito bonita. Apreciei, principalmente, uma atleta strangeira com um "Fora Temer" escrito na palma da mão, mas a tv rapidamente mudou a imagem. kkkk

    Por Blogger Marcos, às 6 de agosto de 2016 às 05:19  

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